O domingo chegou trazendo consigo uma leve brisa e o habitual som do sino da igreja, ecoando por Willow Creek. Mary acordou cedo, passando mais tempo do que o habitual em frente ao espelho. Vestiu o vestido azul que havia escolhido na noite anterior e, com dedos trêmulos, soltou os cabelos, deixando-os caírem naturalmente sobre os ombros. Um toque de batom rosado iluminou seu rosto, realçando a suavidade de seus traços. Pela primeira vez, ela olhou para si mesma e sentiu uma pontada de confiança.
Ao chegar à igreja, as vozes murmuradas dos fiéis preencheram o ambiente, mas foi Joseph que prendeu sua atenção. Ele estava de pé perto da entrada, conversando com León e alguns outros homens. Mary respirou fundo, tentando acalmar o coração acelerado, e caminhou em sua direção. Joseph foi o primeiro a percebê-la. Seus olhos escuros demoraram um segundo a mais do que o normal ao se fixarem nela. Havia algo diferente em Mary, ele percebeu, embora não conseguisse definir exatamente o que era. O vestido azul destacava a leveza de seus movimentos, e seus cabelos soltos lhe davam um ar mais suave e... feminino. Por um breve instante, ele se permitiu admirar a mudança, mas logo recompôs sua postura reservada. — Bom dia, Joseph, León — cumprimentou Mary, sua voz firme apesar do nervosismo. — Mary! — exclamou León, sorrindo calorosamente. — Você está deslumbrante hoje. Não está, Joseph? Joseph desviou os olhos por um momento, desconfortável com a pergunta. — Está muito elegante, Mary — respondeu, sua voz neutra. Mary sentiu o elogio mais como um cumprimento educado do que algo genuíno. Seu sorriso vacilou por um instante, mas ela o manteve, não querendo demonstrar sua decepção. León, sempre o mais falante, começou a descrever uma história engraçada sobre sua infância, e Joseph ouvia com um leve sorriso, mas parecia alheio à presença de Mary. Embora seus olhos ocasionalmente deslizassem na direção dela, ele logo desviava o olhar, como se recusasse a permitir que algo mais profundo surgisse. Mary permaneceu ali, lutando contra a sensação de vazio que se instalava em seu peito. Ela havia se esforçado tanto para chamar a atenção de Joseph, mas sua indiferença parecia um muro intransponível. Ainda assim, ela não se deixaria abater. Algo nela, uma faísca recém-descoberta, dizia que valia a pena insistir. Quando o culto começou, Mary sentou-se mais próxima do altar, enquanto Joseph escolheu um banco no fundo da igreja. Durante todo o sermão, ela sentia seu olhar ocasionalmente em sua direção, mas, ao virar-se, ele parecia perdido em pensamentos. Na saída, Joseph a acompanhou até a escadaria. — Foi um bom culto hoje, não acha? — perguntou ele, com a mesma cordialidade de sempre. — Foi sim, muito inspirador — respondeu Mary, seu tom doce, mas carregado de uma tristeza que ele não percebeu. Ao vê-lo se afastar para se juntar a León, Mary sentiu que ainda havia uma barreira que não conseguia ultrapassar. Mas, em seu coração, algo dizia que nem sempre seria assim. Talvez fosse preciso mais do que um vestido azul e cabelos soltos para alcançar Joseph. Talvez fosse preciso tempo, ou algo que ela ainda não entendia completamente. Quando Joseph se afastou, Mary ficou parada no alto da escadaria da igreja, observando-o se juntar a León. Ela sentia que, por mais que tentasse, o coração dele estava trancado, envolto em algo que ela não conseguia penetrar. Mas naquele momento, algo diferente aconteceu. Joseph, já a uma distância segura, parou. Ele olhou por cima do ombro, seus olhos encontrando os dela como se quisesse dizer algo, mas sem coragem para fazê-lo. Mary, sem entender, franziu a testa. Esse olhar tinha algo que não combinava com a habitual indiferença de Joseph. Não era uma declaração de interesse, mas também não era vazio. Era um vislumbre, um instante que fez seu coração acelerar novamente. Pouco depois, a brisa que dançava entre os pinheiros pareceu conspirar a favor dela. Um dos homens que ajudavam a organizar os bancos da igreja se aproximou de Joseph, segurando algo em mãos. — Joseph, acho que isso caiu do seu bolso — disse o homem, entregando um caderninho de capa escura, gasto pelo uso. Mary não pôde evitar observar a troca. Joseph pegou o caderno com pressa, agradecendo, mas a forma como ele o guardou rapidamente em seu paletó chamou a atenção dela. O gesto era quase furtivo, como se ele escondesse algo precioso. Quando Joseph voltou a cruzar os olhos com ela, o desconforto ficou evidente em sua postura. Ele hesitou antes de se despedir novamente, deixando Mary com uma sensação de que algo mais havia sido revelado naquele dia — ainda que fosse apenas uma pequena