Olhei para o relógio que marcava as três da madrugada. Mesmo assim o aeroporto estava bem movimentado. Manon estava sonolenta e emburrada. Revirando os olhos sempre que me pegava sorrindo entusiasmada. Mas eu não podia (e nem queria) me conter. Eu finalmente iria a Londres para participar de um grande festival gastronômico. E o mais surreal de tudo, é que poderia ter a chance de conhecer Serena Whitmore, uma das maiores chefs da Europa. Se não fosse pela Manon eu estaria saltitando e abraçando a todos estes desconhecidos ao meu redor. Ainda bem que minha melhor amiga está comigo.
- Como consegue ficar tão despreocupada? - perguntou - É a chance dos seus sonhos.
Ela tinha razão. Era a oportunidade que mudaria toda a minha carreira. Havia muita pressão sobre este evento que poderia mudar toda a minha vida.
- E quem disse que eu não estou nervosa? - respondi francamente - Eu posso não conhecer a Serena, ou pior: - pausei para enfatizar a gravidade da situação - ela pode odiar minha comida.
- Ei, ei, ei. - colocou a mão nos meus ombros e me balançou enquanto chamava minha atenção. - Nada de autodepreciação, amiga! Você é a melhor chefe que eu já conheci e não tem como ela não gostar da sua comida!
- Mas foi você que estava tentando me deixar ansiosa. - disse sorrindo. Elogios eram meu ponto fraco.
- Eu sei, eu sei. Me desculpe, ok? - ela deu um grande bocejo e esfregou os olhos - Eu só estou cansada e com muuuito sono.
O voo ocorreu bem. Era fascinante a sensação de estar tão alto. Voar a noite tinha o seu charme com as luzes se mexendo na escuridão. Manon dormiu o tempo todo. Eu só consegui ficar imaginando todas as possibilidades que poderiam haver no futuro. Na verdade, nem todas. Preferi deixar as negativas de lado e focar no sucesso possível.
Aterrissamos e seguimos para o hotel. As ruas de Londres eram muito diferente da cidade que eu já conhecia. À medida que chegamos perto do hotel, já era possível ver o castelo de Windsor, onde aconteceria o evento. Tudo era arcaico e lindo. Casas antigas e as carruagens nas ruas faziam a cidade ter um toque moderno e vitoriano.
O sol já tinha aparecido quando chegamos ao nosso hotel. Era um grande edifício imponente com detalhes em ferro forjado. Fizemos o chek in na recepção, e antes que eu falasse alguma coisa, Manon disse que subiria para dormir um pouco mais. Eu decidi ir ao salão, onde estavam servindo o café. Provar comidas novas sempre me anima.
Segui pelo corredor que me levaria ao salão, mas antes que eu pudesse chegar, avistei uma silhueta muito familiar perto da porta. Talvez eu estivesse imaginando coisas. Ele parecia ter sentido meu olhar, pois se virou e me encarou com uma expressão inquisitiva, mas se transformou num sorriso, ao qual eu correspondi, pois certamente nos reconhecemos.
- Bianca? - perguntou para se certificar.
- Sim! - respondi me aproximando para cumprimentá-lo - Matteo, o que você está fazendo aqui?
Ele ainda estava exatamente como me lembrava de quando fizemos um curso de gastronomia juntos. O mesmo cabelo castanho e bagunçado, caindo um pouco acima dos seus olhos cor de mel. As sardas se espalhando pelas bochechas e um queixo quadrado que dava a ele um tom de seriedade. As linhas do rosto estavam um pouco mais evidentes, mas isso só dava um ar mais maduro pro jovem brincalhão que eu conheci.
- O mesmo que você, eu imagino. - o sorriso dele ainda era muito arteiro - O Festival de Gastronomia de Windsor.
- Mais é claro! - eu não pude deixar de rir da minha ingenuidade - Também veio como chefe?
- Por que não nos sentamos para conversar? - ele estendeu a mão para indicar que entrássemos no salão.
