“Para viajar basta existir”
Fernando Pessoa
Era provavelmente era a noite mais fria do ano, fato incomum para aquele período do ano, era sexta-feira, véspera de ano novo. As ruas da cidade estavam movimentadas, pessoas com diversos destinos passavam por ali; um grupo de adolescentes conversando, um casal namorando, famílias passeando apesar do frio.
Em meio a todas essas pessoas, andando apressadamente, uma jovem se destacava, o vento esvoaçava seus cabelos negros como uma noite sem luar, com o andar apressado, seu sobretudo permitia ao longo dos passos uma breve visão das esbeltas pernas e do vestido vermelho escolhido para noite… Seu nome Ísis, seu destino, uma boate no centro da cidade, seria a primeira virada do ano que não passaria no hospital desde sua formatura há alguns anos.
Durante o caminho, amaldiçoava sua melhor amiga que a havia “forçado” a ir para aquela boate “É ano novo, você está de folga, vamos nos divertir, e quem sabe conhecer um gatinho?”, esse havia sido o argumento de Sara para convencê-la a ir passar a virada do ano na boate no centro da cidade, mesmo após um plantão de 24 horas no hospital.
Na entrada da boate estava Sara, sua melhor amiga quase irmã, ambas haviam crescido no orfanato de Santa Clara, na capital do estado e resolveram se mudarem para interior logo que se formaram na faculdade, Ísis em medicina e Sara em direito. Ao lado de Sara estava Ana, uma jovem do Sul que Sara conhecera na faculdade e desde então se unira a dupla, de longe era capaz de se ver a empolgação de ambas para uma noite animada e regada de muita alegria.
— Ísis! - Sara grita ao notar sua melhor amiga se aproximando. – Você demorou menina, e nossa você está linda!
— Oi! Ísis, hoje você não volta sozinha para casa – Fala Ana com um sorriso malicioso no rosto.
— Oi! Meninas, vocês também estão lindas, e Ana pode ir tirando esse sorriso do rosto, não rolará nada. - Fala Ísis – Sara ficarei somente um pouco, estou morta de cansada e ainda troquei de turno com o Harry e terei que estar no hospital amanha às 7 h.
— Sinceramente amiga, esse cara é um encostado, você está sempre trocando de plantão com ele… - Fala Sara puxando ambas para dentro da boate. - E você uma tonta que aceita sempre.
Ao entrar na boate o trio foi, direto para o bar, após a primeira rodada de bebidas, Ana e Sara foram para a pista de dança enquanto Ísis ficou no bar. Apesar de estar ali rodeado de pessoas, se sentia deslocada, até mesmo solitária. O som alto não impediu sua mente de viajar para longe, precisamente para o hospital em que trabalhava, ela não contou a Sara o verdadeiro motivo de sua troca de turno, com Harry. Apesar de um excelente profissional ele pediu que ela realizasse uma cirurgia em seu lugar, era um procedimento simples, porém delicado e exigia muita atenção, logo tinha que estar bem descansada para realizá-lo, mas sua preocupação estava no fato de Harry ter lhe pedido tal favor.
Passava das 2 h quando saiu da boate deixando Sara e Ana para trás, tinha que estar no hospital as 7 h, pois as 8 h era a cirurgia, morava na cidade vizinha a cerca de 1 h. Para estar mais descansada para o procedimento decidiu dormir na sala de descanso do hospital que ficava relativamente perto, por ser uma cidade do interior e tranquila resolveu ir andando, assim o efeito da bebida passava também.
O caminho foi feito calmamente, as ruas não estavam muito movimentadas, mas devido ao feriado também não estavam deserta. Estava quase no hospital quando uma chuva fina começa, Ísis apressa um pouco o passo a fim de chegar ao seu destino antes que a chuva ganhasse mais força.
Já estava praticamente em frente ao hospital, quando uma van invade a calçada a acertando, com a força do impacto sente seu corpo sendo arremessado e logo cai no chão. Ainda um pouco consciente, Ísis emite um leve gemido de dor, logo sente alguém mexendo em seu corpo, fazendo seu subconsciente praticamente gritar amaldiçoando o ser que a tocou, sons de cavalos é ouvido ao fundo, sua última lembrança antes de ficar inconsciente é um par de olhos negros.
