Maya
A mão da Mary começou a fazer carinho no meu cabelo, pressionando os dedos levemente enquanto os deslizava pela cabeça.
— Por que você não trabalha menos? — ela perguntou.
— Porque estou passando pela residência. É uma etapa importante na formação de medicina. Só mais um mês e eu não precisarei mais trabalhar tanto, prometo.
— Eu entendo — disse Louise.
— Obrigada por serem mocinhas compreensivas.
— Você e Isaac terminaram? — perguntou Mary, mudando radicalmente de assunto.
— A gente ouviu você falar com o vovô.
— Sim, nós terminamos.
— Por quê? — questionou Louise.
— Às vezes, os namoros não são para sempre.
— Que nem o namoro da Ashley — Louise falou para Mary.
— Quem é Ashley?
— A nossa colega de classe. Ela namorava o Jacob, mas eles terminaram na semana passada — explicou Mary. — Eles achavam que seria para sempre.
Essa fofoca me assustou um pouco.
— Okay. — Empertiguei a coluna, um pouco tensa. — Vocês estão dizendo que a Ashley, uma menina de dez anos, namorava o Jacob, um menino de dez anos. Ele tem dez anos, não é? — perguntei com medo de que elas me dissessem que é mais velho.
— Ele também é da nossa turma.
— Entendi. E... Vocês têm namorados?
— Eca! Não, eu não tenho — respondeu Louise, apertando a minha mão.
— E você? — Olhei para Mary.
Ela sorriu e negou com a cabeça.
— Os garotos são chatos, mamãe.
— Graças a Deus — sussurrei para mim mesma. — Por favor, continuem achando eles nojentos e chatos.
Elas riram.
— Mas com quantos anos vamos poder namorar? — Mary perguntou.
— Se o seu pai estivesse aqui, ele diria que depois dos trinta.
— Ele diria que nunca — falou Louise, nos fazendo rir.
— É, talvez. Mas eu digo que depois dos dezoito é a hora certa.
— Por que não antes? — Mary questionou, curiosa.
— Acho que antes o tempo deve ser usado para amadurecimento e dedicação aos estudos. Quando vocês chegarem aos quinze, a maneira como enxergam o mundo vai mudar. Lá fora as coisas não são tão bonitas como parecem agora. As pessoas não serão mais tão legais e leais. Vocês estarão mais suscetíveis à maldade.
— Que tipo de maldade? — perguntou Louise.
— Todo tipo. Mas, independentemente se vão decidir namorar antes ou depois dos dezoito, tenho algo para pedir: não acreditem no cara bonitinho e gentil que dirá que você é especial, incrível e única. Esse homem só está a fim de conseguir a satisfação própria. Não deem o seu coração para ele.
— Não quero dar o meu coração para ninguém — disse Louise, com um tom rabugento. Foi inevitável não sorrir, foi engraçado.
— Não me importaria de dar o meu coração para alguém como um príncipe encantado — retrucou Mary.
— Acontece, meu amor... que o príncipe encantado não existe. — Passei a mão pelo cabelo dela. — Não acredite nisso. Acredite apenas que existe amor verdadeiro.
Ela sorriu docemente.
— Agora é hora de dormir. — Beijei a mão da Louise, que ainda segurava a minha, e depois a de Mary, que fazia carinho nos meus cabelos. — Boa noite. — Levantei-me. — Qualquer coisa, é só chamar.
Caminhei até a câmera que ficava sobre uma cômoda, posicionada para as camas, e liguei-a.
— Boa noite, mamãe — Mary se despediu, enquanto Louise já havia se virado para o outro lado e se coberto até o pescoço.
Apaguei a luz e puxei a porta, deixando uma fresta. Parada no corredor, encarei o último quarto naquele andar. Caminhei até ele, parando diante da porta que sempre estava trancada. Toquei a madeira, sentindo vontade de entrar. A chave ficava escondida atrás de um quadro na parede. Apanhei-a, destrancando a porta e abrindo-a em seguida.
Respirando fundo, pensei se realmente desejava passar por aquele batente. Desde a morte do Victor, eu havia me mudado para um dos quartos de visita. Era insuportável ficar ali dentro, sucumbida por lembranças quando ele nunca mais se deitaria ao meu lado naquela imensa cama. É uma dor que não sou capaz de descrever. Ela causa uma pressão esmagadora no peito e náuseas. Faz o seu corpo doer, toma o fôlego e leva embora toda a sua vontade de viver.
Engolindo em seco, dei um passo para dentro do cômodo. Caminhei até a janela e olhei para o jardim lá embaixo. Não é tão pequeno e a piscina divide espaço com um balanço, ao qual as meninas já não dão mais importância.
Virei-me e encarei a cama coberta por um enorme pano branco, assim como todos os outros móveis naquele espaço. Andei até o closet e abri-o. Todas as roupas e demais pertences estavam ali, exatamente como ele deixou. Até mesmo as abotoaduras que usou mais cedo no dia em que se foi estavam sobre o aparador, no mesmo lugar.
Tudo estava coberto por uma fina camada de pó. Eu não permitia que ninguém tocasse em nada ali. E também não estava pronta para tocar. Abri uma gaveta e peguei uma das camisetas que ele usava para dormir. A última na pequena pilha. Com certeza aquela não estaria empoeirada como as outras. Apanhei o seu perfume na penteadeira e dei uma única borrifada no tecido, colocando o vidro de volta no lugar. Cheirei a peça de roupa, fechando os olhos. Abracei-a, sentindo a familiar dor me invadir lentamente. Um nó se formou na minha garganta e os meus olhos transbordaram lágrimas, ainda com as pálpebras abaixadas.
