No outono de 1946, o país ainda estava se recuperando dos devastadores efeitos da Segunda Guerra Mundial. As cicatrizes da guerra estavam presentes não apenas nos campos de batalha distantes, mas também nas almas daqueles que retornavam para reconstruir suas vidas. Joseph e León eram dois desses homens. Ambos haviam servido nas forças armadas durante o conflito e, embora tivessem retornado ao país com seus corpos intactos, suas mentes carregavam as sombras de experiências dolorosas. A ideia de recomeçar em um lugar tranquilo, longe das lembranças da guerra, parecia ser a única forma de cura possível.
Willow Creek, uma cidade modesta situada ao longo de um rio calmo e rodeada por montanhas, foi o refúgio que escolheram. Eles haviam ouvido falar de sua serenidade e de sua comunidade unida, e acreditavam que ali poderiam encontrar algum tipo de redenção.
O reverendo Carlson, homem respeitado e carismático, logo se tornou uma figura acolhedora para os dois amigos. Ele, que também havia testemunhado os efeitos da guerra, compreendia as dificuldades de seus visitantes e os recebeu com empatia.
Foi durante o culto de domingo, que ambos conheceram as duas jovens. Mary, a filha do reverendo, estava sentada na primeira fila, como de costume. Com seu vestido simples e seu cabelo negro preso em um coque discreto, ela emanava uma tranquilidade que a tornava ainda mais atraente, embora de uma forma silenciosa. Ela era conhecida em toda a cidade como uma mulher de grande bondade e compaixão, sempre disposta a ajudar aqueles em necessidade. Seus olhos profundos pareciam refletir um mundo de sabedoria silenciosa, e sua presença serena contrastava com a energia vibrante de sua prima, Lisa.
Lisa, com seus cabelos loiros e sorriso encantador, era a antítese de Mary. O espírito extrovertido de Lisa iluminava qualquer ambiente, e ela sabia exatamente como se fazer notar. Os homens da cidade, inclusive Joseph, não podiam deixar de olhar para ela, como se sua beleza fosse uma espécie de chamariz irresistível. Sua personalidade brilhante e ousada fazia com que qualquer um ao seu redor se sentisse mais vivo. Ao contrário de Mary, que se contentava em passar despercebida, Lisa adorava ser o centro das atenções.
Joseph, que se via como alguém introspectivo e reservado, logo se viu atraído por Lisa. Sua beleza e energia eram inegáveis, e ele sentia uma atração intensa por ela. Porém, ele estava ciente de que seu amigo León, com sua natureza expansiva e carismática, era alguém com quem Lisa provavelmente se sentiria mais à vontade. Como era de se esperar, León, com seu jeito descontraído e confiante, se aproximou de Lisa com facilidade. Ele arrancou risadas dela com suas histórias engraçadas e piadas. Era evidente que havia uma química entre os dois, algo que Joseph observou com certa melancolia.
Enquanto isso, Mary passou a observar Joseph de longe, intrigada por sua aparente indiferença e reserva. Embora a cidade inteira estivesse encantada por sua prima Lisa, havia algo em Joseph que tocava Mary de maneira diferente. Ela não conseguia identificar exatamente o que era, mas sentia que havia algo mais por trás de sua postura solitária. Sua mente curiosa começou a se perguntar o que ele pensava, o que ele sentia, e, principalmente, por que ele parecia tão distante de tudo.
Com o passar das semanas, a relação entre León e Lisa se tornava mais visível, mas Joseph, em sua maneira silenciosa, afastou-se ainda mais de ambas. Ele não se sentia atraído por Mary da mesma forma que se sentia por Lisa, mas algo em sua alma parecia indicar que ela era importante, de uma forma que ele não conseguia entender.
Mary, ainda observando Joseph de longe, começou a perceber que algo havia mudado nele. Talvez ele estivesse em busca de algo que ele próprio ainda não entendia, ou talvez estivesse se fechando por medo. Ela não sabia, mas sabia que sua curiosidade por ele estava crescendo. Ela desejava saber mais sobre ele, saber o que o fazia tão diferente de todos os outros homens da cidade.
Após o culto de domingo, as ruas de Willow Creek estavam silenciosas, exceto pelo som dos passos nas calçadas de paralelepípedos, onde os moradores se dirigiam para suas casas. Joseph e León, foram convidados por Carlson a almoçar em sua casa, uma oferta que não poderiam recusar. A casa do reverendo era simples, mas bem arrumada, com um jardim à frente cheio de flores de cores vibrantes que davam vida ao ambiente. O aroma de sopa caseira e pão fresco escapava das janelas, e quando os dois amigos entraram pela porta, foram recebidos por um calor acolhedor. O reverendo Carlson, com um sorriso amigável, estava ajudando Mary a servir os pratos na mesa.
Lisa, como sempre, estava radiante. Ela estava perto da mesa, rindo e conversando com o reverendo, enquanto Mary se concentrava nos detalhes da refeição com uma atenção cuidadosa.
