Maya
Ao passar pela porta da frente da casa do meu pai, escutei risadas vindo da sala de jantar. Tirei o casaco e o deixei sobre o encosto do sofá, junto da bolsa. Caminhei em direção a eles e parei no batente da porta, observando minhas filhas interagirem com os avós. Sempre que presencio esses momentos, penso em como minha mãe adoraria tudo isso se estivesse aqui. As netas a amariam incondicionalmente, assim como eu a amei.
Os olhos do meu pai se ergueram, encontrando os meus.
— Maya... Não ouvimos você chegar.
— Oi, mamãe — cumprimentaram as gêmeas, em uníssono.
— Oi, meninas.
— Venha, Maya. Seu lugar já está à mesa — disse Clear.
Aproximei-me deles e sentei ao lado de Louise.
— A vovó Clear fez uma torta de espinafre com ricota. Está muito boa. Experimente um pedaço. — Louise cortou uma enorme fatia e serviu em meu prato.
— Obrigada, meu amor.
— Também tem suco de cenoura com laranja — falou Mary, servindo um copo para mim e o colocando à minha frente.
— Obrigada, querida.
— De nada, mamãe.
— Meninas, contem para a mamãe sobre o nosso projeto — disse meu pai.
— O vovô vai fazer uma casa na árvore — explicou Mary.
— Isso. E vai ser rosa — completou Louise.
— E quando essa construção vai acontecer?
— No verão. Pensei que as meninas poderiam vir ficar aqui durante as férias.
— Claro. Elas podem.
— Você não está comendo. Coma a torta, mamãe! — Louise pegou o garfo da minha mão e cortou um pedaço, levando-o até a minha boca. — Não está gostosa, querida? — Sorriu para mim, estreitando os olhos verdes-acinzentados. Ela é exatamente como Victor, e não estou me referindo às manias e à cor dos olhos. Estou falando do seu espírito. Autoritária e impaciente, mas sempre amorosa.
— Está uma delícia.
Um belo sorriso se abriu, exibindo os seus dentes da frente, que cresciam um pouco tortos após a troca.
Todos jantamos e depois comemos torta de maçã na sobremesa, enquanto as meninas tagarelavam sobre o dia na escola e tarde com o avô. Quando elas subiram para pegar os seus pertences, caminhei até a lareira da sala e me servi de uma dose de uísque.
— Dia difícil? — perguntou meu pai, sentando-se no sofá atrás de mim.
— Apenas cansativo. Aceita? — ofereci-lhe uma dose, que ele negou com a cabeça.
Sentei-me na poltrona ao seu lado e dei um gole na bebida.
— Poderíamos jantar aqui neste final de semana. Convide o Isaac. Estou a fim de fazer um churrasco.
Passei as mãos no cabelo, jogando-o para trás, e respirei fundo antes de dar outro gole.
— Isaac e eu não estamos mais juntos.
— Por quê? — perguntou surpreso.
— Porque eu não o amo como deveria amar para passar o resto da minha vida com ele. Falta algo. — Limitei-me a dizer. Meu pai não precisa, de fato, saber o que me falta.
— Esse algo que falta nele... é algo que vai encontrar em outro cara? Ou algo que tinha no Victor e que você quer de toda maneira encontrar em outro alguém? Porque se for isso que espera para finalmente se sentir satisfeita em um relacionamento, talvez nunca aconteça.
Ele pegou o copo da minha mão e deu um gole na bebida, devolvendo-o quase vazio.
— Eu sei que não dá para substituir. E mesmo se desse, não faria. Tudo o que vivi com o Victor... não vou conseguir viver com outra pessoa. Até porque já não sou mais a mesma mulher. Mas acredito que o que procuro posso encontrar em outro homem, só não no Isaac. — Esvaziei o restante do uísque e me levantei, colocando o copo sobre a lareira, em uma bandeja.
Mary e Louise desceram com suas mochilas. Elas se despediram dos avós e depois entraram no carro. Em silêncio, seguimos para casa. Ao abrir a porta, a escuridão nos recebeu com melancolia. Mesmo quase seis anos depois, ainda é difícil lidar com esse vazio. Já não é mais tão grande, mas não menos doloroso.
— Vocês já tomaram banho no vovô?
— Sim — respondeu Mary.
— Então têm dez minutos para estarem na cama. Eu já vou ver vocês.
— A gente pode ver um pouquinho de TV? — pediu Louise.
— Já são oito horas. O relógio já badalou para as princesinhas de dez anos. Já para a cama!
Resmungando, elas subiram para o segundo piso. Guardei as mochilas, tirei a roupa da secadora e coloquei outras na máquina de lavar. Nem mesmo depois da morte do Victor, eu sentia a necessidade de ter empregados todos os dias. Antes, as meninas tinham uma babá, mas meu pai, desde a sua aposentadoria, faz questão de cuidar delas depois da escola. E eu tinha a Jane, ela me ajuda com a limpeza uma vez por semana, e uma empresa terceirizada cuida do jardim e da piscina mensalmente. Noberto já há muitos anos é apenas amigo da família e não mais o nosso motorista. Ele também havia se aposentado.