— Se eu me entregar a outra pessoa... Você, por favor, me perdoa? — perguntei para ele, com uma pequenina esperança de que me ouvisse do outro lado, onde quer que fosse.
Embora minha alma submissa esteja implorando para se render outra vez a alguém, eu tenho medo de que isso fira quem não está mais aqui. Medo de que quando enfim eu conseguir me entregar, um sentimento horrível de traição aconteça. Esperei por esse sentimento quando transei a primeira vez com Isaac, mas não veio. Talvez porque apenas lhe dei a minha carne e não a minha alma.
Cheirei novamente o tecido e dei uma última olhada à minha volta, com os olhos turvos. Eu precisava sair dali. Começava a me sentir sem ar. Deixei o quarto levando a camiseta comigo. Desejava dormir abraçada a este pedaço de pano preto esta noite. Tranquei a porta e escondi a chave novamente.
MayaO despertador tocou às quatro da manhã. Levantei e segui para o banheiro. Se eu não amasse tanto a medicina, já teria abandonado essa carreira. O trabalho estava tomando todo o meu tempo com as minhas filhas. Quando foi que as coleguinhas começaram a namorar? Não faz muito tempo e elas estavam vestidas de princesas, calçando pantufas de unicórnio, usando asas enormes e chifres brilhantes na cabeça. Agora elas querem saber quando podem namorar e fofocam sobre o término dos outros.— Se você estivesse aqui, Victor... Surtaria.Vestida, desci para a cozinha. Na cafeteira, o café havia acabado de ficar pronto. Servi um copo térmico para a viagem e vesti o meu casaco. A porta dos fundos foi aberta e meu pai passou por ela.— Bom dia, querida.— Bom dia, pai. — Dei-lhe um beijo no rosto. — Já vou indo. Dê um beijo nelas por mim quando acordarem. E não deixe a Louise te enrolar com o horário. Ela não perdeu os sapatos nem o papel importante para a aula. Elas não podem perder o primeiro
MayaPela janela, eu observava a chuva fina cair sobre o asfalto. Enquanto abotoava minha camisa, olhei as horas no relógio de pulso: quatro da manhã. O céu ainda estava escuro, e boa parte de Seattle dormia, assim como o homem atrás de mim, que se mexeu na cama. Aproximei-me dele e observei-o ressonar. Isaac é bonito e tem um corpo de dar água na boca. Ele é um eterno romântico, daqueles que te ligam no meio do dia só para ouvir a sua voz e te mandam flores sem motivo algum. Também é um grande cavalheiro; abre a porta do carro, puxa a cadeira no restaurante e só se senta depois de você. Um homem dos sonhos de qualquer mulher. Menos do meu, e eu lamento por isso.Eu não conseguia amá-lo, embora tivesse tentado muito. Minhas amigas com certeza me chamarão de estúpida quando eu contar que acabou. Elas jamais entenderiam o que eu preciso em um homem, embora ainda não me sinta verdadeiramente pronta para o que a minha alma submissa necessita. No entanto, não posso mais me enganar com ele,
MayaEntrei novamente no carro e estacionei na próxima vaga livre. Será muito divertido colocar esse babaca em seu devido lugar!— Bom dia, dra. White.— Bom dia, dr. Carson — cumprimentei-o ao descer.— Por que parou aqui? Sua vaga é lá na frente.— O cirurgião plástico que você contratou estacionou a motinha dele na minha vaga.— Eu sinto muito. Vou pedir que ele retire — disse um tanto preocupado.— Não! — Sorri para ele. — Achei que ele tem um ego bem grande, deixe-me murchar isso primeiro.Carson riu.— Não vai fazê-lo pedir demissão como o último fez. Está difícil de achar um bom cirurgião plástico.— Se isso acontecer, prometo que encontrarei um dos melhores. Alguém que não pense que toda mulher trabalhando em um hospital é a enfermeira, como se isso fosse a escória da medicina e exercer essa função fosse desmerecedora para a carreira de alguém.— Por que os plásticos são assim, hein?— Porque alguém em algum momento, em algum lugar o fez acreditar que é Deus.Carson assentiu e
MayaAo passar pela porta da frente da casa do meu pai, escutei risadas vindo da sala de jantar. Tirei o casaco e o deixei sobre o encosto do sofá, junto da bolsa. Caminhei em direção a eles e parei no batente da porta, observando minhas filhas interagirem com os avós. Sempre que presencio esses momentos, penso em como minha mãe adoraria tudo isso se estivesse aqui. As netas a amariam incondicionalmente, assim como eu a amei.Os olhos do meu pai se ergueram, encontrando os meus.— Maya... Não ouvimos você chegar.— Oi, mamãe — cumprimentaram as gêmeas, em uníssono.— Oi, meninas.— Venha, Maya. Seu lugar já está à mesa — disse Clear.Aproximei-me deles e sentei ao lado de Louise.— A vovó Clear fez uma torta de espinafre com ricota. Está muito boa. Experimente um pedaço. — Louise cortou uma enorme fatia e serviu em meu prato.— Obrigada, meu amor.— Também tem suco de cenoura com laranja — falou Mary, servindo um copo para mim e o colocando à minha frente.— Obrigada, querida.— De na