rachadura na muralha de sua indiferença. Mary desceu os degraus lentamente, o coração inquieto. O que poderia haver naquele caderno que ele segurava com tanto zelo? Ela sabia que seria impróprio perguntar, mas não conseguiu afastar a curiosidade. O Joseph que se revelava aos poucos parecia muito mais complexo do que ela imaginava. Mary desceu os degraus da igreja, os olhos ainda presos à silhueta de Joseph, que caminhava em direção ao pequeno bosque ao lado. Algo em sua postura parecia mais tenso do que o habitual, como se o caderno em suas mãos tivesse um peso maior do que o físico. Sem pensar muito, Mary tomou coragem e o seguiu. A brisa balançava os galhos das árvores, e o som dos seus passos ecoava entre as folhas secas no chão. Quando finalmente o alcançou, ele estava sentado em um tronco caído, o caderno aberto no colo. Joseph parecia tão absorto que não percebeu sua aproximação até que ela estivesse a poucos passos. — Joseph — chamou ela, a voz hesitante mas doce. Ele ergueu os olhos, visivelmente surpreso, e fechou o caderno de imediato, como se tivesse sido pego em flagrante. O olhar que lançou a Mary oscilava entre desconfiado e vulnerável, como se ela tivesse invadido um espaço muito pessoal. — Mary... você me seguiu? — perguntou, sua voz soando mais acusadora do que ele pretendia.Ela ficou vermelha e baixou os olhos, envergonhada por sua própria ousadia. — Não quis incomodar... só fiquei preocupada. Você parecia tão... distante.Joseph relaxou um pouco, mas ainda segurava o caderno com força, como se temesse que ela pudesse tocá-lo. O silêncio entre eles era denso, carregado de algo que Mary não sabia nomear.— Eu... gosto de escrever, só isso — explicou ele, sua voz mais suave desta vez. — Não é nada importante.Mary inclinou a cabeça, intrigada. — Não parece "nada". Você guarda isso como se fosse precioso.Joseph desviou o olhar, incapaz de sustentar a intensidade dos olhos dela. — Algumas coisas precisam ficar só aqui — disse, batendo levemente na capa do caderno. — É mais fácil lidar com elas assim.Mary deu um passo à frente, aproximando-se um pouco mais. — Talvez... não precise lidar sozinho.As palavras pairaram no ar como um desafio, e Joseph finalmente ergueu o olhar. Ele a estudou por um longo momento, os cabelos soltos de Mary brilhando à luz dourad
A casa do reverendo Carlson estava iluminada por uma luz suave, e o fogo na lareira estalava com um calor acolhedor. Mary e Lisa estavam sentadas no sofá, enquanto o reverendo Carlson preparava o chá, seus olhos firmes e decididos, como se já tivesse tomado uma decisão. A conversa que estava prestes a acontecer seria, sem dúvida, um divisor de águas para todos os envolvidos.Logo, os rapazes chegaram. León e Joseph entraram na sala, ambos com expressões sérias, mas com um toque de expectativa nos olhos. O reverendo os cumprimentou com um aceno de cabeça e os convidou a sentar-se à mesa. Mary e Lisa trocaram um olhar rápido, cada uma com seus próprios pensamentos, mas ambas sabendo que esse seria o momento de suas vidas mudarem.O reverendo olhou para os dois rapazes, então para as jovens e, com um suspiro, iniciou a conversa.— Como todos sabem, Willow Creek está crescendo, e as oportunidades na cidade estão se expandindo. O dono da fábrica local, que é um amigo de longa data, fez uma
O salão comunitário de Willow Creek brilhava à luz dos candelabros. Lanternas pendiam do teto de madeira rústica, criando um brilho acolhedor que refletia nos sorrisos e nos olhares curiosos dos moradores da cidade. O baile anual, uma tradição de décadas, reunia famílias, amigos e, claro, jovens cheios de expectativas e suspiros por encontros e olhares furtivos.Mary hesitou à porta, seu vestido de cetim azul-marinho destacando-se contra o ambiente simples. Os cabelos soltos caíam em ondas suaves, e seus lábios rosados mostravam o cuidado que ela raramente dedicava a si mesma. Lisa, já rodeada por Leon e outros conhecidos, olhou para Mary com um sorriso encorajador, mas o nervosismo dela era evidente.Joseph estava do outro lado do salão, próximo à mesa de bebidas, conversando com um pequeno grupo. Seu olhar encontrou o de Mary por um breve momento, e ele parou de falar, como se o ar tivesse ficado pesado. Ele observou-a atravessar o salão, cada passo parecendo mais lento e deliberado
