03

As manhãs na casa das Parker eram sempre barulhentas. Felícia ouvindo música alta no banheiro enquanto se arruma, Hazel andando pela casa reclamando que tudo por ali estava uma baderna e ao mesmo tempo, o vizinho de cima estreava a cama nova. Às sete horas da manhã!

— Eu mereço ter que ouvir essa baixaria logo cedo. Felícia, saí do banheiro que eu quero usar!

Hazel gritou enquanto guardava suas coisas na bolsa. Depois foi até a cozinha em busca de cafeína.

Ela fez seu café e voltou até o banheiro, se irritando com a porta fechada.

Se aproximou e bateu na porta com força.

— Oh madame, não existe só você no mundo, sabia? — gritou para a irmã sair.

Felícia então desligou a música e abriu a porta. Encarou Hazel com uma expressão esnobe.

— Quer entrar para quê se você nem se arruma?

Essa garota.

— E por acaso não mijo também?

— Credo, que linguajar — Felícia saiu do banheiro jogando seu cabelo curto e moderno.

Se parecia bastante com Hazel, exceto pelos olhos. Os de Felícia eram escuros como jabuticaba, enquanto os de Hazel pareciam bolas luminosas de mel.

Hazel revirou os olhos, abandonando o copo de café na pia antes de se aliviar. Com a porta aberta.

Existia muita intimidade entre aquelas irmãs.

Hazel observou a irmã bater com as unhas postiças no celular enquanto dava descarga. Até que enfim.

— Talvez eu chegue tarde hoje de novo — disse lavando as  mãos. — Deixei dinheiro pra você em cima da mesa, pede uma pizza.

Felícia então olha para a irmã, assentindo. Depois arqueia sua sobrancelha bem delineada.

Ela se aproximou guardando o celular no bolso da calça.

Hazel foi empurrada para o banheiro antes de sair.

— O quê?

— Me deixe arrumar essa sua cara. Olha esse cabelo. Mana, você deveria cuidar do seu cabelo...

Felícia passava a mão na cascata de fios castanhos de Hazel.

Hazel ainda não tinha entendido o que havia dado nela.

— Eu cuido do meu cabelo. Você ouviu o que eu disse? — Hazel perguntou olhando a irmã atrás de si pelo espelho. — Felícia?

— Ouvi. Dinheiro na mesa. Pedir pizza. E você, me ouviu?

— Não tenho tempo pra isso.

Felícia impediu a irmã de fugir.

— Ah, ah. Nada disso. Venha e me deixe pelo menos te deixar apresentável.

Hazel então suspirou, desistindo de vencer a irmã. Felícia era como ela e por isso sabia que não desistiria até conseguir emperiquitá-la.

Primeiro, Felícia penteou os cabelos de Hazel e passou um produto cheiroso que eliminou o frizz. Nossa.

Hazel se encarou no espelho impressionada.

— Esse produto é ótimo. Importado e caro, mas vale a pena. Já deveria ter ele na sua penteadeira faz tempo. Ah, é — Felícia sorri para Hazel. —, você nem se maquia para ter uma penteadeira.

Hazel empurrou a irmã tirando dela uma risada.

— Já acabou? Tenho que trabalhar.

— Espera. Eu já volto.

Felícia saiu do banheiro e voltou com algumas coisas na mão e com uma camisa e um cinto jogados sobre o ombro.

— Tira essa camisa feia — ordenou.

Hazel olhou para seu corpo. Usava uma camisa azul, larga e colocada dentro da calça. Calça larga, aliás, com o jeans gasto.

Depois encarou Felícia.

— O que tem de errado com minha camisa?

— É seis números maiores que você. Parece que recebeu doações de roupas de um ex-obeso.

Aquilo doeu. Hazel tirou a camisa e colocou uma preta e bem coladinha no corpo. Depois Felícia passou um cinto fino de oncinha pelas tiras da calça.

Hazel não pôde deixar de pensar em como a irmã era boa com moda.

— Olha. Parece outra mulher — Felícia a virou pelos ombros.

Hazel se olhou no espelho e concordou que a diferença era gritante. Nada mal.

Se achou uma mulher diferente naquele instante.

— Agora vou dar um jeito em suas olheiras.

— Fe, eu tenho que trabalhar.

— E você vai, só que vai ir linda.

Com pressa para sair, Hazel não quis mais insistir. Quanto antes Felícia acabasse, mais rápido ela irá para a empresa.

Felícia foi rápida. Cobriu as olheiras com corretivo, passou um blush suave e um gloss rosado. Eca.

— Não gosto de gloss — Hazel reclamou.

— Hoje você gosta. Pronto. Está linda. Case-se comigo!

Felícia segurou a mão da irmã.

Hazel riu e a mandou se arrumar para não se atrasar para a escola.

Então saiu do banheiro atrás das chaves.

— Fe, você viu as chaves?

Silêncio.

— Felícia?

A garota saiu do banheiro com seu celular na mão. Depois mirou na direção de Hazel.

— Este não é seu chefe?

Ah, droga!

(...)

A St Tec estava um furdunço!

