Maya
Pela janela, eu observava a chuva fina cair sobre o asfalto. Enquanto abotoava minha camisa, olhei as horas no relógio de pulso: quatro da manhã. O céu ainda estava escuro, e boa parte de Seattle dormia, assim como o homem atrás de mim, que se mexeu na cama. Aproximei-me dele e observei-o ressonar. Isaac é bonito e tem um corpo de dar água na boca. Ele é um eterno romântico, daqueles que te ligam no meio do dia só para ouvir a sua voz e te mandam flores sem motivo algum. Também é um grande cavalheiro; abre a porta do carro, puxa a cadeira no restaurante e só se senta depois de você. Um homem dos sonhos de qualquer mulher. Menos do meu, e eu lamento por isso.
Eu não conseguia amá-lo, embora tivesse tentado muito. Minhas amigas com certeza me chamarão de estúpida quando eu contar que acabou. Elas jamais entenderiam o que eu preciso em um homem, embora ainda não me sinta verdadeiramente pronta para o que a minha alma submissa necessita. No entanto, não posso mais me enganar com ele, porque isso também é enganá-lo. Eu sei que algum dia estarei pronta para me submeter novamente e ser de alguém, mas ser um Dominador é algo que ele não pode, mesmo se eu implorasse. Não está em sua essência dominar alguém.
Tentei por quase um ano me acostumar a ser uma namorada "normal" em um relacionamento baunilha, mas me senti sufocada e aprisionada dentro do meu próprio corpo e desejos. Não estou feliz. Não me sinto completa. E por isso não posso mais demorar para deixá-lo. Eu preciso partir. Sei que ele sofrerá, porque me ama, mas não posso mais fazer isso. Isaac merece mais do que consigo dar a ele. E eu não mereço ser reprimida por mim mesma.
— Por que não se deita comigo, só mais um pouquinho? — sussurrou ele, sonolento e rouco, abrindo um pouco dos olhos em seguida.
— Preciso estar no hospital em uma hora. — Sentei-me na beirada da cama. Ele segurou minha mão, acariciando meu dorso com seu polegar. Meus olhos se encheram de lágrimas e um doloroso nó se formou na garganta. Apertei levemente sua mão encarando-a fixamente. Senti um pouco de medo em olhá-lo nos olhos.
— Vai me deixar, não é? — perguntou, atraindo meu olhar até o seu. — Há dias sinto que quer ir embora. Existe algo que eu possa fazer para que não vá?
— Não — sussurrei, sentindo lágrimas descerem pelo rosto. Eu não queria chorar, mas não conseguia ter controle.
Isaac soltou minha mão e sentou-se.
— O que falta em mim?
— Não falta nada. Eu sou o problema. Você será perfeito para outra pessoa.
Ele riu com desgosto.
— Quero ser perfeito para você, Maya.
Tocou meu rosto, secando as lágrimas que escorriam lentamente pelas minhas bochechas.
— Acontece que eu não sou como as outras mulheres. Existe uma parte de mim que precisa de mais do que você pode oferecer. Eu desejei muito que essa parte desaparecesse, que fosse embora. Acredite, eu tentei. Mas ela ainda está aqui. Não posso partir minha alma em duas.
Seu olhar era confuso.
— Embora eu não esteja te entendendo, saber que não consigo ser o que a mulher que eu amo precisa, dói.
— Por isso não posso mais ficar. Não quero que se sinta mal quando o problema definitivamente não é você.
Ele assentiu, abaixando a cabeça, triste.
— Eu tenho que ir.
Beijei o topo de seus cabelos e me levantei, indo até a poltrona onde peguei meu casaco e a bolsa. Rapidamente ele se colocou de pé, vindo até mim, parando logo atrás.
— Não vá — suplicou. Suas palavras saíram cheias de dor ao mesmo tempo que suas mãos tocaram meus ombros, os apertando levemente.
Fechei os olhos, respirando fundo.
— Adeus, Isaac.
