Eu peguei a chave e abri a casa tudo de novo, entrei e fui até meu quarto pegar meu celular e fones de ouvido, eu não era ninguém sem esses dois apetrechos. Aproveitei e peguei o kindle também, adoro ler um pouco no meu horário de almoço. Peguei uma bolsa de lado e saí da casa trancando tudo novamente. Já do lado de fora, enfiei o kindle e as chaves dentro da bolsa, coloquei os fones blueetoth no ouvido e joguei os cabelos por cima para disfarçar. Nunca se sabe quando os donos vão aparecer né! A honra de morar no Brasil é saber que você compra e tem a possibilidade de dar de presente pros donos. Eu estava entretida escolhendo a musica que iria escutar – A Thousand Miles – quando o garoto apareceu ao lado de fora conversando com o motorista do caminhão de mudança. Nossa. O encarei de soslaio sem tirar completamente os olhos do celular, ele pareceu ter me notado por alguns instantes, mas logo voltou a prestar atenção na conversa do motorista. Eu coloquei o celular no peito, o esconderijo do Brasileiro, e segui meu caminho. Como costumo acreditar que sou uma artista quando estou andando e escutando musica, iniciei meu show particular.
“Eu sou Estefani, em meu crossfox, eu vou sair, vou viajar, me divertir, não vou ficar mais te esperando porque agora eu sou demaissss...” A musica na versão brasileira é muito melhor.
Segui perdida em meus pensamentos até o centro de Holambra, uma caminhada de apenas dez minutos. Cheguei à frente do restaurante encarando as portas de vidro com a grande placa escrita: Doce Jasmim. Sim, o restaurante tem o meu nome, é ser importante demais, né? Entrei indo diretamente para a cozinha.
— Cheguei. — Avisei a minha mãe.
— Tá, vai pra recepção. — Ela falou.
Minha mãe tem o restaurante dela desde que se casou com meu pai! Era o sonho dela fazer gastronomia, mas na época de minha vó isso não dava dinheiro, então a pedido da mãe ela fez administração, o que hoje se tornou muito útil com o restaurante, mas logo após o casamento ela fez o curso de gastronomia que tanto queria por incentivo do papai. Minha mãe é incrível na cozinha, os melhores pratos vêm dela, aqui servimos de tudo, mas o sucesso mesmo é sempre as sobremesas doces. O ambiente é acolhedor e sofisticado ao mesmo tempo, com toda a mobília e decoração em marrom amadeirado; armário de amostras de bebidas com todo tipo de bebida possível, embora o que saia mais por aqui seja o famoso café da dona Marília, com gosto de casa. Sem falar no cheiro de Jasmim que impera o ambiente, minha mãe costuma passar sempre a essência de Jasmim antes de abrir, e logo na recepção e em alguns pontos específicos, pequenos jarros com Jasmim decoram o ambiente. Temos um publico considerável pelo fato de servirmos para todos os públicos abrindo as oito e fechando às nove da noite. Tendo no cardápio: Café da manhã, almoço, sobremesa e janta. Minha mãe é a cozinheira chefe, mas conta com a ajuda da Marileide – ela detesta este nome, por isso sempre chamamos de Mari. – Eu trabalho na recepção sempre recepcionando a todos que chegam e quando está um pouco devagar também atendo os pedidos, mas temos os garçons que são o Mario e a Solange – que gosta de ser chamada de Sol.
Logo os três chegaram e iniciamos nosso trabalho tranquilamente. Eu amo trabalhar no doce Jasmim, sinto um pouco do meu pai neste lugar. Ele amava cozinhar junto com minha mãe, e sempre foi a favor que ela abrisse este restaurante e por isso ela abriu, para tê-lo um pouco mais. O cheiro desse lugar me remete a minha casa, e eu nunca fui tão feliz como sou quando estou aqui dentro, me lembro de correr com meu pai por este lugar e de cozinharmos juntos quando eu nem sabia fazer nada, apenas comer. Com o inicio da faculdade ficou acordado que eu faria as aulas a noite e trabalharia com ela durante o dia. Para o turno da noite podemos contratar uma aprendiz já que é só das seis as nove. Como minha faculdade é a Unicamp e fica em Campinas, eu posso ir e voltar de carro. Tudo programadinho até os últimos detalhes.
