Capítulo 01

Alicia Pamuk

Eu vivia em um looping infinito de “e se”...

E se eu tivesse ficado naquela boate?

E se eu não tivesse obrigado Aslan a ir para casa?

E se eu não estivesse dirigindo?

E se eu não fosse uma chata que não sabe o que é se divertir?

Ver o corpo do meu irmão sem vida, em meio aos destroços do seu carro naquela noite, virou uma chave na minha cabeça e arrancou um pedaço do meu coração.

A culpa me atormentaria enquanto eu vivesse, então me tornei a Alicia que Aslan gostaria de ter como irmã, alguém que ele admiraria.

Aprendi a viver a vida da maneira que ele estava acostumado e isso foi como um anestésico para a minha dor.

Abri mão da faculdade de medicina para me dedicar integralmente à Pamuk, passei a viver os sonhos do meu irmão, porque os meus morreram naquela m*****a noite.

O silêncio ecoa pelo meu quarto enquanto eu termino minha maquiagem.

Tenho minha própria linha de cosméticos, milhões de seguidores no I*******m e sou figura carimbada em todos os eventos badalados de Nova York.

Ser herdeira da maior empresa de maquiagem dos Estados Unidos tem suas vantagens.

Olho meu reflexo no espelho da penteadeira e confirmo que o hematoma está totalmente coberto pela maquiagem, constatando que nossas bases são excelentes.

Passo os dedos no local, sentindo uma fisgada de dor instantaneamente. Não foi a primeira vez que Paul me bateu, mas eu prometi a mim mesma que foi a última.

Paul é louco, namoramos há três anos e somos o casal queridinho do público, até mesmo quando suas traições estampam todos os sites e revistas de fofoca.

Às vezes eu me pergunto o porquê de ter perdoado ele tantas e tantas vezes. Talvez pelo fato de ele ter sido o melhor amigo de infância de Aslan, que passou a adolescência e grande parte da vida adulta na Europa.

Nos reencontramos no funeral do meu irmão e não nos envolvemos imediatamente.

Iniciamos o relacionamento quando ele veio da Europa para assumir a empresa da família, família essa que é muito próxima da minha.

E meu pai achou que seria uma ótima ideia que eu e Paul nos relacionássemos, talvez eu estivesse apaixonada naquela época.

Paul era como um príncipe, fazia tudo para eu me sentir o centro das atenções, tinha algumas crises de ciúmes, mas jamais imaginaria que ele se tornaria um homem violento.

Descobri isso da pior maneira, a primeira agressão veio quando confrontei ele a respeito de uma traição, e assim começou o círculo vicioso que demorei um ano e meio para ser capaz de sair.

Todos ao meu redor me viam como uma mulher forte, alguns até temiam minha presença, sendo chamada de megera por manter pulso firme e autoridade em algumas ocasiões.

Usava uma armadura impenetrável para lidar com todos que se aproximavam, armadura que eu abri para que Paul entrasse e fizesse uma grande bagunça.

No fundo eu não passava de uma gatinha assustada, que vivia sufocada pela culpa e pela necessidade de ser alguém que meu irmão gostaria que eu fosse.

Meus pais acreditavam que eu e Paul nos casaríamos e, quando eu disse que não estávamos mais juntos, a única coisa que minha mãe fez foi me acusar mais uma vez de estragar tudo, deixando claro que eu merecia cada soco e tapa que recebi de Paul.

Ela nunca deixou de me culpar pela morte de Aslan e acredito que nunca vá deixar.

Meu irmão sempre foi o filho preferido dela e ela sempre o protegeu, nunca sendo uma mãe atenciosa quando se tratava de mim e, com o passar do tempo, eu passei a não me importar.

Meu pai fazia o seu melhor para suprir o carinho que ela não me dava, ele sempre fez questão de fazer com que eu me sentisse especial e nunca me culpou pela morte do meu irmão, mesmo eu sabendo que eu fui a culpada.

Tentar fazer dar certo com Paul era uma forma de deixar viva a lembrança de Aslan.

E por isso que, mesmo com tudo que sofri nas mãos de Paul, foi difícil deixá-lo, mesmo quando o único sentimento que eu nutria por ele era o ódio, mas tudo tem limite e, mesmo indo contra o desejo dos meus pais, eu não vou mais ser um saco de pancadas.

Ele não aceitou o fim do relacionamento, fez um belo de um escândalo, mas minha ameaça de destruí-lo perante a mídia o fez murchar e pedir milhões de desculpas, acompanhadas de promessas de mudança.

Patético.

Ajeito o terno off-white no corpo e olho meu reflexo no espelho, ensaiando um sorriso falso.

Não me lembro da última vez que sorri de verdade.

Pego a bolsa e saio do meu quarto, quase batendo de frente com minha funcionária, que segura a garrafa com suco verde.

— Olhe por onde anda, Maria . — Ajeito minha postura, segurando para não rir da cara de assustada que ela faz.

— Me desculpe, senhorita, é que achei que tinha me atrasado para trazer o suco da senhora — fala sem me encarar, apenas estendendo a garrafa.

— Você está no horário, Maria . Já pediu o meu taxi? — pergunto, pegando a garrafa.

— Sim, senhorita, ele já deve estar esperando — fala me seguindo.

— Ótimo. Acredito que amanhã eu esteja com um novo motorista. — Assinto, vestindo meu casaco.

— Espero que tenha mais sorte com esse. — Leva a mão até a boca, como se tivesse dito algo errado. — Desculpe, senhorita, isso não é da minha conta.

— Espero que esse novo motorista consiga fazer o trabalho direito — comento indo em direção à porta, Maria passa correndo por mim para abri-la. Não peço que ela faça isso, mas aparentemente seus patrões anteriores exigiam e ela já tinha se acostumado. — Terminando tudo você pode ir para casa, Maria , não precisa esperar eu voltar.

— Obrigada, senhorita. — Junta as mãos quase dando uns pulinhos.

Meu apartamento é na cobertura, o que faz com que eu fique alguns minutos no elevador, que por um milagre está vazio hoje.

Odeio pedir carros por aplicativo e o táxi é a única opção que eu tenho para minha locomoção.

Depois daquela noite eu nunca mais consegui dirigir, nem a terapia conseguiu fazer com que eu voltasse a ficar atrás do volante. Tudo bem que abandonei o tratamento no meio.

Fiquei anos com Gomes , um excelente motorista, que mesmo com a idade avançada fazia um exímio trabalho, mas ele resolveu se aposentar e ir morar na Flórida.

Desde então, há um ano, eu venho sofrendo com péssimos profissionais, o último não durou nem uma semana e ainda teve a coragem de dizer que eu fui a pior pessoa com quem ele trabalhou, só porque o infeliz não soube fazer seu trabalho direito.

Sei que não sou uma pessoa fácil, mas dizer isso já é demais.

Avisto o táxi assim que chego na portaria do prédio, então respiro fundo, torcendo para que o próximo motorista não seja um preguiçoso resmungão e que dure mais de uma semana, porque eu já não aguento mais andar de taxi.

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