Não tive coragem de olhá-lo novamente. Apenas saí dali, fechando a porta logo atrás de mim. Desci os degraus vagarosamente, enquanto vestia o casaco. Ao chegar na sala, observei uma última vez o cômodo. Tivemos alguns bons momentos ali. Após ter pago aquela garrafa de vinho para mim há dez meses, viemos para sua casa e aquela foi a primeira vez que transei desde o início do meu luto persistente. Bem ali, naquele sofá amarelo ridículo. Foi bom, mesmo que eu sentisse falta de algo mais. Naquele momento, tive minha carência saciada e seu romantismo me acalentou de maneira que nem sabia estar precisando. Mas agora, acabou.
Abri a porta e senti sua aproximação, descendo a escada em silêncio. Escutei seus passos pararem no último degrau. Acho que, no fundo, ele esperava que eu não fosse e que voltasse atrás com minha decisão. Mas isso não aconteceria. Saí e andei calmamente pela esteira de pedras até meu carro, estacionado em frente à casa. Entrei e recostei-me no banco, sentindo uma pequena sensação de alívio me invadir. E, em seguida, senti-me horrível por isso.
Liguei o motor e segui o caminho para o hospital. Ao entrar no estacionamento, uma moto me ultrapassou em alta velocidade, entrando e estacionando na vaga que era reservada para mim. Freei o carro e encarei aquilo, incrédula. Havia meu nome escrito no chão. Quem é o folgado pilotando a Harley-Davidson, que parou ali como se não tivesse me visto prestes a estacionar naquele lugar?
— Eu não acredito nisso! — disse irritada, parando o carro em frente à vaga e descendo em seguida. — Com licença — chamei sua atenção.
Ele desceu da moto e virou para mim, retirando o capacete em seguida. Nunca o havia visto antes na vida.
— Este estacionamento é para os funcionários do hospital! — Tentei usar um tom educado, embora quisesse muito gritar com ele. Eram quase cinco da manhã, havia dormido apenas seis horas naquela noite, estava sem cafeína e tinha terminado meu namoro quarenta minutos atrás.
— Eu sei. Por isso parei aqui — respondeu, aproximando-se.
— E quem é você? — Já não fui mais tão educada.
Ele é cego, porra?! Meu nome está ali!
— Eu sou o doutor Gutierrez, cirurgião plástico. — Estendeu a mão para mim. — Você é enfermeira aqui?
Estreitei os olhos para ele. Caras como o Gutierrez, principalmente os que são cirurgiões plásticos, tratam enfermeiras como lixo e acham que qualquer mulher dentro do ambiente hospitalar é uma enfermeira, deixando assim claro seu pensamento machista de que mulheres não podem ser médicas e que a enfermagem está sempre abaixo dele, merecendo menos. Mas não aqui, meu caro. Não no meu hospital!
— E se eu for?
Ele recolheu sua mão ignorada por mim.
— Quem sabe terá a chance de instrumentar comigo.
O folgado piscou para mim e saiu andando em direção à entrada principal do hospital.