O dia foi bastante produtivo e correu até mais rápido do que esperado, inclusive para mim que tinha tempo para ouvir todas as fofocas do bairro. A melhor parte de trabalhar em restaurante é que você escuta todo tipo de fofoca, embora hoje em dia eu veja mais pessoas no celular do que conversando, mas ainda há aqueles que vão até lá para fofocar durante o horário do almoço, ou para falar mal do trabalho, é o que eu mais escuto. Na hora do almoço peguei meu prato e resolvi comer na porta dos fundos, porta essa que dava para um beco que inclusive também dava para a porta dos fundos do galpão aqui do lado e para o tonel onde colocamos os lixos ao final do expediente. Eu amava ficar deste lado nos tempos livres porque aqui a calmaria reina e não fica ninguém.
— Já ouviu a última? — Mari veio até a mim.
— O que? — Perguntei já ansiosa pela fofoca.
— Vai abrir uma casa noturna nesse galpão aqui do lado. — Ela falou em tom baixo tentando esconder a empolgação.
— Era realmente só o que me faltava! — Falei revirando os olhos.
— Isso é demais! — Ela falou agora mostrando sua animação.
— Exato. Zoada demais, incômodo demais! — Falei a encarando com uma careta.
— E você é chata demais! — Ela riu. — Finalmente um lugar pra se divertir quando a gente sair daqui.
— É, quando você sair daqui porque eu estarei na faculdade, neném! — Falei.
— Aff, verdade. Mas tem os finais de semana. — Ela falou piscando.
— Vai trabalhar vai, dona Marileide. — Falei dando língua pra ela.
— Jasmim! — Ela bufou. — Se me chamar assim na frente de alguém, juro que mato você.
— Ai não terá ninguém pra ir à casa noturna no final de semana. — Ri.
— Ahhh! Então você vai. — Ela bateu palminhas.
— Eu não disse isso. Só espero que não seja essas revoadas brabas.
—Que seja um baile funk, amém. — Ela disse, piscou e se retirou.
— Essa garota não presta. — Resmunguei ainda rindo.
Voltei para o meu mundinho com meu fone de ouvido, terminei meu almoço e li um pouco no kindle para aproveitar minha hora de descanso. Geralmente temos duas horas e dá tempo de eu ir até em casa, tomar banho, fazer algo e voltar. Mas eu sempre deixo que minha mãe vá e descanse um pouco e fico tomando conta de tudo, raramente decido ir. Depois do almoço voltei para o expediente e continuei seguindo pelo restante do dia. No final da noite o movimento tinha sido bom e eu estava extremamente cansada. Ao fecharmos, limpamos tudo, jogamos o lixo fora e seguimos para casa. Quando chegamos, eu desci na frente da porta e minha mãe foi colocar o carro na garagem, abri a casa e entrei. Tomei um banho, tomei café enquanto dona Marília assistia a novela das onze e depois fui direto para o meu quarto. Coloquei meu fone de ouvido e peguei meu kindle... Eu estava lendo um livro chamado: Um desconhecido em minha vida onde uma garota de programa estava prestes a perder sua vida e era salva por um atraente desconhecido, o livro me pegou de uma forma surpreendente e a leitora sabia como abordar o tema sem pesar o enredo. Me sentei em minha poltrona e comecei a ler ao som de Clau...
Já estava empolgada na metade da leitura quando notei que já estava prestes a dar meia noite e eu precisava dormir se quisesse acordar cedo no outro dia. Desliguei meu kindle e resolvi olhar um pouco a lua, o céu estava lindíssimo e suas estrelas brilhavam ao máximo, o que me pareceu ser uma boa idéia para uma ótima foto. Entrei, peguei minha câmera e voltei para a minha varanda. Liguei a câmera e mirei a minha frente para ajustar o foco quando o notei através das lentes, ele estava sentado na janela com seus fones enormes e rosto virado para a lua com um caderno na mão, parecia estar pensando em desenhar ou escrever alguma coisa. Seu ângulo era perfeito. E antes que eu pudesse me controlar, capturei uma foto sua, ele parecia uma miragem com camiseta e bermuda de pano. Estava completamente perdido em pensamentos. Mirei na lua e tirei uma foto daquela noite estrelada, agora eu tinha mais duas fotos para admirar e completar meu álbum físico, eu amo imprimir as fotos e guardar, um dia quero fazer uma exposição de pequenos detalhes... Quando estava desligando a câmera vi que ele me notou, me encarou, meu olhar encontrou o seu e de lá não saiu por alguns segundos. Olhos escondidos pela escuridão da noite e pela minha miopia. Eu senti que queria morar naquele olhar, era questionador, misterioso, ao mesmo tempo carente. Ele estava triste. Eu sabia decifrar as expressões faciais e corporais pelos mínimos detalhes. E ele estava realmente triste. Senti vontade de abraçá-lo, ele desviou o olhar do meu e encarou seu caderno voltando a se perder em seu mundo. Eu voltei a encarar minha câmera, liguei de volta, e quando vi já estava tirando outra foto sua. Na tela, seu sentimento transbordava. Era como um segredo, pedindo que alguém o revelasse, era essa a sensação que a sua foto me passava. A sensação de uma tela em branco que pedia para ser desenhada, ou um desenho abstrato que pedia para ser entendido. Voltei para dentro do quarto e me joguei na cama, mexi em meu celular por alguns minutos e logo apaguei de cansaço. Alguns dias eu era agraciada pela insônia, mas nesse em especial, eu estava tão cansada que a insônia passou longe me deixando o paraíso dos lençóis macios.
