O alarme do meu celular tocou me mostrando que já eram seis e meia. Ainda de olhos fechados enfiei a mão debaixo do travesseiro pegando-o. Mais cinco minutos. Apertei em dispensar umas três vezes até não ter mais a opção de cinco minutos e eu ser obrigada a levantar. Eram seis e quarenta e cinco. Me sentei na cama ainda de olhos fechados e bocejei. Minha mãe costuma abrir o restaurante as oito e como ainda falta um mês para eu iniciar a faculdade, estou a ajudando. Abri os olhos me acostumando com a claridade; observei todo o quarto esperando minha alma voltar para o corpo e me levantei. Fui até o banheiro, mesmo sabendo que minha mente continuava na cama e me olhei no espelho. Eu parecia uma selvagem, minha juba cacheada deixava claro que eu precisava lavar e finalizar o cabelo. Sim. Eu tinha que acordar cedo para dar tempo de finalizar a juba cacheada que pendia sobre minhas costas, e isso já me deixava exausta só de pensar. Respirei fundo pronta para iniciar minhas obrigações matinais, afinal, eu não tinha muita escolha quanto a isso. E não, eu não gosto de tomar banho as sete de manhã, mas é algo obrigatório. Dona Marília sempre me dizia que eu tinha o estomago de Magali, o humor da Monica, e a Higiene do cascão. Abri um sorriso ao lembrar da descrição perfeita da minha pessoa. Eu não posso mentir.
Depois das minhas obrigações matinais feitas, saí do banheiro como um gato escamado depois do banho de toalha e morta de frio, ainda enrolada fui até a varanda do meu quarto pegar uma blusa, notei que havia uma movimentação estranha na casa de frente para minha. A casa que ninguém nunca havia morado desde que me conheço por gente, sempre a chamei de casa assombrada e brinquei no quintal dela que fica nos fundos com minhas amigas quando era criança, a casa que me rendeu muitas fotos e um lugar seguro para onde eu sempre corria quando queria ficar sozinha. Parei para analisar a cena como uma linda espiã demais, por trás da janela, claro! Havia um caminhão de mudança na frente... Por que raios alguém se muda às sete da manhã? Me obriguei a sair dos meus devaneios malucos e fui me vestir. Saí do quarto ainda com a toalha na cabeça e fui até a cozinha, dona Marília já estava acordada aprontando nosso café da manhã. É lei de toda mãe raiz acordar com o canto dos galos, nem que seja só pra bater panela e acordar o restante da casa!
— Bom dia, dona Marília! — Falei me aproximando e beijando sua testa.
— Bom dia. — Ela falou empolgada em preparar seu café quentinho. A gente tinha uma cafeteira de enfeite, mas minha mãe diz que no coador sempre sai mais gostoso e insiste em continuar fazendo assim.
— Será que vai ter um único dia em que a Senhora vai se permitir acordar um pouco mais tarde? — Perguntei sorrindo com a idéia de minha mãe dormindo até as dez da manhã.
— Nunca. Quando a gente acorda tarde é como se perdesse o dia! — Ela falou. — Sem falar que a gente tem muita coisa pra fazer no restaurante.
—Tá bom, entendi. — Falei assentindo porque mãe sempre tem razão e nem adianta tentar argumentar.
— Ahhhh filha, coloca o lixo lá fora pra mim, por favor? O caminhão vai passar daqui a cinco minutos e falta pegar o do banheiro. — Ela falou alarmada.
— Pode deixar! — Falei.
Corri para o banheiro para pegar o lixo e juntar com todos da casa, o caminhão do lixo passa todos os dias as sete e vinte na vizinhança, esse é o momento de jogar tudo fora, pois dona Marília tem toque de juntar lixo na varanda. Peguei os quatro sacos e fui até o lado de fora da casa com minha lindíssima toalha na cabeça. Eu estava ali me sentindo faminta quando um carro preto de gente milionária entrou na rua e parou na casa da frente. Dele desceu o motorista - coisa de gente chique - e abriu a porta traseira. Um jovem que aparentava ter seus vinte e quatro anos, de pele branca e cabelos morenos penteados para trás não tão curtos, mas não tão longos... Seus olhos estavam escondidos por um óculo escuro e ele vestia uma calça com um sobretudo por cima embora fosse notável sua camisa de gola alta. Quem se veste assim em pleno sol de São Paulo? Eu percebi que estava o encarando como uma louca quando o carro do lixo buzinou tomando a frente da minha vista.
