02

Estava na ultima série quando um miado esganiçado preencheu a academia da casa.

Ulisses soltou o peso, ofegante. Depois sorriu para a bolinha de pelos preta que andava até ele como se estivesse aprendendo a andar.

Ulisses deu risada.

— Veio aqui fazer o quê?

A gatinha miou em um berro agudo.

— Ok, já entendi. Está com fome? — perguntou se levantando do banco.

Fagulha deu meia volta e começou a correr de um jeito engraçado pela casa.

Ulisses foi atrás, passando uma toalha úmida pelo peitoral exposto para secar o suor. Em seguida a jogou sobre o ombro.

Costumava ir a academia com o amigo, mas Evan se mudou para Los Angeles. Fazia isso justamente porque lá, encontrava mulheres que pareciam gostar de vê-lo treinar e se derretiam com seu sorriso charmoso. Então sempre voltava bem acompanhando para casa.

Mas suas intenções agora são outras. Nada de sexo casual com belas mulheres. Terá que se contentar com a academia de sua casa e a companhia de Fagulha. Bem longe das interesseiras.

Ulisses conseguiu alcançar Fagulha rapidamente. A pegou no colo ignorando os miados irritados da bola de pelos. Sabia que ela fazia isso para que ele abastecesse a vasilha de ração.

Quando chegou na cozinha, deu de cara com a governanta bebendo café na ponta do longo balcão de mármore. Ela tinha a idade de Grace e sempre encarava Ulisses como se ele fosse um delicioso pedaço de mau caminho

Não que tentasse esconder.

Ou que ele ligasse.

— Olha esse tanquinho...

Ulisses cruzou a cozinha sorrindo.

— Já disse, Mary. Você não daria conta de tudo isso.

— Você subestima demais as mulheres de meia idade — Mary respondeu abandonando o café que tomava e indo até ele. — O que está procurando?

Ulisses olhou pelos cantos de sua enorme cozinha.

Mary apontou para baixo do balcão.

— Obrigada. Ela foi atrás de mim na academia... Ué, tem ração aqui.

Ele tinha se curvado para colocar Fagulha no chão.

Mary voltou a extremidade do balcão em que seu café estava e apoiou os cotovelos, assoprando sobre a xícara. Os olhos admirando as costas largas do St Jhon.

— Por que será que ela não come?

Ulisses se endireitou, com as mãos na cintura. Logo olhou Mary sobre o ombro.

Os olhos da governanta fixados em um ponto específico de seu corpo, abaixo da coluna e marcada pelo shortinho de academia. Que bundinha.

— Que parar de encara minha bunda e me responder?

— Não posso. Estou focada.

Ulisses se virou para ela, mas logo viu que não foi uma ideia inteligente.

Mary sorriu com a xícara contra a boca.

— Uh, bem melhor.

— Quer saber, você e Evan são dois casos perdidos.

Mary suspirou ao se lembrar também da bundinha de Evan. Depois andou até Ulisses com a xícara em mãos.

— Diga, meu bem. Estou ouvindo.

Ele apontou as duas mãos para a gatinha.

O miado de Fagulha era semelhante ao do patinho de borracha quando é pisado. Estridente e irritante.

— Gatos são assim. Troca a ração e você vai ver que ela vai comer.

— Está me dizendo que arrumei um bicho tão fresco quanto eu?

— Agora você vai ver pelo que eu passo — Mary sorriu e saiu andando para fora da cozinha.

Ulisses ainda gritou que não tem culpa de não gostar de batatas cozidas.

— Fresco!

Mary gritou de volta do corredor. Onde já se viu alguém não gostar de batatas? Ela não encontrava respostas para os gostos de Ulisses, a não ser que ele fosse um completo enjoado. E fresco.

Então ele trocou a ração de Fagulha. A gatinha se aproximou da vasilha na cor rosa e comeu normalmente a ração.

Ulisses a olhou indignado.

— Estou oficialmente chocado — disse a si mesmo.

Depois abriu o micro-ondas e lá estava seu prato de ovos mexidos. Mary sempre preparava, pois sabe que é o café da manhã que Ulisses toma depois que malha. Pegou café na cafeteira e se sentou para comer.

Na primeira garfada, se lembrou que deixou o celular na academia. Então se levantou e foi buscá-lo.

Ele voltou para a cozinha de cenho franzido, lendo a mensagem que chegara.