Eu o acompanhei até a mesa e conversamos por vários minutos. Perguntou sobre minha vida e o que eu estava fazendo, e eu pensei feliz que avancei muito desde que nos separamos. Depois do curso, me especializei em alguns ramos diferentes da culinária italiana, pois havia vivido lá minha vida toda. Passei por Florença e Milão, mas havia conseguido montar e comandar o próprio restaurante em Bolonha.
Ele havia me contado um pouco da sua trajetória desde quando estudamos juntos em Roma. passou por grandes restaurantes na Ásia e participou de competições televisivas enquanto esteve na Austrália.
- Agora eu estou como Sous Chef. - ele esboçou um sorriso cativante. - E você não pode surtar quando souber de quem.
- Não! - meus olhos se abriram incrédulos. Minha mão o puxou mais para perto, para ter certeza de que ele estava sendo sincero. - Você está mesmo falando sério?
Ele aproximou ainda mais o rosto do meu.
- Estou sim.
Eu pude sentir o ar saindo junto com as palavras. Seu hálito tinha cheiro de camomila. Olhar em seus olhos tão de perto me fez lembrar do verão que estivemos juntos. Isso fez eu sentir minhas bochechas arderem. Eu me afastei e olhei para minhas mãos se apertando, no intuito de dispersar as lembranças. E de não parecer tão boba.
- Seria pedir muito para que eu pudesse conhecê-la, não é? - tentei disfarçar o constrangimento anterior com a indelicadeza de um pedido irrealizável.
- Talvez. - meu corpo se enrijeceu e eu o encarei mesmo que indiscretamente - Ela está recrutando alguns ajudantes para o jantar real, - ele fez uma pausa para me deixar ainda mais tensa - eu posso tentar colocar seu nome na seleção.
- Isso é sério? - eu ainda estava totalmente incrédula. - Seria incrível!
- Não estou prometendo nada. - sua expressão havia ficado mais séria - Eu apenas apenas prometi tentar.
- Sim, eu entendi. - respirei fundo e sorri mesmo assim - Ainda assim é uma tentativa que eu não esperava ter. Como vou poder te agradecer?
O olhar dele ficou malicioso. Entendi na hora o meu erro com as palavras. Apesar disso, fiquei aliviada por ele tentar manter o decoro.
- Resolvemos isso quando você bancar meu jantar.
- Combinado.
Ficamos um tempo nos olhando em silêncio. Alguns poucos segundos que pareceram estar parados no tempo. Muitas coisas guardadas num passado que pareciam estar esquecidas voltaram à tona. Era estranho ter de volta aquela sensação. Eu esperava que ele não estivesse escutando meu coração tão retumbante. Já fazia anos desde quando nos vimos pela última vez. Não imaginava que ainda sentia essa atração. E eu nem havia me trocado depois de chegar. Em momentos assim que pensamos se vale a pena ou não saber o que o outro está pensando.
- É muito bom ver seu sorriso outra vez. - ele levou as mãos para ajeitar uma mecha de cabelos atrás da minha orelha. Meu pescoço não conseguiu deixar de se contorcer ao toque, e eu senti meu corpo todo arrepiar. Ele deixou bem claro quais eram as suas intenções. Era o mesmo olhar de desejo que me seduziu descaradamente e me fez me entregar quando nos conhecemos.
- Eu preciso ir. - consegui dizer - Eu…Eu cheguei do aeroporto agora e preciso subir para arrumar minhas coisas. - estava quase gaguejando ao falar.
Ele pareceu desapontado e esperou alguns segundos. Como não dei indicações de que iria ficar, tirou o celular do bolso.
- Me passa seu número. - disse me entregando para salvar o contato - Se a chance surgir, eu posso te ligar.
Eu digitei meu número e disquei. Assim eu também teria o número dele. Ele digitou algumas algumas coisas e salvou meu contato. Nos despedimos e eu subi para o meu quarto.
Meu coração ainda estava batendo forte. Toda a nostalgia do verão que passamos juntos veio à tona, mas nós tínhamos sonhos de mais para firmar um compromisso na época. Mas não dava para negar que era algo do destino. Não que eu acreditasse nessas coisas.
Deitei na cama e acabei adormecendo, sonhando com as possibilidades extras que esta viagem poderia trazer. Pode ser que eu esteja sonhando alto demais, mas quem recusaria a oportunidade de sucesso na carreira e no amor?