"Bem-vindos, meus amigos," disse Carlson, apertando as mãos de Joseph e León enquanto os guiava até a mesa. ""Agora que vocês estão em Willow Creek, devem estar se acostumando com a tranquilidade do lugar."
León, sempre disposto a quebrar o gelo, riu e respondeu com seu habitual tom descontraído: "Sim, reverendo. Nunca vi uma cidade tão pacata! Talvez até um pouco mais calmo do que gostaríamos, mas com certeza é um bom lugar para respirar e esquecer um pouco das coisas, não é?"
"É verdade," respondeu Joseph, com um sorriso discreto, enquanto se acomodava à mesa. "Há algo de reconfortante na paz daqui. Ao menos por enquanto."
Mary trouxe um prato de sopa fumegante e o colocou na frente de Joseph com um sorriso tímido. Ela não falava muito, mas seus olhos transmitiam uma calma que, de alguma forma, se refletia nas ações de sua mãe, que estava preparando mais pães ao fundo. Enquanto isso, Lisa se sentou ao lado de León e estava contando uma história animada sobre uma festa que havia ocorrido na cidade vizinha, parecia mais focada em falar sobre as últimas fofocas da cidade e as festas que haviam ocorrido.
Quando a refeição chegou ao fim, o reverendo Carlson pediu para que todos se reunissem na sala de estar para um café. A conversa continuou, mas o olhar de Joseph se manteve fixo em Mary por mais tempo do que ele gostaria de admitir. Ele sabia que algo estava acontecendo ali — algo que ele não conseguia colocar em palavras, mas que estava sentindo, como uma presença suave que o cercava e o deixava em um estado de inquietação tranquila.
O céu de Willow Creek parecia uma tela pintada à mão, com tons dourados dissolvendo-se em laranjas profundos enquanto o sol mergulhava lentamente atrás das colinas. A brisa carregava o aroma fresco da vegetação ao redor do lago, e o leve farfalhar das folhas parecia um sussurro convidando à reflexão. Joseph caminhava lentamente pela trilha, suas botas estalando contra as pequenas pedras no caminho. Seus pensamentos eram um turbilhão — a chegada à cidade, os rostos novos, a estranha inquietação que sentia ao tentar se adaptar à tranquilidade do lugar.Quando seus olhos captaram a figura de Mary, sentada à beira do lago com um livro no colo, ele quase deu meia-volta. Mas algo o fez continuar. Talvez fosse a curiosidade, ou o simples desejo de estar perto de alguém que, de algum modo, parecia em paz com o mundo.Mary notou sua presença antes que ele pudesse dizer algo. Seus olhos brilhavam sob a luz do entardecer, refletindo a calma do lago. Ela fechou o livro delicadamente e sorriu, o t
O quarto de Lisa era um reflexo perfeito de sua personalidade vibrante: cheio de cores, com almofadas macias espalhadas pela cama e um espelho ornamentado que dominava a parede ao lado da janela. Mary, sentada no tapete ao lado da cama, observava Lisa ajeitar os cachos dourados diante do espelho.— Então, Mary, você já pensou em como os dois são tão diferentes? — Lisa perguntou, ajeitando uma mecha de cabelo que insistia em escapar do penteado. — Quero dizer, León é como o sol, caloroso, divertido... E Joseph... bem, ele é como a lua. Misterioso, calado. Mas você não acha isso atraente de alguma forma?Mary arregalou os olhos, um leve rubor tingindo suas bochechas. — Lisa! Como você pode falar assim?Lisa riu e se virou, sentando-se na cama com as pernas cruzadas. — Ora, Mary, somos adultas! Não me diga que nunca pensou em como seria ter alguém olhando para você como... você sabe, com desejo.Mary desviou o olhar, brincando com a barra do vestido. Não era comum para ela conversar sobr
O domingo chegou trazendo consigo uma leve brisa e o habitual som do sino da igreja, ecoando por Willow Creek. Mary acordou cedo, passando mais tempo do que o habitual em frente ao espelho. Vestiu o vestido azul que havia escolhido na noite anterior e, com dedos trêmulos, soltou os cabelos, deixando-os caírem naturalmente sobre os ombros. Um toque de batom rosado iluminou seu rosto, realçando a suavidade de seus traços. Pela primeira vez, ela olhou para si mesma e sentiu uma pontada de confiança.Ao chegar à igreja, as vozes murmuradas dos fiéis preencheram o ambiente, mas foi Joseph que prendeu sua atenção. Ele estava de pé perto da entrada, conversando com León e alguns outros homens. Mary respirou fundo, tentando acalmar o coração acelerado, e caminhou em sua direção.Joseph foi o primeiro a percebê-la. Seus olhos escuros demoraram um segundo a mais do que o normal ao se fixarem nela. Havia algo diferente em Mary, ele percebeu, embora não conseguisse definir exatamente o que era. O