MayaEntrei novamente no carro e estacionei na próxima vaga livre. Será muito divertido colocar esse babaca em seu devido lugar!— Bom dia, dra. White.— Bom dia, dr. Carson — cumprimentei-o ao descer.— Por que parou aqui? Sua vaga é lá na frente.— O cirurgião plástico que você contratou estacionou a motinha dele na minha vaga.— Eu sinto muito. Vou pedir que ele retire — disse um tanto preocupado.— Não! — Sorri para ele. — Achei que ele tem um ego bem grande, deixe-me murchar isso primeiro.Carson riu.— Não vai fazê-lo pedir demissão como o último fez. Está difícil de achar um bom cirurgião plástico.— Se isso acontecer, prometo que encontrarei um dos melhores. Alguém que não pense que toda mulher trabalhando em um hospital é a enfermeira, como se isso fosse a escória da medicina e exercer essa função fosse desmerecedora para a carreira de alguém.— Por que os plásticos são assim, hein?— Porque alguém em algum momento, em algum lugar o fez acreditar que é Deus.Carson assentiu e
MayaAo passar pela porta da frente da casa do meu pai, escutei risadas vindo da sala de jantar. Tirei o casaco e o deixei sobre o encosto do sofá, junto da bolsa. Caminhei em direção a eles e parei no batente da porta, observando minhas filhas interagirem com os avós. Sempre que presencio esses momentos, penso em como minha mãe adoraria tudo isso se estivesse aqui. As netas a amariam incondicionalmente, assim como eu a amei.Os olhos do meu pai se ergueram, encontrando os meus.— Maya... Não ouvimos você chegar.— Oi, mamãe — cumprimentaram as gêmeas, em uníssono.— Oi, meninas.— Venha, Maya. Seu lugar já está à mesa — disse Clear.Aproximei-me deles e sentei ao lado de Louise.— A vovó Clear fez uma torta de espinafre com ricota. Está muito boa. Experimente um pedaço. — Louise cortou uma enorme fatia e serviu em meu prato.— Obrigada, meu amor.— Também tem suco de cenoura com laranja — falou Mary, servindo um copo para mim e o colocando à minha frente.— Obrigada, querida.— De na
MayaA mão da Mary começou a fazer carinho no meu cabelo, pressionando os dedos levemente enquanto os deslizava pela cabeça.— Por que você não trabalha menos? — ela perguntou.— Porque estou passando pela residência. É uma etapa importante na formação de medicina. Só mais um mês e eu não precisarei mais trabalhar tanto, prometo.— Eu entendo — disse Louise.— Obrigada por serem mocinhas compreensivas.— Você e Isaac terminaram? — perguntou Mary, mudando radicalmente de assunto.— A gente ouviu você falar com o vovô.— Sim, nós terminamos.— Por quê? — questionou Louise.— Às vezes, os namoros não são para sempre.— Que nem o namoro da Ashley — Louise falou para Mary.— Quem é Ashley?— A nossa colega de classe. Ela namorava o Jacob, mas eles terminaram na semana passada — explicou Mary. — Eles achavam que seria para sempre.Essa fofoca me assustou um pouco.— Okay. — Empertiguei a coluna, um pouco tensa. — Vocês estão dizendo que a Ashley, uma menina de dez anos, namorava o Jacob, um
MayaO despertador tocou às quatro da manhã. Levantei e segui para o banheiro. Se eu não amasse tanto a medicina, já teria abandonado essa carreira. O trabalho estava tomando todo o meu tempo com as minhas filhas. Quando foi que as coleguinhas começaram a namorar? Não faz muito tempo e elas estavam vestidas de princesas, calçando pantufas de unicórnio, usando asas enormes e chifres brilhantes na cabeça. Agora elas querem saber quando podem namorar e fofocam sobre o término dos outros.— Se você estivesse aqui, Victor... Surtaria.Vestida, desci para a cozinha. Na cafeteira, o café havia acabado de ficar pronto. Servi um copo térmico para a viagem e vesti o meu casaco. A porta dos fundos foi aberta e meu pai passou por ela.— Bom dia, querida.— Bom dia, pai. — Dei-lhe um beijo no rosto. — Já vou indo. Dê um beijo nelas por mim quando acordarem. E não deixe a Louise te enrolar com o horário. Ela não perdeu os sapatos nem o papel importante para a aula. Elas não podem perder o primeiro t