Quando subi, encontrei as meninas se deitando. Verifiquei se as janelas estavam fechadas e acendi o abajur. Louise sempre revirava os olhos quando eu acendia aquele cogumelo gigante. Ela achava muito bobo a irmã ainda ter medo do escuro. Às vezes a zoava por isso. Mas a psicóloga disse que é algo que Mary lidaria normalmente e sozinha. Isso surgiu após o falecimento do Victor.
— Boa noite, meninas. — Cobri uma e depois a outra. — Escovaram os dentes?
— Sim — responderam juntas.
— Eu amo muito vocês. — Beijei a testa da Louise e depois de Mary, que agarrou a minha mão quando tentei me afastar.
— Pode ficar um pouquinho aqui? — pediu.
Assenti, sentando-me na beirada da sua cama.
— Você salvou vidas hoje? — perguntou Louise.
— Eu ressuscitei um homem hoje. — Elas me olharam impressionadas.
— Como? — A curiosidade chegou em uníssono.
— Fazendo massagem cardíaca.
— Posso ver isso um dia? — perguntou Mary.
— Se um dia você for médica, sim.
Ela riu.
— Eu tenho sentido saudade de você, mamãe. — Louise estendeu a sua mão para mim. Eu a segurei e sentei-me no chão, entre as camas, encostando-me na de Mary.
— Eu também sinto muita saudade de vocês.
MayaA mão da Mary começou a fazer carinho no meu cabelo, pressionando os dedos levemente enquanto os deslizava pela cabeça.— Por que você não trabalha menos? — ela perguntou.— Porque estou passando pela residência. É uma etapa importante na formação de medicina. Só mais um mês e eu não precisarei mais trabalhar tanto, prometo.— Eu entendo — disse Louise.— Obrigada por serem mocinhas compreensivas.— Você e Isaac terminaram? — perguntou Mary, mudando radicalmente de assunto.— A gente ouviu você falar com o vovô.— Sim, nós terminamos.— Por quê? — questionou Louise.— Às vezes, os namoros não são para sempre.— Que nem o namoro da Ashley — Louise falou para Mary.— Quem é Ashley?— A nossa colega de classe. Ela namorava o Jacob, mas eles terminaram na semana passada — explicou Mary. — Eles achavam que seria para sempre.Essa fofoca me assustou um pouco.— Okay. — Empertiguei a coluna, um pouco tensa. — Vocês estão dizendo que a Ashley, uma menina de dez anos, namorava o Jacob, um
MayaO despertador tocou às quatro da manhã. Levantei e segui para o banheiro. Se eu não amasse tanto a medicina, já teria abandonado essa carreira. O trabalho estava tomando todo o meu tempo com as minhas filhas. Quando foi que as coleguinhas começaram a namorar? Não faz muito tempo e elas estavam vestidas de princesas, calçando pantufas de unicórnio, usando asas enormes e chifres brilhantes na cabeça. Agora elas querem saber quando podem namorar e fofocam sobre o término dos outros.— Se você estivesse aqui, Victor... Surtaria.Vestida, desci para a cozinha. Na cafeteira, o café havia acabado de ficar pronto. Servi um copo térmico para a viagem e vesti o meu casaco. A porta dos fundos foi aberta e meu pai passou por ela.— Bom dia, querida.— Bom dia, pai. — Dei-lhe um beijo no rosto. — Já vou indo. Dê um beijo nelas por mim quando acordarem. E não deixe a Louise te enrolar com o horário. Ela não perdeu os sapatos nem o papel importante para a aula. Elas não podem perder o primeiro t
MayaCarson rapidamente apanhou o seu café sobre o balcão e deu o fora dali. Virei-me para o homem irritante.— Não acredito que veio chorar para o chefe geral da cirurgia. Quantos anos tem? Quinze? Que mimada!Aproximou-se da atendente e pediu a ela um café gelado.— Eu não sou mimada! — Cruzei os braços. — Estou com raiva, porque sei que está fazendo isso por implicância! Estou nesse caso há muito tempo, e você tirou de mim a maior oportunidade que eu poderia ter antes da minha especialização. Muito obrigada por nada, dr. Gutierrez!Afastei-me, deixando-o para trás.A cirurgia estava marcada para dali três horas. Até que fosse chegado o momento de me preparar para ela, segui acompanhando os meus internos pelos seus afazeres e depois dei uma rápida passada na emergência.Às dez, tranquei a galeria e fechei as cortinas. Florence não queria e nem precisava de internos curiosos assistindo a suas partes íntimas. Ao entrar no centro cirúrgico, ela já estava a postos na maca, prestes a rece