Ela ficou vermelha e baixou os olhos, envergonhada por sua própria ousadia. — Não quis incomodar... só fiquei preocupada. Você parecia tão... distante.Joseph relaxou um pouco, mas ainda segurava o caderno com força, como se temesse que ela pudesse tocá-lo. O silêncio entre eles era denso, carregado de algo que Mary não sabia nomear.— Eu... gosto de escrever, só isso — explicou ele, sua voz mais suave desta vez. — Não é nada importante.Mary inclinou a cabeça, intrigada. — Não parece "nada". Você guarda isso como se fosse precioso.Joseph desviou o olhar, incapaz de sustentar a intensidade dos olhos dela. — Algumas coisas precisam ficar só aqui — disse, batendo levemente na capa do caderno. — É mais fácil lidar com elas assim.Mary deu um passo à frente, aproximando-se um pouco mais. — Talvez... não precise lidar sozinho.As palavras pairaram no ar como um desafio, e Joseph finalmente ergueu o olhar. Ele a estudou por um longo momento, os cabelos soltos de Mary brilhando à luz dourad
A casa do reverendo Carlson estava iluminada por uma luz suave, e o fogo na lareira estalava com um calor acolhedor. Mary e Lisa estavam sentadas no sofá, enquanto o reverendo Carlson preparava o chá, seus olhos firmes e decididos, como se já tivesse tomado uma decisão. A conversa que estava prestes a acontecer seria, sem dúvida, um divisor de águas para todos os envolvidos.Logo, os rapazes chegaram. León e Joseph entraram na sala, ambos com expressões sérias, mas com um toque de expectativa nos olhos. O reverendo os cumprimentou com um aceno de cabeça e os convidou a sentar-se à mesa. Mary e Lisa trocaram um olhar rápido, cada uma com seus próprios pensamentos, mas ambas sabendo que esse seria o momento de suas vidas mudarem.O reverendo olhou para os dois rapazes, então para as jovens e, com um suspiro, iniciou a conversa.— Como todos sabem, Willow Creek está crescendo, e as oportunidades na cidade estão se expandindo. O dono da fábrica local, que é um amigo de longa data, fez uma
O salão comunitário de Willow Creek brilhava à luz dos candelabros. Lanternas pendiam do teto de madeira rústica, criando um brilho acolhedor que refletia nos sorrisos e nos olhares curiosos dos moradores da cidade. O baile anual, uma tradição de décadas, reunia famílias, amigos e, claro, jovens cheios de expectativas e suspiros por encontros e olhares furtivos.Mary hesitou à porta, seu vestido de cetim azul-marinho destacando-se contra o ambiente simples. Os cabelos soltos caíam em ondas suaves, e seus lábios rosados mostravam o cuidado que ela raramente dedicava a si mesma. Lisa, já rodeada por Leon e outros conhecidos, olhou para Mary com um sorriso encorajador, mas o nervosismo dela era evidente.Joseph estava do outro lado do salão, próximo à mesa de bebidas, conversando com um pequeno grupo. Seu olhar encontrou o de Mary por um breve momento, e ele parou de falar, como se o ar tivesse ficado pesado. Ele observou-a atravessar o salão, cada passo parecendo mais lento e deliberado
Mary apertou o caderno contra o peito, uma dor aguda atravessando-a. Suas mãos começaram a tremer quando encontrou, na última página aberta, um desenho de Lisa. Cada traço parecia capturar a suavidade de sua expressão, e ao lado dele, um poema:"Nos ventos do campo vejo teu riso,Como o sol que desponta, leve e preciso.Teu olhar é refúgio, tua voz é canção,E nos meus sonhos, Lisa, és minha razão."As palavras golpearam Mary como um soco. Todo o calor que sentira durante a dança evaporou, substituído por um vazio frio. "Ele nunca me viu", pensou, enquanto as lágrimas ameaçavam cair.O salão parecia apertado demais, as risadas agora soavam distantes e opressoras. Desesperada para fugir, Mary deixou o caderno de volta na mesa e saiu correndo pela porta principal, seus passos ecoando na madeira do salão.Lá fora, o ar frio da noite a envolveu, mas não conseguiu acalmar a tempestade dentro dela. Mary correu para o bosque próximo, onde as árvores altas e o silêncio eram seu refúgio desde
Sozinha em seu quarto, Mary sentou-se na beirada da cama, ainda sentindo o peso do vestido molhado, que parecia um reflexo de seu coração: pesado, frio e sem vida. A luz fraca da lamparina iluminava suas mãos trêmulas, que seguravam o xale com força, como se ele pudesse protegê-la dos pensamentos que a consumiam.Ela olhou para o pequeno espelho sobre a cômoda e viu a própria imagem: cabelos desalinhados, olhos inchados de tanto chorar, o batom apagado, borrado em um rosto que mal reconhecia."Quem iria querer uma patética como eu?" pensou ela, os lábios formando um sorriso amargo. "Sempre soube, desde o início, que Joseph nunca me quis. Nunca me olhou como olhava para Lisa... Mas ainda assim, me iludi. Que tolice!"Mary se levantou e caminhou até o espelho, observando-se de perto, como se quisesse entender o que faltava nela. "Não sou bonita como Lisa. Não tenho o carisma que ela tem. Joseph me vê apenas como uma obrigação, um sacrifício que ele está disposto a fazer por conveniência