PRÓLOGO.
Nasci amaldiçoado, condenado a carregar uma punição que não era minha. O primeiro rei supremo dos lobisomens, Julian, teve seu coração corrompido e exterminou alcateias indefesas. Foi punido por suas ações cruéis com uma maldição: transformar-se em uma besta infernal que destrói tudo ao seu redor. Desesperado, rogou à deusa Lua por misericórdia, mas tudo que conseguiu foi transferir a maldição para seus descendentes.
A intenção era dar-lhe tempo para encontrar uma solução, mas Julian não se importava com quem sofreria, contanto que não fosse ele. Sua companheira, no entanto, não suportava a ideia de seus filhos herdarem esse fardo. Recorreu à feitiçaria para poupá-los, condenando, assim, seus netos. Sou esse neto. Meu pai foi poupado, mas herdei o castigo imposto a Julian, meu avô. Quando me transformo em besta infernal, perco todo controle; o único desejo que sinto é o de sangue e destruição.
A deusa profetizou em sonho a um dos antigos anciões da nossa alcateia que a maldição só seria quebrada por uma companheira de alma. No entanto, isso não funcionou para mim. Encontrei minha companheira e continuei amaldiçoado, condenando-a a um destino trágico.
Eu, Darius, rei alfa supremo dos lobisomens, assassinei minha companheira e nosso filhote ainda em seu ventre durante uma de minhas transformações. Uma vez por mês, viro uma fera sanguinária que devasta meu reino. Meu castigo é ver aqueles que amo perecerem pelas minhas próprias mãos, impotente para detê-los.
Raiva, ódio e dor me dominam desde que matei minha companheira e nosso filho. Cada transformação é um lembrete cruel do meu fracasso. Às vezes, sinto que estou me tornando irracional, afundando cada vez mais na escuridão. No entanto, a lembrança do sorriso dela e a esperança em seus olhos me mantêm lutando pela minha alcateia. Não posso permitir que sua morte seja em vão.
Para proteger minha alcateia e aqueles que amo, mandei construir um cofre do tamanho de uma sala. Tranco-me naquele lugar a cada transformação, e as portas reforçadas só se abrem após vinte e quatro horas.
Minha alcateia, os Lobos Negros, vive em constante tensão quando o dia da minha transformação se aproxima. Meus anciões, magos e feiticeiros tentaram de tudo para encontrar uma solução, mas fracassaram. Aqueles que falharam pagaram com a vida, pois os matei sem piedade. Essa maldição me tornou frio e cruel. Mas não desistirei de buscar uma solução. A sobrevivência da minha alcateia depende disso.
Estava sentado na minha poltrona, no escritório, bebendo para tentar acalmar a agitação. O dia da próxima transformação se aproximava, e eu podia sentir a irritação crescente, o descontrole meu e de Baltazar. Era sempre assim antes de me tornar aquela monstruosidade. Não aguento mais essa vida amaldiçoada. Então senti o cheiro dos meus betas Gabriel e Giovanni no corredor, logo eles entraram.
— Supremo — saudaram ambos, curvando-se.
— O que querem? — perguntei, impaciente, querendo ficar sozinho.
— O ancião Josué pede para vê-lo com urgência. Ele alega ter novidades sobre como pôr fim à maldição, meu rei — disse Gabriel, apreensivo. Meus betas sabiam que não deviam me incomodar nesse estado. Olhei sério para eles.
— Mande esse infeliz entrar logo — ordenei. Giovanni caminhou até a porta e a abriu. O ancião Josué entrou, e eu já sentia aversão por ele.
— Majestade — disse ele, curvando-se.
— Fale logo o que descobriu — exigi, ríspido.
— Temos novidades sobre a maldição, majestade — respondeu Josué, nervoso. Levantei-me e caminhei até ele. O fedor de seu medo só aumentava.
— Diga — falei, rosnando.
— Descobrimos uma bruxa que pode ajudar — ele disse, tremendo. Olhei em seus olhos.
— Uma bruxa? — perguntei, debochado.
— Majestade, ela garante poder ajudá-lo com um feitiço… — não o deixei terminar. Agarrei-o pelo pescoço e minhas garras perfuraram sua pele.