O festival iria começar em dois dias, então hoje eu já pude ter acesso a cozinha que me foi designada. Eu e Manon estávamos conferindo os ingredientes, os utensílios e os equipamentos. Eles enviaram uma lista do que estaria disponível, juntamente com um formulário de solicitação para equipamentos extras, caso julgássemos necessário. Parecia tudo em ordem e completo. Eu me formei em gastronomia quando tinha 24 anos. Consegui dois bons restaurantes para começar a trabalhar. Meu trabalho noturno era em uma enoteca, um lugar de apreciação de vinhos que serve pratos dos mais variados tipos para combinar com a bebida. Então havia muitos chefs com que aprender todo tipo de coisa. Durante o dia era num Bistrô duas estrelas que tinha um bom renome na cidade. E foi lá que eu descobri minha paixão pela pastelaria. Chef Marco era um verdadeiro artista, mas, devido à idade, ele decidiu vender o lugar, então tive que deixar o trabalho. Estudei mais alguns anos e me tornei mestre em pastelaria. Tam
Eu não voltei para o meu quarto. Eu estava tão constrangida, que não queria encarar a Manon e contar desse desastre. Eu queria não ter escutado tão bem as últimas palavras que ele disse. Queria pensar que talvez estivesse enganada. Ele está noivo! E eu ia pra cama com ele. Ele correspondeu mais cedo, não disse nada. Ele me chamou para o quarto dele, certo? Não sou eu que estou errada. Não sabia o que pensar…Mais e mais desses pensamentos de culpa e autopiedade embrulhavam minha mente e meu estômago. Comecei a questionar nosso passado, mas se continuasse, poderia enlouquecer. Chamei um táxi e pedi para que me levasse a um bar qualquer. Meu celular começou a vibrar. Era uma mensagem dele: “Onde você está? Eu posso explicar. Por favor!”.Eu o ignorei. Pensei em bloquear seu número, mas antes que eu o pudesse fazer, recebi uma mensagem da Manon preocupada, porque ele tinha ido ao nosso quarto me procurar. Maron: “Tudo bem com você? Onde foi?”Eu: “Estou indo beber, preciso espairecer. De
Para o meu alívio, os dias que se seguiram ao festival foram intensos e cheios de tarefas ininterruptas. Estava indo tudo tão bem, que iríamos precisar de ingredientes extras para o último dia, pois pediram muito mais dos confeitos que fazíamos. Infelizmente, Serena Whitmore não apareceu na minha cozinha. Não sabia se era por conta de suas atividades ou se era pela cena que havia acontecido entre mim e o Matteo. Esperava que ela pelo menos cogitasse experimentar diretamente do salão. Manon tentava me animar constantemente, dizendo o sucesso que estávamos fazendo. Meu nome como Chef poderia estar se espalhando e isso poderia trazer resultados muito positivos para minha carreira e meu restaurante, no futuro. E era tudo no que eu precisava pensar, mas não funcionava tão bem assim dentro da minha cabeça. Todas as vezes que eu fechava os olhos, a sigla R.A. vinha a minha mente, junto com os olhos sedutores daquele homem desconhecido. Eu tentava balançar a cabeça para dispersar os pensamen
Já haviam se passado dois meses desde o festival em Londres. E com ele, todo o drama romântico que estava incluído. Felizmente precisei trabalhar bastante nesse período, então estive ocupada o suficiente para não perceber que o tempo passara tão depressa. Ao menos isso aconteceu melhor do que eu esperava. Graças aos bons frutos gerados dessa grande oportunidade que estavam sendo colhidos. Então mesmo que eu tenha saído com o coração partido, estava sendo fácil seguir em frente. Minha participação no festival fez com que grandes críticos e outros colegas da área me procurassem, então a popularidade do meu trabalho e do meu restaurante cresceu e eu precisava focar na minha carreira mais do que nunca. Na última semana, as lembranças ruins daquele evento nem apareciam mais, já que eu estava sempre ocupada. Contratei mais pessoas, coloquei Manon como chefe de cozinha e eu pude focar apenas na minha especialidade. Estávamos sempre combinando nossos pratos, para que as sobremesas fossem o áp