Brenda irá se casar. Sua melhor amiga, chata pra caramba e que poucos suportam encontrou alguém que a aturasse a ponto de pedi-la em casamento.

E ele ali, sozinho. Só com uma gatinha enjoada e raivosa.

— Será que eu vou me tornar um coroa solteiro e rodeado de gatos?

Nesse mesmo instante, Fagulha solta um miado como se dissesse pode apostar que sim, humano.

Ulisses então empurrou o prato para longe, pois perdera totalmente o apetite.

(...)

Era tarde. No relógio já marcava meia-noite e sete. As ruas do bairro silenciosas. A casa silenciosa. Exceto, pelos barulhos que Hazel fazia ao digitar rapidamente em seu notebook.

Os olhos cor-de-mel fixos na tela, se desviando apenas para conferir se havia acabado o café que fez há meia hora atrás. É, acabou de novo.

Ela se levantou do tapete da sala, dando a volta na mesinha de centro que usava como apoio para o notebook e andou até a cozinha — que dividia-se com a sala.

Esquentou a água no micro-ondas e virou um sache de café instantâneo, voltando para a sala mexendo com uma colher.

Ao se sentar de novo, viu que alguém tinha lhe mandado mensagem. Ulisses. E não era uma, mas várias mensagens dele, mandadas todas de já vez.

“Hazelzinha do meu coração, está aí?”

“Haze?”

“Me responde...”

(Gif do Mr. Bean deitado na grama)

Logo ela começou a digitar, mas foi interrompida com a ligação dele.

— Oi? — ela atendeu.

— Haze? Por que não fala comigo?

A voz de Ulisses estava enrolada.

Hazel uniu as sobrancelhas.

— Está bêbado?

— Nãaoo...

Claro que estava. Mas não era algo normal. Embora não seja incomum Ulisses estar com um copo de bebida na mão, ele é sempre bem controlado e não consome álcool como se fosse a solução para tudo. Esse não era o jeito dele.

Hazel se remexeu no lugar, engolindo a saliva seca.

— Aonde você está?

— Isso não importa. Te liguei porque estou entediado.

Hazel teve que revirar os olhos. Eu mereço.

— E ligou para mim porque está entediado?

— É... não tinha mais ninguém pra ligar e eu sabia que você estava acordada. E você não me respondeu. O que está fazendo?

Ela suspirou olhando para o notebook. O documento estava pela metade e chamando por ela...

— Nada de importante — respondeu.

— Aposto que está trabalhando.

— Sou mesmo tão previsível? — ela trocou o celular de ouvido e o segurou com o ombro.

Pode ouvir ele rir e pedir mais uma.

As sobrancelhas dela se uniram.

— Aonde está, Ulisses?

— Eu vim beber. Fiquei deprimido.

Fez-se um tempo de silêncio.

— Você deveria ir pra casa.

— Quer vir beber comigo? — perguntou sem vontade de voltar àquele casarão vazio. — Por minha conta.

— Não dá, olha a hora. Preciso terminar isso aqui. Mas me diga o que aconteceu.

Hazel levou a xícara de café até a boca e encolheu as pernas, encostada no sofá.

— Não quero falar da minha vida amorosa, Haze.

— Pensei que fôssemos amigos.

— E somos, mas sou bonito demais para despertar pena nas mulheres.

Hazel revirou os olhos resmungando. Vai começar.

Ulisses tinha uma autoestima tão elevada que dava nos nervos dela. Um ego enjoado e inflado.

— Minha nossa, o que rolou para o grande Ulisses St Jhon estar tão abalado assim? Está até sentindo pena de mesmo.

— Não é nada. Eu estou bem. Nos falamos depois, Haze.

E antes que Hazel pudesse mandá-lo para casa, Ulisses desligou e a deixou falando sozinha.

Ela encarou a tela do celular. Não sentia um bom pressentimento sobre o estado emocional de Ulisses.

Desde que o conheceu, nunca o viu assim, abalado a ponto de afogar as mágoas. Nem no baile em que levou um fora da rainha da escola ele ficara deprimido assim. Algo estava acontecendo.

Ela discou para ligar para ele novamente, mas caiu na caixa de mensagem. Aconteceu o mesmo com as próximas duas vezes.

Ele é grandinho, pode se cuidar. Deu de ombros e voltou ao trabalho.

O que poderia acontecer, afinal?

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