— Um feitiço? Estou condenado devido a um feitiço, e você tem a ousadia de me dizer que essa é a solução? — gritei, apertando mais sua garganta. Ele se debateu em busca de ar, e eu sentia prazer ao ver a vida esvair-se de suas veias. Fui interrompido pela voz do meu beta Gabriel.
— Majestade, por favor, meu rei… — pediu Gabriel. Soltei Josué, que caiu tossindo. Afastei-me, permitindo que ele se recuperasse.
— Muito bem, fale — ordenei, enquanto ele se levantava.
— A bruxa Agnes disse que o alfa será liberto com uma companheira de segunda chance e pode auxiliá-lo a encontrá-la. Ela garante que há um feitiço capaz de controlar a besta infernal — contou Josué. Meu coração acelerou ao ouvir “companheira de segunda chance.”
— Você confia nessa bruxa? — perguntei.
— Majestade, acredito que vale a pena ouvi-la. Nunca foi mencionado nada sobre uma segunda companheira ser a solução, e essa bruxa afirma que é. Nós, seu povo, sofremos ao ver seu sofrimento — disse Josué, me bajulando.
— Diga onde ela está que irei até lá — ordenei.
— Sim, majestade, direi onde encontrar Agnes. Mas ela pede que vá sozinho — acrescentou Josué. Ouvi meus betas rosnarem, contrários à ideia. Mas sou um rei alfa amaldiçoado, não temo nada.
— Se ela quer me receber sozinho, não vamos desapontá-la — comentei. Se for uma armadilha, terei o prazer de matá-la lentamente.
No outro dia, cheguei ao local da morada da bruxa. A cabana de Agnes, era isolada e cercada por árvores, e bastante sombria. Ela me recebeu na porta com um sorriso, que podia notar estar carregado de segundas intenções, mas ela tentava ser acolhedora.
— Entre, rei Darius, já o esperava — disse com uma voz doce, mas dissimulada.
— Você está cometendo um erro, confiando nesse ser desprezível. Sou contra essa ideia estúpida — reclamou Baltazar em minha mente. Meu lobo sempre desconfiava de todos, especialmente de bruxas.
— Sei que é contra. Agora, fique quieto — respondi impaciente. Baltazar rosnou, contrariado. A cabana de Agnes era intrigante. O cheiro de ervas queimadas e algo doce dominava o ar.
— Esperei por você há dias. A lua está quase cheia e o momento para o feitiço se aproxima — comentou ela, insolente.
— Chega de rodeios, bruxa. Quero saber sobre minha companheira e o feitiço que me ajudará a controlar a besta — falei, impaciente. Ela inclinou a cabeça com um sorriso enigmático.
— Tudo será revelado no momento certo, mas primeiro precisamos preparar seu corpo e mente para o feitiço. Depois, te ajudarei a encontrar sua companheira — disse com uma audácia que só aumentava minha irritação. Baltazar estava inquieto. Ela serviu uma xícara de chá.
— Beba, rei Darius, isso acalmará seu espírito antes do ritual — sugeriu Agnes. Baltazar queria tomar o controle e matá-la ali mesmo.
— Calma, Baltazar, você poderá matá-la depois — comentei mentalmente. Ele riu e se acalmou.
Desesperado por uma solução, levei o chá aos lábios. O gosto era estranho, mas não pensei muito nisso. Então, tudo começou a desmoronar.
— O que havia no chá, sua m*****a? — perguntei, furioso.