MayaMeus pés mal pisaram no hospital para um belíssimo plantão de trinta horas, e Carson chamou por mim em sua sala. Ao abrir a porta, logo o avistei de pé do outro lado da sua mesa, mas só depois de entrar, é que vi Gutierrez ali também. Olhei para ele e depois para o nosso chefe.— Algum problema? — perguntei ao notar as feições fúnebres.— Florence está nos processando — disse Carson após um longo suspiro.— O quê? — perguntei embasbacada. — Por quê? — Olhei para Gutierrez.— Uma arritmia cardíaca já foi diagnosticada em fevereiro deste ano. E ela está alegando que eu sabia.Respirei fundo.— E você sabia? — Olhei-o com um pouco de julgamento.— Não, eu não sabia. Mas ela acha que sim, porque há seis meses, quando foi diagnosticada, eu ainda trabalhava em Chicago, no mesmo hospital onde ela tratou com a cardiologia. Porém, ninguém nunca me disse nada. Já faz mais de um ano desde a última plástica que ela realizou comigo.— Mas que merda! O que acontece agora? — perguntei para Carso
MayaEstávamos em um momento de descanso e descontração até que alguém parado na porta, segurando uma bandeja, chamou a minha atenção. Meus olhos se encontraram com os de Gutierrez. O canto do seu lábio se ergueu em um sorriso um tanto provocativo e ele caminhou na nossa direção. Olhei para o copo de café que tinha nas mãos e respirei fundo, revirando os olhos.— E aí, pessoal? — perguntou ele, sentando-se na cadeira vazia ao meu lado.Novamente o seu perfume entranhou no meu nariz.— Ainda não tivemos a chance de ser apresentados — disse um dos homens à mesa.— Sorte a sua — falei, baixinho.Senti os olhos de Gutierrez em cima de mim.— Ainda não perdoou ele por ter estacionado na sua vaga? — perguntou June.— Perdoar inconveniência é algo muito complicado. — Olhei para Augustus.Ele sorriu.— Eu não sabia que a vaga era sua.— O meu nome estava escrito nela. Não sabe ler, doutor?Alguém à mesa deixou escapar um risinho.Os olhos de Gutierrez estreitaram para mim.— Então está me tra
GusTrinta dias se passaram, e descobri algo em que Maya é muito boa: ignorar as pessoas. Nesse caso, me ignorar. Ela mal olha para mim, e quando faz, o seu olhar penetra o meu rudemente acompanhado de palavras ásperas que formam frases que, às vezes, abala a minha paciência. Ela sabe exatamente onde cutucar, e quando fazer isso. É irritante!Entrei no vestiário e, sem querer, a vi de sutiã enquanto se trocava para ir embora. Rapidamente, dei um passo para trás, escondendo-me no outro corredor, atrás dos armários. Não demorou muito e ela se foi, vi quando a sua sombra no chão passou pela porta.Saí do canto onde estava escondido e olhei na direção do seu armário. Seu celular havia ficado sobre o banco. Apanhei-o e corri atrás dela, mas Maya já havia descido no elevador. Tomei outro e continuei a tentar alcançá-la.— Gus... — chamou Anne, vindo na minha direção. — Vamos tomar uma cerveja, você vem com a gente? — Sua mão tocou meu braço sugestivamente, apertando-o de leve.— Não, obriga
GusSubi no passeio que levava à garagem e parei o mais próximo que podia da sua porta de entrada. Maya desceu rapidamente da moto e retirou depressa o capacete, entregando-me.— Obrigada. — Foi tudo o que ela disse antes de correr para dentro de casa. A chuva fina começava a engrossar.Não havia mais nada que ela pudesse dizer para mim depois daquela carona, mas eu fiquei ali, com um sentimento estranho que parecia com um vazio. Era como se eu esperasse mais sem perceber isso.Algo vibrou dentro da minha jaqueta, lembrando-me que ainda estava com o celular dela. Resolvi descer e devolvê-lo. Um médico não pode ficar sem o seu telefone. Toquei a campainha, escondendo-me sob a pequena marquise. Um homem abriu a porta. Ele devia ter uns sessenta anos, cabelos quase brancos e olhos verdes.— Por gentileza, pode chamar a Maya?Ele encarava-me com muita estranheza.— Querida... — chamou-a, sem desviar os olhos de mim.— Oi — disse uma voz suave e infantil, atraindo a minha atenção para baix
Maya— Um brinde a doutora White! — disse McKesson, erguendo a sua cerveja. Brindamos em comemoração a mim. Eu finalmente estava no Staff e posso dizer que sou cardiologista. Ao meu redor, na mesa do bar, estava alguns colegas de trabalho; médicos, enfermeiras e o cara mais gentil da limpeza, o Tony.Estava tão feliz, mas sentia que não estava compartilhando essa alegria de forma devida. Ou, ao menos, com quem eu gostaria. Não há um dia, um momento, que eu não penso: E se Victor estivesse aqui?Como estaríamos comemorando esse momento? Ele teria feito o jantar, talvez. Ou, quem sabe, teríamos saído para comer no melhor lugar da cidade. A melancolia começou a me preencher. Dei um gole na cerveja — engolindo a saudade imensa —, passei as mãos nos cabelos jogando-os para trás e respirei fundo, numa tentativa de levantar o meu astral.O meu celular vibrou sobre a mesa. Era o meu pai quem ligava. Eu havia pedido que levasse as meninas para passar o fim de semana com ele. E assim fez.Apanh