O primeiro trimestre da gravidez estava terminando. Minha ficha havia caído oficialmente na consulta com minha obstetra. Ouvir o coração do bebê foi como uma virada de chave na minha mente. Ter outra vida dentro de mim era um peso muito grande. E mesmo sabendo que poderia ser apenas os meus hormônios mexendo com meu corpo, eu estava muito feliz e empolgada em ter um filho. Havia se tornado um hábito levar a mão à minha barriga para tentar sentir alguma coisa.E mesmo assim eu não queria pensar tão a fundo sobre o futuro. Haviam muitas decisões e escolhas que estavam longe de chegar e eu precisava seguir um passo de cada vez. Os enjoos já estavam passando, e contanto que eu não carregasse nenhum peso e me alimentar decentemente, eu poderia continuar trabalhando. Manon estava me apoiando muito nisso. Puxando a minha orelha talvez fosse mais preciso. Ela parecia estar doida para dar uma de titia. Era bom saber que eu ia ter alguma rede de apoio. Minha mãe faleceu quando eu era adolescente
O voo tinha sido tranquilo. Eu dormi praticamente todo o trajeto. Depois que fiquei grávida, conseguia dormir muito facilmente em qualquer lugar que fosse possível. Ainda estava sonolenta quando desci do avião e me dirigi para a área de desembarque. Dirigia-me à esteira de bagagens para pegar minha mala quando esbarrei em alguém que vinha em minha direção. Agora desperta, virei-me para me desculpar com um homem de boné e máscara. Ele estava de cabeça baixa e parecia estar com pressa. Não me respondeu, virou o rosto e fez com que ia seguir caminho. Por um impulso involuntário, eu o segurei e o puxei pelo braço. Então ele me olhou diretamente sem entender o que estava acontecendo.Imediatamente eu perdi o fôlego. Era ele. A máscara atrapalhava a ver o seu rosto. Só era possível ver os olhos azuis inquisitivos com a situação. Mesmo assim eu tive a certeza de que era o pai do meu bebê. Ele não pareceu me reconhecer e puxou o braço de volta. Ele se virou e tentou seguir seu caminho ainda ma
Não queria admitir para mim mesma que fiquei abalada com todo o acontecimento no aeroporto. Mesmo aceitando que o pior já havia passado, que era encontrá-lo e dizer sobre a gravidez, ter deixado as coisas indefinidas com o Ryan deixou tudo mais angustiante, mesmo que toda a questão precisasse depender se ele faria ou não alguma coisa. E tudo isso junto com a possibilidade de perder uma grande chance da minha carreira parecia demais para mim. Decidi tomar um banho. Precisava tentar me manter calma para que minha pressão não subisse e fizesse mal para o bebê. E por mais que eu tenha conseguido amenizar os meus pensamentos sobre isso, toda minha calma não poderia durar muito tempo. Meu celular apitou com a notificação de uma mensagem. Era Matteo. Com todo o drama, e como eu só me comuniquei com a assistente desde o recado dele, havia me esquecido completamente que eu o encontraria novamente. E que provavelmente iremos trabalhar juntos. Meu estômago revirou. Não quis arriscar e tomei logo
Eu, a chef Whitmore e os outros chefes passamos horas replanejando as novas mudanças. Da minha parte, a futura noiva fez a exigência um bolo de ameixa negra com rum envelhecido. Parecia muito alarde para uma sobremesa que não iria combinar em nada com a ocasião. Pelo breve momento em que estivera com ela, parecia ser um simples desejo em dificultar as coisas para todo mundo. Esse era o murmurinho que vinha de todos os outros colaboradores. Todos estavam correndo para atender às novas exigências. Graças ao meu pequeno sucesso no festival e toda a reputação que eu estava construindo me deu uma chance com o grande problema que havíamos que resolver para o banquete. Eu conhecia ótimas fazendas de ameixa na Itália e felizmente uma delas produzia compotas de ameixas negras com rum com uma ótima reputação a zelar. Graças a um orçamento um pouco ilimitado, esse seria meu único meio para conseguir atender às novas exigências, visto que, se não fosse desse jeito, levaria meses para que eu conse