Gabrielly

Alguém b**e na porta, mas eu finjo demência. Não quero abrir e muito menos participar dessa reunião frajuda. Mas, quando escuto a voz do meu chefe, não tem como eu me fazer de sonsa. Me levanto e abro a porta para ele.

— Estamos te esperando na reunião.

— Me deixe ficar aqui. Estou com aquele projeto importante que você pediu, e estou com muita dor de cabeça. Se eu for para a reunião, eu não vou conseguir terminar a tempo.

— Tem certeza, Gabrielly? É uma boa oportunidade para você, ainda mais que sabe falar italiano. Seria bom o engenheiro te conhecer. — Nego com a cabeça. O que eu vou mostrar para ele, se o meu projeto está na mão da vaca? — Então, tá. Você quem sabe.

Ele vira as costas, e eu fecho a porta, me encostando nela. Hoje era para ser o dia mais feliz da minha vida, mas está um saco. Volto para a minha mesa, pego meu caderno de desenho e começo a fazer o desenho da casa com piscina do Senhor Melo.

As horas vão se passando. Nem parei para almoçar. Tirei um cochilo no sofázinho, e quando eu olho no relógio, já passou do meu horário de trabalho. Começo a recolher as minhas coisas, e quando eu abro a porta, dou de cara com a Victória.

— Eu vou para a Itália. Eu e o meu projeto. Ele deu me deu uma oferta que eu não posso negar. Fora que é um gato. Parecia até que estava miando ao invés de falando.

— Que bom para você. Quero ver como você vai fazer lá, já que eu não vou estar junto para você roubar os meus trabalhos.

— Eu já disse que não roubei nada. E vou provar o meu valor quando estiver lá. Bom, vou para casa, pois não trabalho mais aqui. — Levanto a minha mão e dou tchau para ela. Ela se vira, colocando o cabelo seboso na minha cara.

Fecho a porta da minha sala, e quando eu estou saindo, o meu chefe me pede para esperar.

— Gabrielly, eu conheço o seu potencial. Por isso, mesmo você não querendo participar da reunião, eu falei de você para o senhor Morelli. Você vai fazer uma entrevista com a secretária dele amanhã de manhã.

— E se eu passar?

— Aí você também vai para a Itália. Quero você e a Victória crescendo na vida e aprendendo muitas coisas lá. — É estranho, se eu for também para a Itália, ele vai ficar sem nenhuma projetista aqui na empresa. — Sua entrevista está marcada para as 8:30 da manhã no hotel Plaza. Não se atrase.

Concordo com a cabeça e sigo para o ponto de ônibus para voltar para minha casa. Ao chegar, o cheirinho de comida da minha mãe já toma conta de mim, e minha barriga parece até que tem um buraco negro. Me aproximo dela, que está na pia, e dou um abraço por trás.

— Que bom que chegou. Vai tomar banho para jantarmos.

— Tá, mas deixa eu falar uma coisa. Amanhã vou fazer uma entrevista de emprego. Se eu passar, vamos nos mudar para a Itália.

— Sabe que eu não posso ir, mas se você for, vou te desejar boa sorte.

— Mãe, ele não vai voltar. Já se passaram mais de dez anos. Ele nos abandonou, não vai voltar para nós.

— Você não sabe. Se ele vier, não vai me encontrar aqui. Eu amo seu pai mais que tudo nessa vida, Gabi. Ele viajou a trabalho, mas sei que ele vai voltar para nós.

— Mãe...

— Essa é a minha resposta. Mas se for bom, eu quero que você vá. — Concordo com a cabeça e me viro para tomar o meu banho.

Até os meus 15 anos, eu tinha uma família perfeita. Meu pai sempre foi um bom homem. Mas um dia ele chegou em casa e disse que tinha uma proposta boa de emprego em São Paulo. Ele se foi, e nunca mais voltou. Minha mãe é boba. Não percebe que já deu tempo suficiente para ele voltar para nós. Afinal, dez anos não são dez dias.

(...)

O meu celular desperta às 6:30 da manhã. Me levanto e vou direto fazer a minha higiene. Coloco uma roupa social, faço uma maquiagem leve, apenas para ficar apresentável, mas, na verdade, eu nem sei se quero passar nessa entrevista. Se eu for para a Itália, a Victória vai montar em cima de mim, ou me roubar novamente.

Apesar de que, lá eu vou conseguir ver a queda dela de camarote. Agora estou na dúvida, se fico ou se vou. Termino de me arrumar e tomo café da manhã. Antes de sair, minha mãe acorda e me deseja boa sorte. Não quero deixá-la sozinha, mas se eu passar na entrevista, vou receber em euros, o que vai ajudar a quitar as nossas dívidas mais rapidamente.

— Deus te abençoe que você consiga esse emprego, minha filha, assim você não vai precisar trabalhar tanto.

— Se eu conseguir, a senhora não vai mais precisar trabalhar de faxina na casa de ninguém. Vou te mandar o dinheiro todos os meses e você vai pagando as contas. Chegou a hora da senhora se aposentar e descansar.

Ela sorri e me dá um beijo. Sigo para o ponto e espero pelo ônibus, que demora uma eternidade para chegar. E quando chega, está lotado, parecendo uma lata de sardinha. O pior de tudo é o trânsito parado, o que me deixa mais agoniada.

Desisto, desço do ônibus e decido ir andando boa parte do caminho. Até que vejo um acidente de carros. Isso é comum, já que as pessoas adoram beber e sair dirigindo. Pego o primeiro ônibus que vai para a cidade e consigo sair do trânsito. Peço a Deus para parar o tempo, pois tenho apenas quinze minutos para chegar ao centro, missão quase impossível.

Enfim, chego às 8:28. Não estou atrasada, pelo menos isso. Chego na recepção do hotel, e a mesma mulher do outro dia está aqui. Ela parece me reconhecer e dá um sorriso para mim.

— Moça, naquele dia o homem ficou possesso de raiva, ainda mais depois que eu falei que você pagou a diária.

— Disse que eu moro em São Paulo, né? — Ela concorda com a cabeça. Respiro aliviada e digo a ela que estou aqui para uma entrevista com a secretária do senhor Riccardo Montelli. Ela parece confusa, mas diz que ela está me esperando no saguão.

Caminho até lá, e vejo a mulher me esperando. É agora. Vou dar o meu melhor para passar nessa entrevista e ser a nova projetista da Itália.

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