Repórteres na porta da empresa se amontoavam como formigas sobre o doce. A rua foi praticamente interditada, não se passava por ela sem antes afundar varias vezes a mão na buzina.

Hazel se espremeu entre eles para conseguir entrar.

— Com licença. Aí! Eu quero passar. Ai, meu cabelo... Ai!

É por isso que vivo de coque.

Cruzou as portas de entrada rapidamente. Os seguranças trabalhavam mais do que nunca naquela manhã, já que o poderoso Ulisses St Jhon foi flagrado vomitando após bater com uma Ferrari contra o poste estando alcoolizado.

Ele estava bem. Por Deus, como Hazel agradecia por aquele desmiolado estar andando devagar quando houve a batida.

Cumprimentou os seguranças, vendo um deles a impedir de entrar.

Hazel ergueu o rosto.

— Fred? Me deixe passar!

— Desculpe, senhorita. Apenas funcionários.

O que Felícia fez comigo?

— Fred, sou eu, Hazel. Eu só me maquiei hoje.

Fred esticou o pescoço para frente com uma mão no queixo. Eu mereço...

— Hazel...?

— Isso. Secretária do chefe.

Logo Fred sorriu sem graça, abrindo passagem para ela e pedindo desculpas.

Hazel acelerou seus pezinhos pequenos pela empresa. Algumas pessoas a encaravam, o que fez ela se sentir estranha.

Não sabia que andava tão desarrumada assim. Um gloss fez tudo isso?

Entrou no elevador soltando o ar em alívio. Ao chegar no andar que trabalha, deu de cara com duas moças desconhecidas.

Terninho cinza. Saltos. Óculos e expressão de sensacionalista. Repórteres?

O andar estava vazio.

Elas correram até Hazel.

— Ah, que bom. Eu sou Melissa Dalars, do Morning Show. Você pode me responder algumas perguntas?

— Eu...

— Não ligue para ela — a outra repórter empurrou a primeira e se apresentou. — Vim falar com Ulisses St Jhon. Ele se encontra?

Hazel negou com a cabeça.

— Vem cá, como vocês subiram aqui?

— Fazemos de tudo para uma exclusiva. Então, é verdade que o senhor St Jhon saiu do A.A há alguns meses?

Elas já estavam com bloquinhos na mão e canetas preparadas para a fofoca do momento.

Hazel ficou tão indignada que mal conseguiu falar.

— Vocês subornaram nossa segurança? — Hazel perguntou. — Terei que pedir para se retirarem.

— Não vamos a lugar nenhum — uma delas disse

Nesse momento o elevador se abriu. Ulisses!

— Ah, que merda! O que vocês estão fazendo aqui também?

Ele vinha até elas arrumando o cabelo e segurando um capacete preto.

— Oi, lindo.

Uma delas sorriu e se adiantou empurrando Hazel.

Ela cambaleou indignada.

— Espera, vocês se conhecem? — perguntou, irritada com a repórter atrevida.

E foi nesse momento que Ulisses percebeu que uma das mulheres ali, era sua amiga Hazel.

A desarrumada Hazel. Sempre usando coque no cabelo. Nunca maquiada. Nunca com rupas da moda. O óculos sempre na gola da camisa como uma vovózinha.

Por alguma razão, Ulisses sentiu seu coração disparar. Minha nossa, como nunca a vi assim?

Os olhos desceram pelo corpo da amiga.

Logo ela estralou o dedo contra o rosto dele.

— Ei, eu estou falando. Conhece elas? O que quer que eu faça?

Ulisses piscou rapidamente, se lembrando que sua empresa estava caótica.

— Oh, sim. Conheço, mas—

— Mas, você vai me levar para dar uma volta, não é? Que tal me dar uma entrevista exclusiva. Em nome dos velhos tempos — a repórter que falava com ele deu de ombros sorrindo.

Ulisses uniu as sobrancelhas.

— Eu não vou falar com ninguém. Por favor, saiam!

— Mas...

— Saiam. As duas. Haze, você pode falar para um dos seguranças vir acompanhá-las?

— Claro.

Hazel então se apressou até sua mesa, deixando que Ulisses falasse com as duas. De longe, com o telefone no ouvido, pôde ver o quanto o amigo estava a flor da pele.

A gravata de Ulisses estava com um nó forçado, como se tivesse feito movido pelo ódio.

Dois minutos depois o telefone estava no gancho.

— Estão subindo — ela disse se aproximando.

— Ótimo. Obrigada, Haze. Estou em minha sala. Passe lá depois — sussurrou a última parte, tocando ela no braço.

Depois ele passou deixando um rastro de seu perfume caro.

As repórteres se deram por vencidas quando Ulisses foi e não voltou. Os seguranças chegaram e as levaram de lá.

Finalmente Hazel respirou aliviada. Que loucas! A.A...?

Hazel riu a caminho do escritório do chefe.

Ela entrou sem bater.

Encontrou Ulisses fazendo flexão. Não era a primeira vez, então revirou os olhos e cruzou os braços se encostando na porta.

— É sério? Flexões?

— Gosto de me exercitar quando fico chateado.