“O encontro de duas personalidades assemelha-se ao contato de duas substâncias químicas: se alguma reação ocorre, ambos sofrem uma transformação.”Carl JungAno 1520Atravessando a campina se encontrava Artur Castro, Uriah Garcia e Heitor Gonçalves, três amigos e membros da realeza de grande influência, eles seguiam com destino ao palacete real, seria a primeira visita de Artur após o incidente de 25 anos atrás.— Pensativo Artur – Uriah quebra o silêncio.— Pensando no motivo de estarmos indo para vila Duarte? - Heitor comenta despreocupado.— De certa forma sim – Artur responde. - já faz 25 anos desde que Ísis fora sequestrada, me pergunto como ela está, se está viva…— Essa semana ela completaria 27 anos, certo?— Sim…— Ísis, falam da Princesa? - Heitor pergunta ao ouvir o nome. - A dama era vossa noiva Artur? - Artur apenas assente, com um leve balançar de sua cabeça. — Fomos prometidos em casamento antes mesmo de nascermos, foi uma promessa feita entre nossos pais.— A promessa
Ísis encara o jovem loiros a sua frente pensativa, reino de Ashikaga, ela já havia ouvido falar desse nome, mas onde… ela força um pouco mais a memória olhando para os cavaleiros a sua frente.— Estava em uma calçada, esperando para atravessar a rua, tinha muita gente ao meu lado esperando também, era noite eu estava indo… - para de falar de repente quando lembra que o reino Ashikaga, era o nome que se referiam no seculo XIV. - AI MEU DEUS! - grita assustando os homens que a observavam atentamente, a jovem dama leva as mãos a cabeça retirando o capuz de seu sobretudo revelando seus longos cabelos negros como luar.— Senhorita, qual seu nome? - Artur indaga estranhando toda aquela situação.— Estava indo para o hospital, uma van me atropelou… - Ísis ignora a pergunta de e começa a falar baixinho consigo mesma. Olha mais uma vez ao redor, olha para o próprio corpo, somente então nota a capa a cobrindo, ainda está com o vestido que havia ido à boate. - Não, isso não pode estar acontecendo
— Não sei, não conheci meus pais. - Afirma a jovem sem graça. - Fui abandonada na porta de um convento quando tinha 2 anos, tendo comigo apenas um cobertor com meu nome bordado – Completa como se fosse algo que não a afetasse, mas um leve ar de tristeza em seu olhar não passou despercebido por Artur que a observava atentamente.— A senhorita tem quantos anos? Quando é seu aniversário? - Uriah pergunta curioso.— Tenho 27 anos, farei 28 em dezembro e antes que me pergunte, sou médica.— Médica? - Uriah fala com espanto. - Mulheres não podem ser médicas! – Nesse momento Ísis queria se bater, com as brincadeiras com o general e a descontração da conversa, esqueceu completamente da possibilidade de ter voltado mais de 500 anos no tempo, mulheres não podiam ser médicas nessa época. - Nossa, são bem raras, nunca encontramos com uma, né, Artur. - Ísis não conseguiu disfarçar sua expressão de surpresa, afinal estava pronta para sair correndo caso eles a acusassem de bruxaria.— Nem me fale, ma
A amizade é o conforto indescritível de nos sentirmos seguros com uma pessoa, sem ser preciso pesar o que se pensa nem medir o que se diz.George EliotAo terminar de ler Ísis, olha para os cavalheiros que a encaravam com um certo ar de surpresa, até mesmo espanto, sem hesitar ela oferece o papel em suas mãos a Artur que estava a sua frente. A letra perfeitamente desenhada, a caligrafia da senhora Carol era conhecida em todos os reinos, assim como sua dona, por estar sempre ao lado da Rainha, ninguém sabia ao certo qual a sua função no palácio, mais uma coisa era certa nada ali acontecia sem que a mesma ficasse sabendo.— A senhora Carol não é vista desde o desaparecimento da princesa. - Artur comenta. - A senhorita disse que essa carta foi deixada com a senhorita no convento?— Sim, foi o que a irmã Maria me falou ao me entregar essa carta.Artur olha para os demais cavalheiros, seria verdade, a senhora Carol teria conseguido proteger a princesa? Heitor encarava Artur atentamente, ass