— Bom dia, dona Jasmim. — Um dos garis me cumprimentou.
— Bom dia Marcos. Tá bem? — Falei sorrindo.
— Tô bem e aí? — Ele falou pegando os sacos de lixo da minha mão.
— Estamos bem. — Falei ainda sorrindo. — Bom trabalho ai para vocês! — Falei acenando para os outros.
Quando o carro do lixo saiu da minha frente o garoto já não estava mais lá, apenas o carro estacionado e o caminhão de mudança. Olhei aos arredores disfarçando, claro, e entrei.
— Oh mãe... — Gritei quando já estava chegando à cozinha.
— Que é menina? — Minha mãe veio ao meu encontro.
— A senhora já viu que temos vizinho novo? — Falei deixando meu lado fofoqueira tomar conta.
—Tu me gritou pra falar isso? Uma hora dessas, você vai me matar do coração. — Ela falou colocando a mão no coração dramaticamente.
— Deixe de drama, Dona Marília. A senhora viu ou não viu? — Perguntei agora indo até a cozinha atrás dela.
— Vi, vi. É a dona da casa. Chegou com os galos. — Minha mãe falou colocando as torradas na mesa.
— E essa casa tinha dono? — Falei agora pegando as xícaras e colocando na mesa.
— Claro que tem. — Minha mãe fez uma careta. — Giovanna. Veio morar ai logo quando eu me casei com seu pai. Mas foi embora quando você era pequenina ainda. Nem deve se lembrar. Você chegou a brincar com o filho dela e tudo. Mas quando ele fez um ano, ela foi embora com o pai do menino, um gringo lindo viu. — A fofoqueira que habita em minha mãe contou empolgada.
— Hum. — Esbocei sem abrir a boca. — O que faz uma pessoa voltar pra São Paulo depois de mais de vinte anos morando na gringa? — Ironizei.
— Deixe de besteira, ta achando que lá fora é conto de fadas? — Minha mãe riu.
— São Paulo é que não é. — Falei quando sentamo-nos à mesa.
Tomamos nosso café da manhã enquanto eu ficava pensando naquele jovem que vi sair do carro, será que ele era o garoto que eu havia brincado quando pequena? Eu poderia ir lá dar um Oi com essa desculpa, ou não.
— Oh linda, eu não gostaria de atrapalhar sua cachola fértil, mas temos que correr e você ainda está de toalha na cabeça. — Minha mãe falou balançando a mão na minha frente.
— Aff, já tinha esquecido. — Bufei. Engoli meu café e corri para o quarto pra finalizar a juba.
Meu cabelo sempre foi tão independente quanto eu, quando liso chega a bater na cintura, mas quando enrolado dá nas costas, amo ele todo definidinho, mas haja paciência pra finalizar. Peguei o creme nas carreiras, abri o pote sobre a pia do banheiro e tome-lhe fitar cabelo.
— Boraaaa Jasmim! — Minha mãe já estava gritando na porta do quarto.
— Tô indo, mainha! — Gritei de volta. Fechei o creme, lavei as mãos e saí quarto a fora. Coloquei correndo meu vestido de recepcionista, passei um batom nude rápido e calcei minha sapatilha.
Quando saí do quarto minha mãe já estava do lado de fora tirando o carro da garagem, peguei a chave no chaveiro e saí fechando as portas com tudo ao ouvir minha mãe buzinando impaciente.
— São oito da manhã, dona Marília, pelo amor de Deus. — Falei correndo até o carro.
Entrei e coloquei o cinto, quando ela já estava dando a ré eu me lembrei que havia esquecido o celular.
— Pare, pare, pare. — Falei batendo a mão na testa.
— O que foi dessa vez, filha de Deus? — Minha mãe me encarou retada.
— Meu celular, esqueci meu celular. — Falei bufando.
Desci do carro novamente.
— Filha, já são sete e cinqüenta e cinco. — Minha mãe falou me encarando pela janela.
— Faz assim, vá na frente. — Falei fazendo sinal com a mão pra ela ir e virando as costas.
— E tu coisa linda? — Ela gritou do carro.
— Vou andando, Dona Marília. É ali. Daqui a dez minutos chego lá, vá logo! — Apontei pra rua. — Vá linda, vá! — Falei sabendo que as oito a gente já deveria estar com tudo pronto para abrir. Minha mãe é bem pontual e o restaurante não é longe, moramos a uma rua do centro. Chegaria tranqüila em dez minutos, inclusive várias vezes eu vinha andando pra casa só pra gastar perna.
