Recomeço na Alemanha

A primeira coisa que senti ao desembarcar na Alemanha foi o frio. Um vento gelado tocou meu rosto, tão diferente do calor abafado de Angola. Mas, junto com o frio, veio uma sensação estranha de liberdade, de renovação. Era o começo de uma nova vida, e eu estava pronta para abraçá-la, apesar de ainda carregar as cicatrizes do passado.

Minha nova casa ficava em uma rua tranquila em Hamburgo. Aluguei um pequeno apartamento mobiliado no centro, suficiente para mim e para os sonhos que eu planejava reconstruir. Assim que entrei pela porta, soltei minha bagagem e percorri o espaço com o olhar. Havia uma sala com uma janela grande que deixava entrar a luz pálida do inverno, uma cozinha compacta, um quarto acolhedor e uma varanda que dava vista para a cidade.

Na primeira noite, desfiz minhas malas devagar, como se cada peça retirada representasse um pedaço da minha nova vida que estava sendo montada. Ao deitar na cama, percebi que a solidão, embora pesada, era um preço pequeno a pagar pela paz que eu tanto almejava.

No dia seguinte, decidi explorar a cidade.

Hamburgo era vibrante, com ruas que misturavam o antigo e o moderno. Comecei minha jornada pelo Elbstrand, uma praia fluvial às margens do rio Elba. O som das águas tranquilas e o cenário bucólico fizeram meu coração desacelerar pela primeira vez em meses.

Depois, visitei o Miniatur Wunderland, um museu fascinante com maquetes detalhadas de cidades do mundo inteiro. Passei horas admirando os detalhes e imaginando que, assim como aquelas miniaturas, eu poderia reconstruir minha vida, peça por peça.

No final do dia, fui ao Teatro Thalia, onde assisti a uma peça em alemão. Eu não entendia cada palavra, mas as emoções nos rostos dos atores eram universais. Senti-me conectada a algo maior, algo que transcendia idiomas e culturas.

Nos dias seguintes, minha rotina começou a se formar. Entre explorar quedas d'água em parques naturais e passear por mercados locais, recebi a ligação que mudaria tudo.

Era uma proposta de trabalho. Uma marca americana renomada de roupas, calçados e acessórios, a Summit Styles, estava lançando uma campanha inovadora na Europa, e eu havia sido indicada como gestora de projetos. Minha tarefa era liderar uma equipe multicultural no desenvolvimento de uma coleção sustentável, utilizando materiais reciclados e promovendo o conceito de moda consciente.

Aceitei sem hesitar.

Na segunda-feira seguinte, encontrei minha equipe. Havia cinco pessoas, cada uma com habilidades únicas: Elisa, uma designer italiana; Tomás, um especialista em logística espanhol; Anne, uma estrategista de marketing alemã; Lucas, um engenheiro têxtil brasileiro; e Rami, um desenvolvedor de plataformas digitais vindo do Egito.

Nosso primeiro encontro foi em uma sala de reuniões moderna, com grandes janelas que ofereciam uma vista para o skyline de Hamburgo. Apresentei o projeto com entusiasmo, mesmo com o peso do passado ainda me acompanhando.

— Nosso objetivo é simples: criar algo inovador e sustentável. Mas, mais do que isso, quero que esta equipe se torne um exemplo de colaboração. Vamos mostrar que, juntos, podemos alcançar o impossível.

Nos dias seguintes, mergulhei no trabalho. Visitei fábricas, testei protótipos e participei de sessões criativas intensas. Pela primeira vez em muito tempo, sentia que estava construindo algo que era só meu.

E, aos poucos, percebi que minha dor estava se transformando em força. Eu ainda era Matondo, mas uma versão mais forte, mais resiliente. A Alemanha me deu espaço para respirar, para recomeçar.

E assim, enquanto olhava pela janela do meu apartamento à noite, com as luzes de Hamburgo brilhando ao longe, fiz uma promessa a mim mesma.

Eu iria crescer. Iria prosperar. E, acima de tudo, nunca mais deixaria ninguém apagar a luz dentro de mim.

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