POV DARIUS.— O que tinha no chá, sua maldita? — perguntei com raiva.— Não se preocupe, querido, agora você é meu. — Disse Agnes, sorrindo vitoriosa.Senti uma leve tontura e percebi o cheiro de lobos se aproximando. Rosnei de raiva e Agnes se assustou. Levantei-me, pronto para matar a todos. Agnes me olhou, com os seus olhos arregalados, e saiu correndo pela porta da cabana. Eu me levantei, ainda um pouco tonto, e saí da cabana logo atrás da bruxa, pronto para acabar com sua vida. Mas, quando cheguei na porta, só pude ver ela desaparecendo em meio à fumaça roxa e densa. Com dificuldade, fui me transformando em um lobo negro de olhos azuis, mas era tarde demais. Minha visão estava turva, e meus reflexos, lentos.Havia algo naquele chá que me impedia de lutar com toda a minha força. Maldita hora em que confiei naquela bruxa e suas promessas. Pensei, enquanto minhas mandíbulas se fechavam em torno do pescoço de um lobo marrom, quebrando-o com um estalo surdo. O gosto metálico do sangue
POV ALICE.Meu primeiro instinto foi correr. O lobo era gigantesco, mais do que eu já tinha visto em qualquer documentário ou livro. Nunca havia ouvido falar de lobos nesta região, e sabia serem perigosos. Mas… algo em mim não permitiu que eu fugisse. Talvez fosse a minha paixão por animais. Ser veterinária sempre foi o meu sonho, e ali estava, diante de mim, uma oportunidade de ajudar. Mesmo que fosse imprudente.Aproximei-me devagar. Peguei um galho ao meu lado, hesitante, e cutuquei o corpo inerte. Nenhuma reação. Ele não se mexeu. Meu coração acelerou, mas a tensão que sentia diminuiu um pouco. Me ajoelhei perto dele, sentindo o cheiro de terra e pinho preenchendo o ar ao meu redor.— Você é enorme… — murmurei, enquanto minha mão tremia ao tocar de leve seu pelo. O calor de seu corpo me chocou. Ele estava vivo, mas tão machucado que eu mal conseguia entender como ainda respirava. Uma onda de pânico me percorreu.— Você está vivo… — sussurrei, me afastando rapidamente, o coração di
POV ALICE.Toquei seu focinho frio e observei atentamente. Seus olhos continuavam fechados, sem qualquer sinal de movimento. A respiração, antes pesada, agora era quase imperceptível. Entrei em pânico.— Não, não, por favor, aguente firme! — implorei em voz baixa, tentando manter a calma. Mas o medo crescia dentro de mim. Então, percebi.— Droga, acho que ele entrou em coma… — minha voz falhou, uma mistura de desespero e impotência tomou conta de mim.Olhei para o lobo, sentindo meu coração apertar. O que eu faria agora? Ele estava à beira da morte, e eu não tinha tempo a perder. Precisava agir, mas não sabia se conseguiria salvá-lo. Apenas uma coisa era certa: eu não poderia desistir dele agora.O lobo continuava imóvel, seu peito mal se movendo. Eu podia sentir o peso da urgência esmagando meu peito. Precisava fazer algo. Mas o quê? Sou apenas uma ajudante de veterinário.Olhei em volta, tentando pensar em uma solução.O único som era minha própria respiração acelerada. Peguei o est
POV ALICE.Eu e mamãe corremos desesperadas em direção à porta do celeiro. Saímos às pressas, ofegantes e tomadas pelo pavor do rosnado que ouvimos.— Eu te disse que esse lobo ia acordar e nos atacar! O que faremos agora com um lobo selvagem dentro do nosso celeiro? — disparou minha mãe, nervosa, a voz trêmula de medo.— Calma, mamãe, eu vou resolver — falei, tentando manter a compostura, enquanto espiava pela fresta de madeira. O celeiro estava quieto, silencioso. Lá dentro, o lobo permanecia deitado, imóvel, no mesmo lugar. Senti um alívio imediato.— Ele continua parado. Acho que rosnou enquanto dormia. Vou entrar para verificar — falei, tentando soar confiante. Minha mãe agarrou meu braço, a preocupação nítida em seus olhos.— Você está louca? E se ele estiver acordado e te atacar? — murmurou, a voz baixa, temendo até mesmo o som de suas palavras.— Vou ter cuidado, prometo — comentei, acariciando a mão dela antes de entrar no celeiro. Aproximando-me do lobo, peguei um pedaço de