— Tá, ta. — Ela falou dando a ré. — Te amo. — Gritou do carro e foi embora.
Eu peguei a chave e abri a casa tudo de novo, entrei e fui até meu quarto pegar meu celular e fones de ouvido, eu não era ninguém sem esses dois apetrechos. Aproveitei e peguei o kindle também, adoro ler um pouco no meu horário de almoço. Peguei uma bolsa de lado e saí da casa trancando tudo novamente. Já do lado de fora, enfiei o kindle e as chaves dentro da bolsa, coloquei os fones blueetoth no ouvido e joguei os cabelos por cima para disfarçar. Nunca se sabe quando os donos vão aparecer né! A honra de morar no Brasil é saber que você compra e tem a possibilidade de dar de presente pros donos. Eu estava entretida escolhendo a musica que iria escutar – A Thousand Miles – quando o garoto apareceu ao lado de fora conversando com o motorista do caminhão de mudança. Nossa. O encarei de soslaio sem tirar completamente os olhos do celular, ele pareceu ter me notado por alguns instantes, mas logo voltou a prestar atenção na conversa do motorista. Eu coloquei o celular no peito, o esconderij
O celular alarmou mais uma vez me trazendo de volta para a minha realidade, já fazia duas semanas que o bendito e atraente vizinho havia se mudado para a casa da frente. Casa essa que eu costumava entrar algumas vezes quando queria ficar sozinha e que por muitas vezes quando pequena eu tinha brincado com meus amigos, essa casa tinha história até demais para contar! Me levantei da cama ainda sonolenta, andei no automático até o banheiro e ainda bocejando fui tirando a roupa. Hoje iríamos fazer o mercado do mês para o restaurante. Coloquei um short jeans desfiado, um blusão, um sapatenis, finalizei minha juba e pronto. Quem se arruma pra ir ao mercado? Pois é. Passei só um batonzinho e um rímel porque ninguém quer ver assombração de manhã cedo, mas se bem que ao nível das adolescentes brasileiras que acostumam ir ao lê cirque de manhã cedo, eu não assustaria muita gente. Saí do quarto ainda no automático, eu havia ido dormir quase duas da manhã encarando a bendita foto do desconhecido
Tudo seguiu o mais normal possível, pela parte da manhã o movimento foi bastante tranqüilo então arrumamos tudo. Infelizmente a Mari acabou tendo que ir para casa porque não estava muito bem e eu fiquei como ajudante de cozinha. Preparei os temperos pra corte vendo que hoje eu almoçaria tarde. Estávamos a todo vapor quando os pedidos começaram a chegar. Minha mãe continuou fazendo a comida e eu terminei o tempero e fui montar os pratos para o Mario levar quando ele veio meio atordoado.— Dona Marília. É... Estão chamando a Senhora lá fora! — Mario falou sem jeito. Medo de ser despedido, talvez!— O que houve, menino? — Minha mãe perguntou confusa.— Eu não sei. Só pediram pra ver a dona do lugar. — Ele deu de ombros, também confuso.— Se assuste não, meu filho. Mexa aqui que eu vou lá. — Ela falou apontando pra a panela do cozido.Continuei montando os pratos imaginando ser mais um ou uma cliente dramática questionando alguma coisa. Coisa normal quando se trata de restaurantes.— Filh
Fechei a conta da dona Sandra, me despedi com um sorriso e volte sempre e aproveitei para encerrar outras contas no local. O tempo foi passando rápido e logo o Meyer e dona Giovanna foram embora e minha mãe voltou para o expediente. Eu fui almoçar ás quatro da tarde, mas estava me sentindo muito bem por ver minha mãe parada conversando como uma adolescente empolgada.Já eram nove e meia quando finalmente conseguimos encerrar o expediente e se despedir do último cliente, aproveitando o feche do sorriso que minha mãe deu o dia todo, pedi que ela fosse descansar que eu mesma terminaria de limpar e fecharia o restaurante. Ela relutou, mas acabou cedendo. Eu estava carregando todo o lixo até o tonel quando notei uma movimentação ao lado de fora da porta dos fundos da suposta casa noturna. Aquele beco estava movimentado pela primeira vez. Nenhum dos lados do beco tinha saída, apenas uma grade do lado do meu restaurante que ficava sempre de cadeado e só era aberto por nós quando os garis vi
