Maya
Entrei novamente no carro e estacionei na próxima vaga livre. Será muito divertido colocar esse babaca em seu devido lugar!
— Bom dia, dra. White.
— Bom dia, dr. Carson — cumprimentei-o ao descer.
— Por que parou aqui? Sua vaga é lá na frente.
— O cirurgião plástico que você contratou estacionou a motinha dele na minha vaga.
— Eu sinto muito. Vou pedir que ele retire — disse um tanto preocupado.
— Não! — Sorri para ele. — Achei que ele tem um ego bem grande, deixe-me murchar isso primeiro.
Carson riu.
— Não vai fazê-lo pedir demissão como o último fez. Está difícil de achar um bom cirurgião plástico.
— Se isso acontecer, prometo que encontrarei um dos melhores. Alguém que não pense que toda mulher trabalhando em um hospital é a enfermeira, como se isso fosse a escória da medicina e exercer essa função fosse desmerecedora para a carreira de alguém.
— Por que os plásticos são assim, hein?
— Porque alguém em algum momento, em algum lugar o fez acreditar que é Deus.
Carson assentiu e começou a caminhar pela calçada. Seguimos juntos para dentro do hospital. Enquanto eu fui me preparar para aquele dia, ele seguiu para sua sala, onde atuava como o chefe da cirurgia.
— Bom dia, dra. White — cumprimentou um dos meus internos, quando eles se aproximaram em bando.
— Tem uma moto na sua vaga. Não sabia que pilotava uma Harley — disse Natalie, humorada.
— Eu não piloto. — Virei-me para eles, com um pilha de prontuários nas mãos. — Natalie e George, vocês estão nas visitas e nas altas hoje. — Entreguei parte dos fichários para eles. — Ben e April, vão para a emergência e arrumem o que fazer. Se alguém chegar com o coração batendo fora do peito, me chamem.
— Mas se precisar de um de nós? — perguntou Ben.
— Se eu precisar, aviso.
— Bom dia, pessoal. — Carson chamou a atenção de todos no andar da cirurgia. — Gostaria de apresentar a vocês o doutor Augustus Gutierrez, o novo chefe da cirurgia plástica. — Os meus olhos imediatamente foram para o homem que saiu de trás do Carson, trajando um pijama azul-escuro que indicava que ele fazia parte do Staff, onde em um mês eu também estaria. — Ele veio de Chicago diretamente para nós. Então façam bom uso dessas mãos e mente brilhante.
— Que gato — sussurrou Natalie, com um sorrisinho assanhado no rosto.
— Por que não vai fazer as visitas? — perguntei para ela, um pouco irritada em ver aquele homem outra vez. Ela me olhou com um olhar desconcertado e desfez o sorriso.
— Desculpe, já estou indo.
— Se ele precisar de um interno para auxiliar, posso ir com ele? — pediu Ben. Estreitei os olhos para ele.
— Não gosta de auxiliar em outras cirurgias, Ben?
— Eu adoro. Mas a plástica é o meu forte, sabe? — Forçou um sorriso.
O babaca da Harley mal havia chegado e meus internos já estavam me trocando por ele? Senti-me traída.
— Dê o fora daqui, Benjamin.
— Já estou indo. — Saiu a passos apressados, indo em direção ao elevador.
Respirando fundo, segui até o quadro de cirurgias. Gutierrez poderia até ficar com minha vaga, mas não com meus internos. Espiei-o por cima do ombro e vi como os outros do Staff o bajulavam cheios de sorrisos e carisma. Isso estava me irritando mais. Apenas eu havia visto o medíocre que ele é?
— A plástica te atrai? — Gutierrez perguntou ao se aproximar por trás.
— Colocar a mão em um coração me atrai muito mais.
— Enfermeiras aqui fazem isso? — Havia um tom de deboche em sua voz.
Se havia algo que me irritava mais do que internos fazendo uma pergunta por segundo, eram médicos sabichões e machistas. Já havia feito um deles pedir demissão. E, coincidentemente, ele era o chefe anterior da plástica. Virei-me para ele, guardando as mãos no bolso do jaleco.
— Eu já sei bem lidar com caras como você.
