Capítulo 4

Maya

A mão da Mary começou a fazer carinho no meu cabelo, pressionando os dedos levemente enquanto os deslizava pela cabeça.

— Por que você não trabalha menos? — ela perguntou.

— Porque estou passando pela residência. É uma etapa importante na formação de medicina. Só mais um mês e eu não precisarei mais trabalhar tanto, prometo.

— Eu entendo — disse Louise.

— Obrigada por serem mocinhas compreensivas.

— Você e Isaac terminaram? — perguntou Mary, mudando radicalmente de assunto.

— A gente ouviu você falar com o vovô.

— Sim, nós terminamos.

— Por quê? — questionou Louise.

— Às vezes, os namoros não são para sempre.

— Que nem o namoro da Ashley — Louise falou para Mary.

— Quem é Ashley?

— A nossa colega de classe. Ela namorava o Jacob, mas eles terminaram na semana passada — explicou Mary. — Eles achavam que seria para sempre.

Essa fofoca me assustou um pouco.

— Okay. — Empertiguei a coluna, um pouco tensa. — Vocês estão dizendo que a Ashley, uma menina de dez anos, namorava o Jacob, um menino de dez anos. Ele tem dez anos, não é? — perguntei com medo de que elas me dissessem que é mais velho.

— Ele também é da nossa turma.

— Entendi. E... Vocês têm namorados?

— Eca! Não, eu não tenho — respondeu Louise, apertando a minha mão.

— E você? — Olhei para Mary.

Ela sorriu e negou com a cabeça.

— Os garotos são chatos, mamãe.

— Graças a Deus — sussurrei para mim mesma. — Por favor, continuem achando eles nojentos e chatos.

Elas riram.

— Mas com quantos anos vamos poder namorar? — Mary perguntou.

— Se o seu pai estivesse aqui, ele diria que depois dos trinta.

— Ele diria que nunca — falou Louise, nos fazendo rir.

— É, talvez. Mas eu digo que depois dos dezoito é a hora certa.

— Por que não antes? — Mary questionou, curiosa.

— Acho que antes o tempo deve ser usado para amadurecimento e dedicação aos estudos. Quando vocês chegarem aos quinze, a maneira como enxergam o mundo vai mudar. Lá fora as coisas não são tão bonitas como parecem agora. As pessoas não serão mais tão legais e leais. Vocês estarão mais suscetíveis à maldade.

— Que tipo de maldade? — perguntou Louise.

— Todo tipo. Mas, independentemente se vão decidir namorar antes ou depois dos dezoito, tenho algo para pedir: não acreditem no cara bonitinho e gentil que dirá que você é especial, incrível e única. Esse homem só está a fim de conseguir a satisfação própria. Não deem o seu coração para ele.

— Não quero dar o meu coração para ninguém — disse Louise, com um tom rabugento. Foi inevitável não sorrir, foi engraçado.

— Não me importaria de dar o meu coração para alguém como um príncipe encantado — retrucou Mary.

— Acontece, meu amor... que o príncipe encantado não existe. — Passei a mão pelo cabelo dela. — Não acredite nisso. Acredite apenas que existe amor verdadeiro.

Ela sorriu docemente.

— Agora é hora de dormir. — Beijei a mão da Louise, que ainda segurava a minha, e depois a de Mary, que fazia carinho nos meus cabelos. — Boa noite. — Levantei-me. — Qualquer coisa, é só chamar.

Caminhei até a câmera que ficava sobre uma cômoda, posicionada para as camas, e liguei-a.

— Boa noite, mamãe — Mary se despediu, enquanto Louise já havia se virado para o outro lado e se coberto até o pescoço.

Apaguei a luz e puxei a porta, deixando uma fresta. Parada no corredor, encarei o último quarto naquele andar. Caminhei até ele, parando diante da porta que sempre estava trancada. Toquei a madeira, sentindo vontade de entrar. A chave ficava escondida atrás de um quadro na parede. Apanhei-a, destrancando a porta e abrindo-a em seguida.

Respirando fundo, pensei se realmente desejava passar por aquele batente. Desde a morte do Victor, eu havia me mudado para um dos quartos de visita. Era insuportável ficar ali dentro, sucumbida por lembranças quando ele nunca mais se deitaria ao meu lado naquela imensa cama. É uma dor que não sou capaz de descrever. Ela causa uma pressão esmagadora no peito e náuseas. Faz o seu corpo doer, toma o fôlego e leva embora toda a sua vontade de viver.

Engolindo em seco, dei um passo para dentro do cômodo. Caminhei até a janela e olhei para o jardim lá embaixo. Não é tão pequeno e a piscina  divide espaço com um balanço, ao qual as meninas já não dão mais importância.

Virei-me e encarei a cama coberta por um enorme pano branco, assim como todos os outros móveis naquele espaço. Andei até o closet e abri-o. Todas as roupas e demais pertences estavam ali, exatamente como ele deixou. Até mesmo as abotoaduras que usou mais cedo no dia em que se foi estavam sobre o aparador, no mesmo lugar.

Tudo estava coberto por uma fina camada de pó. Eu não permitia que ninguém tocasse em nada ali. E também não estava pronta para tocar. Abri uma gaveta e peguei uma das camisetas que ele usava para dormir. A última na pequena pilha. Com certeza aquela não estaria empoeirada como as outras. Apanhei o seu perfume na penteadeira e dei uma única borrifada no tecido, colocando o vidro de volta no lugar. Cheirei a peça de roupa, fechando os olhos. Abracei-a, sentindo a familiar dor me invadir lentamente. Um nó se formou na minha garganta e os meus olhos transbordaram lágrimas, ainda com as pálpebras abaixadas.

— Se eu me entregar a outra pessoa... Você, por favor, me perdoa? — perguntei para ele, com uma pequenina esperança de que me ouvisse do outro lado, onde quer que fosse.

Embora minha alma submissa esteja implorando para se render outra vez a alguém, eu tenho medo de que isso fira quem não está mais aqui. Medo de que quando enfim eu conseguir me entregar, um sentimento horrível de traição aconteça. Esperei por esse sentimento quando transei a primeira vez com Isaac, mas não veio. Talvez porque apenas lhe dei a minha carne e não a minha alma.

Cheirei novamente o tecido e dei uma última olhada à minha volta, com os olhos turvos. Eu precisava sair dali. Começava a me sentir sem ar. Deixei o quarto levando a camiseta comigo. Desejava dormir abraçada a este pedaço de pano preto esta noite. Tranquei a porta e escondi a chave novamente.

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