Capítulo 02

O alarme do meu celular tocou me mostrando que já eram seis e meia. Ainda de olhos fechados enfiei a mão debaixo do travesseiro pegando-o. Mais cinco minutos. Apertei em dispensar umas três vezes até não ter mais a opção de cinco minutos e eu ser obrigada a levantar. Eram seis e quarenta e cinco. Me sentei na cama ainda de olhos fechados e bocejei. Minha mãe costuma abrir o restaurante as oito e como ainda falta um mês para eu iniciar a faculdade, estou a ajudando. Abri os olhos me acostumando com a claridade; observei todo o quarto esperando minha alma voltar para o corpo e me levantei. Fui até o banheiro, mesmo sabendo que minha mente continuava na cama e me olhei no espelho. Eu parecia uma selvagem, minha juba cacheada deixava claro que eu precisava lavar e finalizar o cabelo. Sim. Eu tinha que acordar cedo para dar tempo de finalizar a juba cacheada que pendia sobre minhas costas, e isso já me deixava exausta só de pensar. Respirei fundo pronta para iniciar minhas obrigações matinais, afinal, eu não tinha muita escolha quanto a isso. E não, eu não gosto de tomar banho as sete de manhã, mas é algo obrigatório. Dona Marília sempre me dizia que eu tinha o estomago de Magali, o humor da Monica, e a Higiene do cascão. Abri um sorriso ao lembrar da descrição perfeita da minha pessoa. Eu não posso mentir.

Depois das minhas obrigações matinais feitas, saí do banheiro como um gato escamado depois do banho de toalha e morta de frio, ainda enrolada fui até a varanda do meu quarto pegar uma blusa, notei que havia uma movimentação estranha na casa de frente para minha. A casa que ninguém nunca havia morado desde que me conheço por gente, sempre a chamei de casa assombrada e brinquei no quintal dela que fica nos fundos com minhas amigas quando era criança, a casa que me rendeu muitas fotos e um lugar seguro para onde eu sempre corria quando queria ficar sozinha. Parei para analisar a cena como uma linda espiã demais, por trás da janela, claro! Havia um caminhão de mudança na frente... Por que raios alguém se muda às sete da manhã? Me obriguei a sair dos meus devaneios malucos e fui me vestir. Saí do quarto ainda com a toalha na cabeça e fui até a cozinha, dona Marília já estava acordada aprontando nosso café da manhã. É lei de toda mãe raiz acordar com o canto dos galos, nem que seja só pra bater panela e acordar o restante da casa!

— Bom dia, dona Marília! — Falei me aproximando e beijando sua testa.

— Bom dia. — Ela falou empolgada em preparar seu café quentinho. A gente tinha uma cafeteira de enfeite, mas minha mãe diz que no coador sempre sai mais gostoso e insiste em continuar fazendo assim.

— Será que vai ter um único dia em que a Senhora vai se permitir acordar um pouco mais tarde? — Perguntei sorrindo com a idéia de minha mãe dormindo até as dez da manhã.

— Nunca. Quando a gente acorda tarde é como se perdesse o dia! — Ela falou. — Sem falar que a gente tem muita coisa pra fazer no restaurante.

—Tá bom, entendi. — Falei assentindo porque mãe sempre tem razão e nem adianta tentar argumentar.

— Ahhhh filha, coloca o lixo lá fora pra mim, por favor? O caminhão vai passar daqui a cinco minutos e falta pegar o do banheiro. — Ela falou alarmada.

— Pode deixar! — Falei.

Corri para o banheiro para pegar o lixo e juntar com todos da casa, o caminhão do lixo passa todos os dias as sete e vinte na vizinhança, esse é o momento de jogar tudo fora, pois dona Marília tem toque de juntar lixo na varanda. Peguei os quatro sacos e fui até o lado de fora da casa com minha lindíssima toalha na cabeça. Eu estava ali me sentindo faminta quando um carro preto de gente milionária entrou na rua e parou na casa da frente. Dele desceu o motorista - coisa de gente chique - e abriu a porta traseira. Um jovem que aparentava ter seus vinte e quatro anos, de pele branca e cabelos morenos penteados para trás não tão curtos, mas não tão longos... Seus olhos estavam escondidos por um óculo escuro e ele vestia uma calça com um sobretudo por cima embora fosse notável sua camisa de gola alta. Quem se veste assim em pleno sol de São Paulo? Eu percebi que estava o encarando como uma louca quando o carro do lixo buzinou tomando a frente da minha vista.

— Bom dia, dona Jasmim. — Um dos garis me cumprimentou.