— Pedro - ao ouvir seu nome pronunciado calmamente por aquele que conhecia por toda sua vida, Pedro sente seus olhos encherem de água, ele teria que aceitar a verdade, sua avó se fora e ele não estava ao seu lado.— Entendo. - Fala finalmente dando um leve e triste sorriso.— Não sei ao certo quando ela faleceu ou se realmente faleceu, a única coisa que sei é que em meio a toda essa loucura foi ela me deixou em um convento com essa carta. - Ísis se sentiu na obrigação de compartilhar com aquele jovem a sua frente o que sabia, ela estende a mão para Heitor que devolve a carta para ela. - Acredito que ela deva fica com você. - finaliza entregando a carta para Pedro, que com uma leve reverência agradece.— Bom, é melhor irmos, logo anoitecerá e acredito que a princesa não esteja preparada para uma noite fria no deserto.— E não seria bom para reputação da princesa pernoitar sozinha em meio ao deserto com 5 cavaleiros. - Fala o homem mascarado.— Antes de irmos, não me recordo de ter se ap
“A alma não tem segredo que o comportamento não revele.”Lao-Tsé— ARTUR – Uriah grita, chamando atenção de todos.— O que foi agora?— Tem certeza que ela pode cavalgar vestida assim?— Sei que minhas roupas não são apropriadas, mas não temos outra opção no momento, ou por ventura o senhor teria um vestido em sua posse para me trocar? - Com uma coragem que jamais imaginara ter, Ísis responde ao Uriah.— Como ousa falar assim com um homem? – Heitor fala, mas apesar de suas palavras pesadas, seu tom era calmo, ele a estava testando, queria saber como ela reagiria e o que responderia e Ísis sabia disso. — Com a autoridade de uma princesa, mais precisamente da princesa das terras onde o Duque se encontra – antes que Ísis tivesse tempo de responder, Uriah responde ao Duque – Me desculpe alteza – se desculpa se curvando, Ísis apenas retribui com uma leve reverência.— Todos prontos, então vamos antes que a noiteça. – Fala o Homem Mascarado. Artur segue a frente do grupo, seguido por Uriah
— General Castro, General Garcia. – Um dos soldados os cumprimenta assim que se aproxima, logo depois se vira para o Duque ao qual faz uma leve reverência, mostrando respeito aristocrata. – Estávamos a espera de vossas excelências, Duque Gonçalves, sua prima já se encontra no castelo. – Fala se dirigindo ao Duque, este apenas acena em concordância. O soldado, que até então não havia direcionado o olhar aqueles que se encontravam mais atrás, finalmente os nota. Sua atenção ficou demasiado tempo sobre a Dama ali presente, afinal apesar de todos os esforços de não permitir que qualquer parte de seu corpo ficasse exposta, um sobretudo era consideravelmente justo, o que demarcava bem suas curvas. Um pigarro chama atenção do soldado, afinal ele encarava constrangedoramente cada curva de Ísis, o que incomodou aos cavaleiros ali. O soldado, assim como os demais, direciona seu olhar para o autor do pigarro, recebendo o olhar ameaçador de Enzo, sua postura muda completamente, podia se dizer qu
— Pedro, não brinca com esse coração velho… não me diga – A Imperatriz fala, observando Ísis atentamente, com um leve sinal de Enzo, Ísis entende que esse é o momento de se apresentar. Delicadamente Ísis solta a mão de Enzo, e lentamente retira o capuz do sobretudo, somente agora revelando seu rosto, sem graça e com receio que seu sobretudo abra, a tornando o personagem principal de uma cena constrangedora, ela se curva perante o casal.— Chamo-me Ísis Duarte, e sinto-me honrada de estar na presença de Vossas majestades. - O cumprimento perfeito surpreendeu não somente quem observava, mas a própria Ísis, que não fazia ideia de onde aprendera. — É você mesmo? Minha princesa voltou para casa… Olha Antony, nosso bebê cresceu… - Anna fala para o marido, se aproxima lentamente da jovem, faz menção de tocá-la, porém, a mesma se afasta, não permitindo o toque. Uma névoa de tristeza passou pelo olhar da Imperatriz, mas logo a postura séria retornou, mas tal lapso não passou despercebido por