Ele riu.
— Caras como eu? Acho que não.
— Não, eu sei! — afirmei. — Adquiri o hábito de conseguir ler as pessoas.
Outra risada escapou dele.
— Essa eu quero ver.
— Tem certeza?
— Fique à vontade. — Sorriu desdenhoso, cruzando os braços à frente.
— Se mudou para os Estados Unidos quando ainda criança. Sofreu muito bullying na escola por ser estrangeiro latino. Viu os pais serem humilhados dezenas de vezes nesse país e um dia prometeu para si que seria tão grande quanto eles. Mas é claro que depois de entrar para medicina, o ego inflou, porque isso sempre acontece com os fracos. Viu um alvo fácil nas mulheres para provocar a elevação da sua autoestima de menino sofredor. Hoje se acha tão grande e está tão certo de que pode dominar as pessoas, que acabou se perdendo na sua volta por cima do mundo. Saiu de Chicago porque estava cansado das pessoas, ou de uma em específico.
Estreitei os olhos para ele, que me encarava sério, sem deboche.
— Acha que aqui, como foi em outros lugares, vai chegar com toda a sua banca e sentar na janela, mas em Seattle as coisas são diferentes e você verá. Não pense que nós, mulheres, vamos abaixar a cabeça para você. Staff não é tratado como hierarquia nesse hospital, dr. Gutierrez. E se quer tentar ofender uma mulher por aqui, fale do cabelo sujo que ela não consegue lavar porque pega plantões de trinta e seis horas seguidas, fechando em mais de oitenta horas semanais. Mas não queria rebaixá-las, humilhar e promover a sua graça em dizer que elas são enfermeiras, como se isso fosse degradante para alguém. Não se esqueça jamais que sem meia dúzia delas dentro de um centro cirúrgico, você não é capaz de salvar uma vida. Se quer submissão, doutor... não é aqui dentro que vai encontrar.
O olhar dele mudou. Agora ele parecia mais compenetrado e tentava encontrar os fundos dos meus olhos. Sua respiração dilatava alto o peitoral grande.
— Vejo que já conheceu a dra. White. — disse Carson, parando ao meu lado.
Os olhos de Augustus se desprenderam de mim indo até ele. Os braços desataram e a postura inflada se desfez.
— Ela está conosco desde o internato. Em algumas semanas será do Staff — disse sorridente, piscando para mim. — A dra. White também é uma dos nossos maiores financiadoras. A clínica comunitária foi graças a ela e seu marido.
Os olhos de Gutierrez voltaram até os meus. Sorri para ele, sentindo-me vitoriosa.
— É um prazer conhecê-la, dra. White.
— O prazer é meu.
— Com licença — pediu ele, saindo.
— Você já desinflou o ego dele? — perguntou Carson, enquanto observávamos o novo médico se afastar.
— Já, sim. Mas não terminei. — Dei dois passos à frente. — Dr. Gutierrez! — chamei-o, alto. Ele parou e virou-se para mim.
— A vaga em que parou... ela é minha. Caso não tenha notado ou enxergado, tem o meu nome escrito nela. Poderia desocupar, por favor?
— É claro.
Um pequeno sorriso se ergueu no canto da sua boca volumosa antes de ir. Alguns risinhos ecoaram à minha volta. Carson riu também.
— Deus do céu. Tomara que quando eu me aposentar, você já esteja apta a assumir o meu lugar.
— Desde que não esteja pensando em se aposentar nos próximos sete anos...
Ele riu novamente.
— Tenha um bom dia, Maya — despediu-se, seguindo em direção ao elevador.
— O senhor também.