O celular alarmou mais uma vez me trazendo de volta para a minha realidade, já fazia duas semanas que o bendito e atraente vizinho havia se mudado para a casa da frente. Casa essa que eu costumava entrar algumas vezes quando queria ficar sozinha e que por muitas vezes quando pequena eu tinha brincado com meus amigos, essa casa tinha história até demais para contar! Me levantei da cama ainda sonolenta, andei no automático até o banheiro e ainda bocejando fui tirando a roupa. Hoje iríamos fazer o mercado do mês para o restaurante. Coloquei um short jeans desfiado, um blusão, um sapatenis, finalizei minha juba e pronto. Quem se arruma pra ir ao mercado? Pois é. Passei só um batonzinho e um rímel porque ninguém quer ver assombração de manhã cedo, mas se bem que ao nível das adolescentes brasileiras que acostumam ir ao lê cirque de manhã cedo, eu não assustaria muita gente. Saí do quarto ainda no automático, eu havia ido dormir quase duas da manhã encarando a bendita foto do desconhecido
Tudo seguiu o mais normal possível, pela parte da manhã o movimento foi bastante tranqüilo então arrumamos tudo. Infelizmente a Mari acabou tendo que ir para casa porque não estava muito bem e eu fiquei como ajudante de cozinha. Preparei os temperos pra corte vendo que hoje eu almoçaria tarde. Estávamos a todo vapor quando os pedidos começaram a chegar. Minha mãe continuou fazendo a comida e eu terminei o tempero e fui montar os pratos para o Mario levar quando ele veio meio atordoado.— Dona Marília. É... Estão chamando a Senhora lá fora! — Mario falou sem jeito. Medo de ser despedido, talvez!— O que houve, menino? — Minha mãe perguntou confusa.— Eu não sei. Só pediram pra ver a dona do lugar. — Ele deu de ombros, também confuso.— Se assuste não, meu filho. Mexa aqui que eu vou lá. — Ela falou apontando pra a panela do cozido.Continuei montando os pratos imaginando ser mais um ou uma cliente dramática questionando alguma coisa. Coisa normal quando se trata de restaurantes.— Filh
Fechei a conta da dona Sandra, me despedi com um sorriso e volte sempre e aproveitei para encerrar outras contas no local. O tempo foi passando rápido e logo o Meyer e dona Giovanna foram embora e minha mãe voltou para o expediente. Eu fui almoçar ás quatro da tarde, mas estava me sentindo muito bem por ver minha mãe parada conversando como uma adolescente empolgada.Já eram nove e meia quando finalmente conseguimos encerrar o expediente e se despedir do último cliente, aproveitando o feche do sorriso que minha mãe deu o dia todo, pedi que ela fosse descansar que eu mesma terminaria de limpar e fecharia o restaurante. Ela relutou, mas acabou cedendo. Eu estava carregando todo o lixo até o tonel quando notei uma movimentação ao lado de fora da porta dos fundos da suposta casa noturna. Aquele beco estava movimentado pela primeira vez. Nenhum dos lados do beco tinha saída, apenas uma grade do lado do meu restaurante que ficava sempre de cadeado e só era aberto por nós quando os garis vi
Faltavam cinco minutos para as nove quando o Mario buzinou na frente da minha casa. Peguei meu sapatenis de sempre e coloquei nos pés, eu estava com uma calça cintura alta e um cropped decotado. Meus cabelos estavam soltos e em meu pescoço havia um colar dourado com pingente de uma borboleta contrastando com minha primeira tattoo feita aos quatorze anos, uma borboleta erguendo vôo, porque era assim que eu me sentia, pronta para voar em busca dos meus sonhos. Dessa vez um batom vinho ressaltava em meus lábios combinando com a cor do meu cropped, roxo sempre fora a minha cor favorita. Em meus olhos um delineado gatinho contrastava com o preto misterioso da minha Iris. Uma piscadela para o espelho e eu estava pronta. Disse a mim mesma que era apenas uma saída. Eu e o Mario éramos melhores amigos há anos, desde que eu começara a trabalhar no restaurante, saiamos em grupo ou sozinho muitas vezes... Mas da última vez há alguns meses atrás, eu bebi demais e o beijei para tirar um carinha do