— Bom dia Marcos. Tá bem? — Falei sorrindo.

— Tô bem e aí? — Ele falou pegando os sacos de lixo da minha mão.

— Estamos bem. — Falei ainda sorrindo. — Bom trabalho ai para vocês! — Falei acenando para os outros.

Quando o carro do lixo saiu da minha frente o garoto já não estava mais lá, apenas o carro estacionado e o caminhão de mudança. Olhei aos arredores disfarçando, claro, e entrei.

— Oh mãe... — Gritei quando já estava chegando à cozinha.

— Que é menina? — Minha mãe veio ao meu encontro.

— A senhora já viu que temos vizinho novo? — Falei deixando meu lado fofoqueira tomar conta.

—Tu me gritou pra falar isso? Uma hora dessas, você vai me matar do coração. — Ela falou colocando a mão no coração dramaticamente.

— Deixe de drama, Dona Marília. A senhora viu ou não viu? — Perguntei agora indo até a cozinha atrás dela.

— Vi, vi. É a dona da casa. Chegou com os galos. — Minha mãe falou colocando as torradas na mesa.

— E essa casa tinha dono? — Falei agora pegando as xícaras e colocando na mesa.

— Claro que tem. — Minha mãe fez uma careta. — Giovanna. Veio morar ai logo quando eu me casei com seu pai. Mas foi embora quando você era pequenina ainda. Nem deve se lembrar. Você chegou a brincar com o filho dela e tudo. Mas quando ele fez um ano, ela foi embora com o pai do menino, um gringo lindo viu. — A fofoqueira que habita em minha mãe contou empolgada.

— Hum. — Esbocei sem abrir a boca. — O que faz uma pessoa voltar pra São Paulo depois de mais de vinte anos morando na gringa? — Ironizei.

— Deixe de besteira, ta achando que lá fora é conto de fadas? — Minha mãe riu.

— São Paulo é que não é. — Falei quando sentamo-nos à mesa.

Tomamos nosso café da manhã enquanto eu ficava pensando naquele jovem que vi sair do carro, será que ele era o garoto que eu havia brincado quando pequena? Eu poderia ir lá dar um Oi com essa desculpa, ou não.

— Oh linda, eu não gostaria de atrapalhar sua cachola fértil, mas temos que correr e você ainda está de toalha na cabeça. — Minha mãe falou balançando a mão na minha frente.

— Aff, já tinha esquecido. — Bufei. Engoli meu café e corri para o quarto pra finalizar a juba.

Meu cabelo sempre foi tão independente quanto eu, quando liso chega a bater na cintura, mas quando enrolado dá nas costas, amo ele todo definidinho, mas haja paciência pra finalizar. Peguei o creme nas carreiras, abri o pote sobre a pia do banheiro e tome-lhe fitar cabelo.

— Boraaaa Jasmim! — Minha mãe já estava gritando na porta do quarto.

— Tô indo, mainha! — Gritei de volta. Fechei o creme, lavei as mãos e saí quarto a fora. Coloquei correndo meu vestido de recepcionista, passei um batom nude rápido e calcei minha sapatilha.

Quando saí do quarto minha mãe já estava do lado de fora tirando o carro da garagem, peguei a chave no chaveiro e saí fechando as portas com tudo ao ouvir minha mãe buzinando impaciente.

— São oito da manhã, dona Marília, pelo amor de Deus. — Falei correndo até o carro.

Entrei e coloquei o cinto, quando ela já estava dando a ré eu me lembrei que havia esquecido o celular.

— Pare, pare, pare. — Falei batendo a mão na testa.

— O que foi dessa vez, filha de Deus? — Minha mãe me encarou retada.

— Meu celular, esqueci meu celular. — Falei bufando.

Desci do carro novamente.

— Filha, já são sete e cinqüenta e cinco. — Minha mãe falou me encarando pela janela.

— Faz assim, vá na frente. — Falei fazendo sinal com a mão pra ela ir e virando as costas.

— E tu coisa linda? — Ela gritou do carro.

— Vou andando, Dona Marília. É ali. Daqui a dez minutos chego lá, vá logo! — Apontei pra rua. — Vá linda, vá! — Falei sabendo que as oito a gente já deveria estar com tudo pronto para abrir. Minha mãe é bem pontual e o restaurante não é longe, moramos a uma rua do centro. Chegaria tranqüila em dez minutos, inclusive várias vezes eu vinha andando pra casa só pra gastar perna.

— Tá, ta. — Ela falou dando a ré. — Te amo. — Gritou do carro e foi embora.

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