MayaAo passar pela porta da frente da casa do meu pai, escutei risadas vindo da sala de jantar. Tirei o casaco e o deixei sobre o encosto do sofá, junto da bolsa. Caminhei em direção a eles e parei no batente da porta, observando minhas filhas interagirem com os avós. Sempre que presencio esses momentos, penso em como minha mãe adoraria tudo isso se estivesse aqui. As netas a amariam incondicionalmente, assim como eu a amei.Os olhos do meu pai se ergueram, encontrando os meus.— Maya... Não ouvimos você chegar.— Oi, mamãe — cumprimentaram as gêmeas, em uníssono.— Oi, meninas.— Venha, Maya. Seu lugar já está à mesa — disse Clear.Aproximei-me deles e sentei ao lado de Louise.— A vovó Clear fez uma torta de espinafre com ricota. Está muito boa. Experimente um pedaço. — Louise cortou uma enorme fatia e serviu em meu prato.— Obrigada, meu amor.— Também tem suco de cenoura com laranja — falou Mary, servindo um copo para mim e o colocando à minha frente.— Obrigada, querida.— De na
MayaA mão da Mary começou a fazer carinho no meu cabelo, pressionando os dedos levemente enquanto os deslizava pela cabeça.— Por que você não trabalha menos? — ela perguntou.— Porque estou passando pela residência. É uma etapa importante na formação de medicina. Só mais um mês e eu não precisarei mais trabalhar tanto, prometo.— Eu entendo — disse Louise.— Obrigada por serem mocinhas compreensivas.— Você e Isaac terminaram? — perguntou Mary, mudando radicalmente de assunto.— A gente ouviu você falar com o vovô.— Sim, nós terminamos.— Por quê? — questionou Louise.— Às vezes, os namoros não são para sempre.— Que nem o namoro da Ashley — Louise falou para Mary.— Quem é Ashley?— A nossa colega de classe. Ela namorava o Jacob, mas eles terminaram na semana passada — explicou Mary. — Eles achavam que seria para sempre.Essa fofoca me assustou um pouco.— Okay. — Empertiguei a coluna, um pouco tensa. — Vocês estão dizendo que a Ashley, uma menina de dez anos, namorava o Jacob, um
MayaO despertador tocou às quatro da manhã. Levantei e segui para o banheiro. Se eu não amasse tanto a medicina, já teria abandonado essa carreira. O trabalho estava tomando todo o meu tempo com as minhas filhas. Quando foi que as coleguinhas começaram a namorar? Não faz muito tempo e elas estavam vestidas de princesas, calçando pantufas de unicórnio, usando asas enormes e chifres brilhantes na cabeça. Agora elas querem saber quando podem namorar e fofocam sobre o término dos outros.— Se você estivesse aqui, Victor... Surtaria.Vestida, desci para a cozinha. Na cafeteira, o café havia acabado de ficar pronto. Servi um copo térmico para a viagem e vesti o meu casaco. A porta dos fundos foi aberta e meu pai passou por ela.— Bom dia, querida.— Bom dia, pai. — Dei-lhe um beijo no rosto. — Já vou indo. Dê um beijo nelas por mim quando acordarem. E não deixe a Louise te enrolar com o horário. Ela não perdeu os sapatos nem o papel importante para a aula. Elas não podem perder o primeiro t
MayaCarson rapidamente apanhou o seu café sobre o balcão e deu o fora dali. Virei-me para o homem irritante.— Não acredito que veio chorar para o chefe geral da cirurgia. Quantos anos tem? Quinze? Que mimada!Aproximou-se da atendente e pediu a ela um café gelado.— Eu não sou mimada! — Cruzei os braços. — Estou com raiva, porque sei que está fazendo isso por implicância! Estou nesse caso há muito tempo, e você tirou de mim a maior oportunidade que eu poderia ter antes da minha especialização. Muito obrigada por nada, dr. Gutierrez!Afastei-me, deixando-o para trás.A cirurgia estava marcada para dali três horas. Até que fosse chegado o momento de me preparar para ela, segui acompanhando os meus internos pelos seus afazeres e depois dei uma rápida passada na emergência.Às dez, tranquei a galeria e fechei as cortinas. Florence não queria e nem precisava de internos curiosos assistindo a suas partes íntimas. Ao entrar no centro cirúrgico, ela já estava a postos na maca, prestes a rece