POV DARIUS.Eu estava me perdendo, sentindo meu corpo afundar num vazio profundo. Baltazar estava em silêncio, eu estava sozinho, desprotegido. Era como se uma sombra densa me envolvesse, me puxando para o abismo. Minha mente gritava por força, mas meu corpo estava exausto demais para continuar lutando. A dor era sufocante. Eu já havia aceitado o fim, até que… ouvi uma voz.Ela era doce, quase como um sussurro, mas cheia de medo, implorando para que eu não a deixasse. Essa voz… trazia algo mais, uma força que eu já não sabia que possuía. “Lute”, dizia ela, e por mais que parecesse impossível, algo dentro de mim reagiu. Ela me dava ânimo, esperança e, com o pouco que me restava, agarrei-me àquele som angelical e comecei a lutar.Senti, de repente, um toque suave, como o calor de um raio de sol após dias de tempestade. Era acolhedor, reconfortante. Lentamente, algo dentro de mim se reacendia. A dor ainda estava presente, mas agora eu tinha uma centelha de força. Lutei contra o peso nas
POV DARIUS.Olhei na direção da porta e uma senhora de feições gentis me encarava. Seus olhos brilhavam com uma mistura de medo e indignação ao ver essa humana tão próxima de mim, tocando-me como se eu fosse um simples animal inofensivo. Ela tinha um ar de determinação e desagrado que ficou claro. Então essa insolente se chama Alice?A idosa me olhava como se eu fosse uma ameaça iminente, pronta para atacar. Se soubesse quem eu realmente era, teria fugido apavorada. Alice, por outro lado, permaneceu imóvel. Seus olhos voltaram-se para mim antes de responder com tranquilidade:— Mãe, está tudo bem. Ele não vai me machucar — disse Alice, olhando com firmeza para a idosa. Sua voz era suave, mas segura. Então ela é mãe dessa insolente. Observei atentamente, tentando entender de onde vinha essa confiança. Eu poderia dilacerá-la em segundos, mas ela parecia não ter medo.— Não vai te machucar? — A mãe de Alice deu um passo à frente, os olhos cheios de preocupação. — Ele é uma fera selvagem,
POV ALICE.O primeiro raio de sol invadiu meu quarto através das cortinas entreabertas, aquecendo levemente meu rosto. Abri os olhos devagar, sentindo o conforto da minha cama macia. Meu quarto, embora simples, tinha tudo o que eu precisava. As paredes eram de um tom creme suave, decoradas com fotos antigas da família e quadros pintados à mão. A mobília era antiga, mas muito bem conservada, cheia de memórias. Havia uma prateleira de madeira no canto, abarrotada de livros de veterinária e algumas plantas que minha mãe insistia em cuidar para mim.Me sentei na cama e olhei em volta. Aquele lugar era mais do que um simples cômodo; era um refúgio de tranquilidade. Meu quarto refletia a simplicidade da nossa casa: aconchegante, cheio de amor, um lugar onde o tempo parecia passar mais devagar. Estiquei os braços, sentindo a leve dor nos músculos de tantas noites mal dormidas. Eu precisava descansar mais, mas não podia deixar aquele lobo sozinho.Com um suspiro, levantei e me arrumei rapidam
POV DARIUS.A voz de Baltazar era uma brisa de alívio. Meu lobo estava de volta, e o vazio que ele deixou, parecia, finalmente, preenchido. Mas algo havia mudado profundamente dentro de mim. Uma angústia diferente me apertava o peito, uma mistura de medo e alívio. Como seria agora, depois de tudo?— Baltazar… você finalmente voltou — falei, tentando controlar a felicidade que me transbordava. Eu, sem meu lobo, sou apenas uma casca, um humano inútil, perdido e incompleto. Senti uma onda de gratidão me percorrer, e parecia que Baltazar sentia o mesmo.— Parece que você sentiu minha falta — ele respondeu com sua risada familiar, vibrando dentro da minha mente como uma melodia que eu jamais queria esquecer.— Você não faz ideia do inferno que tenho passado sem você. Viver como humano é uma merda — contei, deixando minha voz trêmula revelar o que realmente sentia.— Sei o que você passou, Darius. Nós não podíamos nos comunicar, e você não podia me sentir, mas vi, ouvi e senti tudo o que vo