MayaCarson rapidamente apanhou o seu café sobre o balcão e deu o fora dali. Virei-me para o homem irritante.— Não acredito que veio chorar para o chefe geral da cirurgia. Quantos anos tem? Quinze? Que mimada!Aproximou-se da atendente e pediu a ela um café gelado.— Eu não sou mimada! — Cruzei os braços. — Estou com raiva, porque sei que está fazendo isso por implicância! Estou nesse caso há muito tempo, e você tirou de mim a maior oportunidade que eu poderia ter antes da minha especialização. Muito obrigada por nada, dr. Gutierrez!Afastei-me, deixando-o para trás.A cirurgia estava marcada para dali três horas. Até que fosse chegado o momento de me preparar para ela, segui acompanhando os meus internos pelos seus afazeres e depois dei uma rápida passada na emergência.Às dez, tranquei a galeria e fechei as cortinas. Florence não queria e nem precisava de internos curiosos assistindo a suas partes íntimas. Ao entrar no centro cirúrgico, ela já estava a postos na maca, prestes a rece
MayaMeus pés mal pisaram no hospital para um belíssimo plantão de trinta horas, e Carson chamou por mim em sua sala. Ao abrir a porta, logo o avistei de pé do outro lado da sua mesa, mas só depois de entrar, é que vi Gutierrez ali também. Olhei para ele e depois para o nosso chefe.— Algum problema? — perguntei ao notar as feições fúnebres.— Florence está nos processando — disse Carson após um longo suspiro.— O quê? — perguntei embasbacada. — Por quê? — Olhei para Gutierrez.— Uma arritmia cardíaca já foi diagnosticada em fevereiro deste ano. E ela está alegando que eu sabia.Respirei fundo.— E você sabia? — Olhei-o com um pouco de julgamento.— Não, eu não sabia. Mas ela acha que sim, porque há seis meses, quando foi diagnosticada, eu ainda trabalhava em Chicago, no mesmo hospital onde ela tratou com a cardiologia. Porém, ninguém nunca me disse nada. Já faz mais de um ano desde a última plástica que ela realizou comigo.— Mas que merda! O que acontece agora? — perguntei para Carso
MayaEstávamos em um momento de descanso e descontração até que alguém parado na porta, segurando uma bandeja, chamou a minha atenção. Meus olhos se encontraram com os de Gutierrez. O canto do seu lábio se ergueu em um sorriso um tanto provocativo e ele caminhou na nossa direção. Olhei para o copo de café que tinha nas mãos e respirei fundo, revirando os olhos.— E aí, pessoal? — perguntou ele, sentando-se na cadeira vazia ao meu lado.Novamente o seu perfume entranhou no meu nariz.— Ainda não tivemos a chance de ser apresentados — disse um dos homens à mesa.— Sorte a sua — falei, baixinho.Senti os olhos de Gutierrez em cima de mim.— Ainda não perdoou ele por ter estacionado na sua vaga? — perguntou June.— Perdoar inconveniência é algo muito complicado. — Olhei para Augustus.Ele sorriu.— Eu não sabia que a vaga era sua.— O meu nome estava escrito nela. Não sabe ler, doutor?Alguém à mesa deixou escapar um risinho.Os olhos de Gutierrez estreitaram para mim.— Então está me tra
GusTrinta dias se passaram, e descobri algo em que Maya é muito boa: ignorar as pessoas. Nesse caso, me ignorar. Ela mal olha para mim, e quando faz, o seu olhar penetra o meu rudemente acompanhado de palavras ásperas que formam frases que, às vezes, abala a minha paciência. Ela sabe exatamente onde cutucar, e quando fazer isso. É irritante!Entrei no vestiário e, sem querer, a vi de sutiã enquanto se trocava para ir embora. Rapidamente, dei um passo para trás, escondendo-me no outro corredor, atrás dos armários. Não demorou muito e ela se foi, vi quando a sua sombra no chão passou pela porta.Saí do canto onde estava escondido e olhei na direção do seu armário. Seu celular havia ficado sobre o banco. Apanhei-o e corri atrás dela, mas Maya já havia descido no elevador. Tomei outro e continuei a tentar alcançá-la.— Gus... — chamou Anne, vindo na minha direção. — Vamos tomar uma cerveja, você vem com a gente? — Sua mão tocou meu braço sugestivamente, apertando-o de leve.— Não, obriga