MayaMeus pés mal pisaram no hospital para um belíssimo plantão de trinta horas, e Carson chamou por mim em sua sala. Ao abrir a porta, logo o avistei de pé do outro lado da sua mesa, mas só depois de entrar, é que vi Gutierrez ali também. Olhei para ele e depois para o nosso chefe.— Algum problema? — perguntei ao notar as feições fúnebres.— Florence está nos processando — disse Carson após um longo suspiro.— O quê? — perguntei embasbacada. — Por quê? — Olhei para Gutierrez.— Uma arritmia cardíaca já foi diagnosticada em fevereiro deste ano. E ela está alegando que eu sabia.Respirei fundo.— E você sabia? — Olhei-o com um pouco de julgamento.— Não, eu não sabia. Mas ela acha que sim, porque há seis meses, quando foi diagnosticada, eu ainda trabalhava em Chicago, no mesmo hospital onde ela tratou com a cardiologia. Porém, ninguém nunca me disse nada. Já faz mais de um ano desde a última plástica que ela realizou comigo.— Mas que merda! O que acontece agora? — perguntei para Carso
MayaEstávamos em um momento de descanso e descontração até que alguém parado na porta, segurando uma bandeja, chamou a minha atenção. Meus olhos se encontraram com os de Gutierrez. O canto do seu lábio se ergueu em um sorriso um tanto provocativo e ele caminhou na nossa direção. Olhei para o copo de café que tinha nas mãos e respirei fundo, revirando os olhos.— E aí, pessoal? — perguntou ele, sentando-se na cadeira vazia ao meu lado.Novamente o seu perfume entranhou no meu nariz.— Ainda não tivemos a chance de ser apresentados — disse um dos homens à mesa.— Sorte a sua — falei, baixinho.Senti os olhos de Gutierrez em cima de mim.— Ainda não perdoou ele por ter estacionado na sua vaga? — perguntou June.— Perdoar inconveniência é algo muito complicado. — Olhei para Augustus.Ele sorriu.— Eu não sabia que a vaga era sua.— O meu nome estava escrito nela. Não sabe ler, doutor?Alguém à mesa deixou escapar um risinho.Os olhos de Gutierrez estreitaram para mim.— Então está me tra
GusTrinta dias se passaram, e descobri algo em que Maya é muito boa: ignorar as pessoas. Nesse caso, me ignorar. Ela mal olha para mim, e quando faz, o seu olhar penetra o meu rudemente acompanhado de palavras ásperas que formam frases que, às vezes, abala a minha paciência. Ela sabe exatamente onde cutucar, e quando fazer isso. É irritante!Entrei no vestiário e, sem querer, a vi de sutiã enquanto se trocava para ir embora. Rapidamente, dei um passo para trás, escondendo-me no outro corredor, atrás dos armários. Não demorou muito e ela se foi, vi quando a sua sombra no chão passou pela porta.Saí do canto onde estava escondido e olhei na direção do seu armário. Seu celular havia ficado sobre o banco. Apanhei-o e corri atrás dela, mas Maya já havia descido no elevador. Tomei outro e continuei a tentar alcançá-la.— Gus... — chamou Anne, vindo na minha direção. — Vamos tomar uma cerveja, você vem com a gente? — Sua mão tocou meu braço sugestivamente, apertando-o de leve.— Não, obriga
GusSubi no passeio que levava à garagem e parei o mais próximo que podia da sua porta de entrada. Maya desceu rapidamente da moto e retirou depressa o capacete, entregando-me.— Obrigada. — Foi tudo o que ela disse antes de correr para dentro de casa. A chuva fina começava a engrossar.Não havia mais nada que ela pudesse dizer para mim depois daquela carona, mas eu fiquei ali, com um sentimento estranho que parecia com um vazio. Era como se eu esperasse mais sem perceber isso.Algo vibrou dentro da minha jaqueta, lembrando-me que ainda estava com o celular dela. Resolvi descer e devolvê-lo. Um médico não pode ficar sem o seu telefone. Toquei a campainha, escondendo-me sob a pequena marquise. Um homem abriu a porta. Ele devia ter uns sessenta anos, cabelos quase brancos e olhos verdes.— Por gentileza, pode chamar a Maya?Ele encarava-me com muita estranheza.— Querida... — chamou-a, sem desviar os olhos de mim.— Oi — disse uma voz suave e infantil, atraindo a minha atenção para baix