Hazel soltou um Hum, fazendo ele a olhar enquanto subia e descia.

Depois olhou para frente.

— Está linda hoje. O que te deu para vir arrumada?

Hazel o encarou antes de responder.

— Felícia. Ela é irritante quando que alguma coisa, mas até que gostei.

Ela saiu da porta e andou até a mesa de Ulisses, se encostando nela agora. Também ficara mais perto de Ulisses.

Ele a olhou e sorriu.

— Eu também gostei.

— Obrigada.

Logo mudou o assunto.

— Ei, não vai me dizer o que aconteceu?

— Bebi demais, saí com a Ferrari e bati em um poste. Depois vomitei toda a porcaria que eu bebi — concluiu e se jogou no chão. — Meu bebê está no mecânico toda amassada.

Hazel riu. A Ferrari era mesmo o bebê de Ulisses.

— Antes ela que você.

— Owns, ficou preocupada comigo, coisa pequena? — ele fez um bico.

Ela apenas o encarou tediosamente, sem humor para as gracinhas do amigo.

— Poderia ter morrido. Eu te mataria se isso acontecesse!

— Mas não morri. E não vai acontecer novamente. Detesto beber como bebi ontem.

Ulisses fez uma careta infeliz. Droga de Bourbon.

— Então por que bebeu?

— Já disse que não sou do tipo que irá causar pena nas mulheres.

Ulisses deitou e cruzou os braços atrás da cabeça. Deitado no chão de seu escritório e com a camisa social aberta.

Hazel já o vira assim muitas vezes. Em algumas dessas vezes admirava o físico do amigo, mas em outras lhe parecia indiferente.

Suspirou se sentando no chão. Ela cruzou as pernas o olhando.

E seu olhar dizia tudo.

Ulisses deu risada.

— Não me olhe assim. Não irei te contar.

— Pensei que contávamos tudo um para o outro.

— Tudo. Menos isso.

Hazel cruzou os braços emburrada.

— Por que está agindo assim comigo? Te fiz algo?

— Claro que não, Haze. É que... Eu acho vergonhoso.

— Mais vergonhoso do que levar um bolo no dia do baile e acabar a noite com o nerd da escola?

Ulisses riu, ofendido.

— Está se referindo a você?

— Me conta logo o que está acontecendo!

Ele não conseguiria. Talvez sim, mas o que Hazel acharia dele?

Ulisses a olhou por alguns segundos. Os olhos dela, tão lindos, esperava ansiosa por uma resposta dele.

Um banana! Ela o achará um banana!

A opinião de Hazel sempre fora muito importante para ele.

— É que eu descobri que minha amiga vai se casar. Fiquei deprimido porque eu não me casarei tão cedo.

Deixou de lado a parte do voto.

— Está brincando?

— Não — Ulisses se sentou e apoiou um braço no joelho erguido. — Eu fiquei feliz por ela, não é isso. É que eu cansei dessa vida. Sempre quis um relacionamento, mas... Quer saber, deixa quieto.

Ulisses se levantou.

Hazel fez o mesmo.

— Espera, eu não estou te julgando. Bom, talvez um pouco. Mas é que você foi muito egoísta.

— Eu sei...

Ele se jogou na cadeira. Sabia que tinha sido um escroto, mas se sentiu infeliz. Não por Brenda, mas porque sua amiga é mimada e irritante, e mesmo assim encontrou alguém.

Depois de muito beber, Ulisses se sentiu um merda por pensar assim. E de fato era.

Ele realmente amava Brenda e estava feliz de verdade por ela. E se ele a amava, outro poderia ter conhecido o lado gentil de Brenda e aprendido a amá-la como ele.

Uma hora chegará a minha vez.

— Ei, não faz essa cara.

Ulisses levantou o rosto para ela. Que linda ela está hoje.

— Que cara estou fazendo? — perguntou sorrindo.

— Como se fosse um cara ruim. Não conto pra ninguém que ficou com inveja da sua amiga.

— Não é inveja. Sei lá, é... Indignação. Só interesseiras cruzaram o meu caminho. Fiquei chateado por ser o único a nunca cruzar o caminho com alguém legal, uma mulher de verdade. Entende, Haze?

A pergunta era real e ela percebeu nos olhos dele que Ulisses era de fato, menos cafajeste do que imaginara.

— Uma hora acontece. Olha pra mim, não estou preocupada com homens. Nem sei se quero casar.

Ulisses riu se encostando na cadeira.

— Você faz o tipo mulher sem dono mesmo.

— É... Mas quem sabe um dia. Dependendo do cara eu posso ceder um pouco.

Ela sorriu e pela segunda vez, o coração de Ulisses acelerou. Era bom estar com Hazel. 

— Você é demais. Me sinto muito melhor.

— Amigos são pra isso. E da próxima vez vá beber na minha casa. Assim você fica jogado no meu tapete e não contra um poste.

Hazel sorriu e no fim, fechou a cara como se o repreendesse.

Ulisses balançou a cabeça.

— Ok. Farei isso.

— Ótimo. Preparado para a agenda do dia?

Ulisses suspirou esfregando as mãos.

— Manda.

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