Quando deu três da manhã decidi que realmente já era hora de ir pra casa. Para não incomodar eu pedi um Uber e o Mario me acompanhou até o lado de fora. Compartilhei a rota com o Mario, é uma segurança já que o Uber é homem e sabemos que a taxa de estupro e feminicidio só aumenta a cada dia. Coloquei meu fone no máximo, sentei atrás do banco do motorista e fiquei imersa em meu mundo até chegar à frente da minha casa.— Muito obrigada, seu João. — Falei para o motorista que eu já sabia o nome, ele tinha sido total simpático e escutado minhas reclamações da noite, e ainda cantamos juntos uns forrós doidos. Desci e fui até a janela da frente. Abri a bolsa e tirei meu cartão de débito. — No débito. — Ele assentiu, eu paguei e esperei o carro dar a ré e ir embora. Notei a casa vizinha a minha frente. Tirei meus sapatos os pegando na mão agora, meus pés estavam doloridos. Suspirei. O álcool estava fazendo bastante efeito agora. Parei por alguns segundos e me virei para a minha casa. Um pou
JASMIM:Acordei já eram quase meio dia com minha mãe batendo na porta do meu quarto.— Hum... — Resmunguei colocando a cabeça debaixo do travesseiro. Eu estava com uma enxaqueca infeliz.— Jasmim! — Minha mãe bateu mais uma vez.— Hummm... — Respondi agora tirando o travesseiro e me virando de barriga pra cima.— Posso entrar? — Ela perguntou do outro lado da porta.— Pode mãe, pode. — Falei visivelmente de mal humor.Ela entrou, sentou na cama com um sorrisinho e me encarou.— Mãe... — Resmunguei.— Você precisa levantar. — Minha mãe falou com um sorrisinho.— Por quê? Hoje é domingo! — Falei colocando o travesseiro no rosto novamente.— Por isso mesmo. Vamos almoçar com a Giovanna. — Ela falou agora tirando a almofada do meu rosto.— NÃO. Não mesmo. — Abri os olhos e a encarei. Virei-me para o outro lado.— Filha. — Minha mãe falou. Ela estava prestes a fazer cena e eu sabia disso. — Você vai fazer desfeita pra mulher que te carregou no colo? — Dona Marília, uma chantagista nata.—
— Bastante perigosa! — Ele disse desviando o olhar com um sorriso de canto. — Quando quiser se sentar neste jardim novamente é só bater na porta. — Ele falou.— Ah. Ok. Não se preocupe, não vou mais invadir sua propriedade. — Falei agora o olhando de soslaio com um sorriso de canto.— Eu também sou bastante perigoso, Senhora Jasmim... — Ele falou baixando o olhar por alguns segundos.— Ah é mesmo? — Falei fingindo estar pensativa. — Quais seus dotes?— Punir criminosas que invadem propriedades. Neste caso especifico, punir criminosas que invadem a minha propriedade. — Ele falou virando a cabeça e me encarando diretamente.— Uau. — Sussurrei arqueando uma das sobrancelhas por alguns segundos. Aquilo foi um golpe. — Que medo! — Falei num tom baixo, mas audível.Ele virou para o outro lado e riu voltando a me encarar.— Então você gosta de tirar fotos? — Perguntou aleatoriamente.— E você gosta de desenhar... — Não foi uma pergunta e sim uma afirmação.— Por que você acha isso? — Ele me
Eram nove da noite quando começamos a fechar o restaurante. Eu fiquei para fechar tudo e quando estava jogando o lixo no tonel dos fundos vi a movimentação da casa noturna ao lado. Ele estava em pé ao lado de fora, apoiado na porta com um terno importado de luxo com um cigarro na mão direita e um copo de uísque na mão esquerda. Estava sozinho. A cabeça encostada na parede virada para a lua, olhos fechados... Ele respirava fundo, respiração pesada. Sem me notar ele deu uma tragada em seu cigarro, e abriu a boca soltando a fumaça logo em seguida. Ele estava extremamente sexy naquela posição. Por um momento eu me perguntei se aquilo era uma miragem e desejei estar com minha câmera. Mas sentindo que estava sendo observado ele abriu os olhos e me encarou. Eu me virei no reflexo e continuei jogando meu lixo fora. Notei quando ele se aproximou e encostou-se à parede ao lado do tonel me encarando descaradamente agora enquanto continuava bebendo do seu uísque e fumando do seu cigarro. Eu parei