Mary apertou o caderno contra o peito, uma dor aguda atravessando-a. Suas mãos começaram a tremer quando encontrou, na última página aberta, um desenho de Lisa. Cada traço parecia capturar a suavidade de sua expressão, e ao lado dele, um poema:"Nos ventos do campo vejo teu riso,Como o sol que desponta, leve e preciso.Teu olhar é refúgio, tua voz é canção,E nos meus sonhos, Lisa, és minha razão."As palavras golpearam Mary como um soco. Todo o calor que sentira durante a dança evaporou, substituído por um vazio frio. "Ele nunca me viu", pensou, enquanto as lágrimas ameaçavam cair.O salão parecia apertado demais, as risadas agora soavam distantes e opressoras. Desesperada para fugir, Mary deixou o caderno de volta na mesa e saiu correndo pela porta principal, seus passos ecoando na madeira do salão.Lá fora, o ar frio da noite a envolveu, mas não conseguiu acalmar a tempestade dentro dela. Mary correu para o bosque próximo, onde as árvores altas e o silêncio eram seu refúgio desde
Sozinha em seu quarto, Mary sentou-se na beirada da cama, ainda sentindo o peso do vestido molhado, que parecia um reflexo de seu coração: pesado, frio e sem vida. A luz fraca da lamparina iluminava suas mãos trêmulas, que seguravam o xale com força, como se ele pudesse protegê-la dos pensamentos que a consumiam.Ela olhou para o pequeno espelho sobre a cômoda e viu a própria imagem: cabelos desalinhados, olhos inchados de tanto chorar, o batom apagado, borrado em um rosto que mal reconhecia."Quem iria querer uma patética como eu?" pensou ela, os lábios formando um sorriso amargo. "Sempre soube, desde o início, que Joseph nunca me quis. Nunca me olhou como olhava para Lisa... Mas ainda assim, me iludi. Que tolice!"Mary se levantou e caminhou até o espelho, observando-se de perto, como se quisesse entender o que faltava nela. "Não sou bonita como Lisa. Não tenho o carisma que ela tem. Joseph me vê apenas como uma obrigação, um sacrifício que ele está disposto a fazer por conveniência
O sol da manhã entrava pelas janelas da pequena loja de enxovais, iluminando os delicados tecidos espalhados sobre a mesa. Mary ajudava a prima a organizar as peças do enxoval, cuidadosamente dobrando lençóis de algodão, guardanapos bordados e toalhas macias, enquanto Lisa, empolgada, separava itens mais especiais.— Mary, veja essa camisola! — disse Lisa, com os olhos brilhando enquanto erguia uma peça de seda creme, leve e delicada. O tecido, quase translúcido, tinha rendas finas nos detalhes e um decote ousado que exalava feminilidade e elegância.Mary engoliu seco, observando o movimento gracioso do tecido nas mãos de Lisa.— É... linda — murmurou, com a voz quase inaudível.Lisa riu suavemente. — Experimente, Mary! Quero ver como fica em você.— Não, Lisa! Isso é para você! — protestou Mary, recuando levemente, mas Lisa insistiu, entregando-lhe a camisola.— Só por diversão, prima. Não seja tão séria!Mary hesitou, mas acabou cedendo. Pegou a camisola com cuidado, como se
Os preparativos para o casamento exigiam mais envolvimento de Mary e Joseph do que ambos haviam imaginado. Com a cerimônia se aproximando, havia inúmeras decisões a serem tomadas: a decoração da igreja, os convites, o cardápio da recepção, e até mesmo a escolha de músicas para o pequeno conjunto local que tocaria na celebração. Apesar de tudo, Mary sentia que Joseph encarava tudo com a mesma postura reservada e distante de sempre.Enquanto Mary caminhava até a pequena alfaiataria da cidade para discutir os ajustes finais das roupas do casamento. Joseph, que havia passado pela loja para buscar algo relacionado ao trabalho, foi pego de surpresa ao ver Mary no balcão, segurando um tecido branco rendado.— Joseph! — disse o alfaiate, um homem idoso com olhar animado. — Que sorte a sua aparecer aqui. Precisamos ajustar o caimento do colete e, já que está aqui, sua noiva pode dar o aval.Enquanto o alfaiate ajustava os botões, Mary desviava o olhar, mas não conseguiu evitar um vislumbre ráp
O pequeno vilarejo de Willow Creek parecia mais animado que o habitual. As celebrações pré-casamento de Mary e Joseph eram o grande evento do mês, atraindo a atenção de todos os moradores. Entre reuniões de planejamento e confraternizações, Lisa e León tornaram-se presença constante, trazendo energia e descontração para os encontros.Lisa era naturalmente expansiva, e sua cumplicidade com León era evidente em cada troca de olhares e risadas. Eles tinham uma maneira leve de estar juntos, como se o mundo ao redor fosse apenas um pano de fundo para o que realmente importava: a diversão compartilhada entre eles. Enquanto isso, Mary e Joseph, envolvidos em discussões sobre detalhes do casamento, eram um contraste gritante – mais formais, contidos, como se cada palavra trocada fosse cuidadosamente calculada.Naquela tarde, durante uma reunião na casa de Mary para revisar a lista de convidados, Lisa e León estavam em um canto da sala, provocando risadas entre os outros com suas brincadeiras.