Faltavam cinco minutos para as nove quando o Mario buzinou na frente da minha casa. Peguei meu sapatenis de sempre e coloquei nos pés, eu estava com uma calça cintura alta e um cropped decotado. Meus cabelos estavam soltos e em meu pescoço havia um colar dourado com pingente de uma borboleta contrastando com minha primeira tattoo feita aos quatorze anos, uma borboleta erguendo vôo, porque era assim que eu me sentia, pronta para voar em busca dos meus sonhos. Dessa vez um batom vinho ressaltava em meus lábios combinando com a cor do meu cropped, roxo sempre fora a minha cor favorita. Em meus olhos um delineado gatinho contrastava com o preto misterioso da minha Iris. Uma piscadela para o espelho e eu estava pronta. Disse a mim mesma que era apenas uma saída. Eu e o Mario éramos melhores amigos há anos, desde que eu começara a trabalhar no restaurante, saiamos em grupo ou sozinho muitas vezes... Mas da última vez há alguns meses atrás, eu bebi demais e o beijei para tirar um carinha do
Quando deu três da manhã decidi que realmente já era hora de ir pra casa. Para não incomodar eu pedi um Uber e o Mario me acompanhou até o lado de fora. Compartilhei a rota com o Mario, é uma segurança já que o Uber é homem e sabemos que a taxa de estupro e feminicidio só aumenta a cada dia. Coloquei meu fone no máximo, sentei atrás do banco do motorista e fiquei imersa em meu mundo até chegar à frente da minha casa.— Muito obrigada, seu João. — Falei para o motorista que eu já sabia o nome, ele tinha sido total simpático e escutado minhas reclamações da noite, e ainda cantamos juntos uns forrós doidos. Desci e fui até a janela da frente. Abri a bolsa e tirei meu cartão de débito. — No débito. — Ele assentiu, eu paguei e esperei o carro dar a ré e ir embora. Notei a casa vizinha a minha frente. Tirei meus sapatos os pegando na mão agora, meus pés estavam doloridos. Suspirei. O álcool estava fazendo bastante efeito agora. Parei por alguns segundos e me virei para a minha casa. Um pou
JASMIM:Acordei já eram quase meio dia com minha mãe batendo na porta do meu quarto.— Hum... — Resmunguei colocando a cabeça debaixo do travesseiro. Eu estava com uma enxaqueca infeliz.— Jasmim! — Minha mãe bateu mais uma vez.— Hummm... — Respondi agora tirando o travesseiro e me virando de barriga pra cima.— Posso entrar? — Ela perguntou do outro lado da porta.— Pode mãe, pode. — Falei visivelmente de mal humor.Ela entrou, sentou na cama com um sorrisinho e me encarou.— Mãe... — Resmunguei.— Você precisa levantar. — Minha mãe falou com um sorrisinho.— Por quê? Hoje é domingo! — Falei colocando o travesseiro no rosto novamente.— Por isso mesmo. Vamos almoçar com a Giovanna. — Ela falou agora tirando a almofada do meu rosto.— NÃO. Não mesmo. — Abri os olhos e a encarei. Virei-me para o outro lado.— Filha. — Minha mãe falou. Ela estava prestes a fazer cena e eu sabia disso. — Você vai fazer desfeita pra mulher que te carregou no colo? — Dona Marília, uma chantagista nata.—
— Bastante perigosa! — Ele disse desviando o olhar com um sorriso de canto. — Quando quiser se sentar neste jardim novamente é só bater na porta. — Ele falou.— Ah. Ok. Não se preocupe, não vou mais invadir sua propriedade. — Falei agora o olhando de soslaio com um sorriso de canto.— Eu também sou bastante perigoso, Senhora Jasmim... — Ele falou baixando o olhar por alguns segundos.— Ah é mesmo? — Falei fingindo estar pensativa. — Quais seus dotes?— Punir criminosas que invadem propriedades. Neste caso especifico, punir criminosas que invadem a minha propriedade. — Ele falou virando a cabeça e me encarando diretamente.— Uau. — Sussurrei arqueando uma das sobrancelhas por alguns segundos. Aquilo foi um golpe. — Que medo! — Falei num tom baixo, mas audível.Ele virou para o outro lado e riu voltando a me encarar.— Então você gosta de tirar fotos? — Perguntou aleatoriamente.— E você gosta de desenhar... — Não foi uma pergunta e sim uma afirmação.— Por que você acha isso? — Ele me