Pablo Rodriguéz
Voltar a morar com os meus avós é nostálgico, mesmo com as mudanças que eles fizeram no tempo em que fiquei longe, tudo ainda cheira como na minha juventude, me causando um nó na garganta.No entanto, busco me apegar à alegria dos meus avós por eu estar ali, eles me receberam sem nenhum questionamento, como se eu não tivesse ficado todo esse tempo afastado deles, e isso faz com que eu me sinta ainda pior, sabendo o quanto eu fui cruel ao me afastar das pessoas que sempre cuidaram de mim e não tem culpa alguma da minha desgraça.Agora estou determinado a não deixar de lado as únicas pessoas que ainda me restam, talvez eu estivesse na rua uma hora dessas se Brenda não tivesse me trazido de volta.Estou de frente para o espelho do meu quarto da adolescência, tentando fazer a droga de um nó de gravata decente por insistência de Brenda, segundo ela, tenho que estar impecável para me apresentar no meu primeiro dia.Em toda minha vida nunca imaginei que terminaria como motorista de gente rica.Richard e eu tínhamos o plano de montar uma empresa de segurança privada quando deixássemos de servir.Quem sabe um dia eu consiga colocar a vida nos trilhos e possa viver algo que meu melhor amigo e eu sonhamos.— Pablo, você ainda não está pronto! — Brenda entra no quarto praticamente gritando. Morar com os meus avós também é dizer adeus a minha privacidade, Brenda age como se ela fosse a irmã mais velha. — Deixa eu te ajudar com isso. — Se aproxima, indo direto na minha gravata e quase me estrangula.— Aí, vai com calma aí — ralho.— Pablo...— Eu já sei e não vou estragar tudo. Sei que o vô e a vó precisam de mim. — Me adianto antes que ela venha com um sermão.Brenda solta uma lufada de ar e me encara.— Não quero que faça isso pelo vovô ou pela vovó, sei que eles estão felizes por você estar aqui, eu quero que faça isso por você. — Pousa a mão no meu ombro. Não consigo entender o porquê de Brenda ainda insistir tanto em mim, eu não tenho mais conserto, dois dias sem álcool e já estou enlouquecendo, a bebida era o anestésico para as feridas que eu insisto em manter abertas. — Você está com o endereço? Sabe o que fazer? — Assinto com a cabeça. — Pablo, Alicia Pamuk é uma pessoa muito importante e imagino que seja muito exigente...— E só dirigir um carro, Brenda, qualquer um pode fazer.— Se pensar assim vai acabar sendo demitido no primeiro dia. — Bufa, visivelmente irritada.Não sei quem é a tal dondoca para quem vou dirigir, e não faço questão nenhuma de saber.— Vou dar o meu melhor, zangada. — Me aproximo, apertando seu nariz e recebendo um tapa no braço.— Só faça o que ela pedir. O salário é bom, você mesmo viu. — O salário era o melhor que eu receberia desde que tinha voltado do Oriente Médio, ao menos eu vou poder ajudar meus avós e tirar um pouco da responsabilidade das costas de Brenda. — Só tente, ok? Você precisa melhorar, nós queremos ver você seguindo em frente.— Eu vou ser o melhor chofer que essa dondoca já teve, escreve aí — falo e olho o meu reflexo no espelho mais uma vez e, tirando as olheiras evidentes, a minha aparência não é das piores.— Deveria ter tirado a barba, Pablo.— Você não acha que tá pedindo demais?Brenda gargalha.— Não custa nada tentar. Vem — Puxa meu braço —, pedi um táxi para levar você.— Sabe que eu posso pegar o metrô...— E correr o risco de chegar atrasado? Quem sabe se você ficar no emprego não consegue um desconto na nova linha de maquiagem da Pamuk. — Volto a rir.Talvez estar perto de Brenda e dos meus avós seja exatamente o que eu preciso nesse momento.Manhattan não é um lugar para pessoas como eu.E agora, olhando aquela quantidade de prédios, um mais luxuoso do que o outro, eu tenho plena certeza que meu lugar não é aqui, mas eu preciso fazer dar certo, não por mim, mas por quem eu amo.Pego o pequeno pedaço de papel amassado no meu bolso, confirmando que estou no lugar certo, e olho para cima, sem conseguir ver o topo do prédio, que é o mais luxuoso de todo o conglomerado, sem dúvida alguma.Respiro fundo e me esforço ao máximo para parecer simpático ao entrar no hall, o cheiro de almíscar invade meu olfato e a decoração extremamente clara do lugar poderia me cegar.— Posso ajudá-lo, senhor? — Um homem, na faixa de quarenta anos, vestindo um terno muito bem cortado, se aproxima.— Bom dia, eu vim pela agência... — Estou mais nervoso do que esperava. — Vou ser o motorista de Alicia Pam...— Da senhorita Pamuk! — Sorri e me estende a mão, quebrando a tensão do ambiente. — Sou Roger, eles me avisaram que viria.— Pablo.— Muito prazer, vou levá-lo até a garagem, aonde irá encontrar o carro da senhorita. — Faz sinal para que eu o siga.Ele passa por dois homens com roupas iguais as dele atrás de uma espécie de balcão, que me cumprimentam com um aceno de cabeça em sinal de saudação.Não posso negar que estou nervoso, pois a cada passo que dou um arrepio me toma, talvez pela pressão que foi colocada sobre mim.— Espero que o senhor tenha mais sorte...— Pablo, pode me chamar de Pablo — afirmo, ficando desconfortável quando se refere a mim com formalidade.— Espero que tenha mais sorte do que os últimos rapazes que trabalharam para a senhorita Pamuk. — Dá um sorriso amarelo antes de abrir a porta que sinaliza que chegamos à garagem.A maneira como ele falou deu a entender que muitos motoristas já passaram pela minha posição.Pietro atravessa a porta e eu faço o mesmo, o lugar é igual a uma loja de carros de luxo, nem se eu nascesse de novo conseguiria comprar um dos veículos que estão aqui.— Essa é sua. — Me entrega um aparelho pequeno, que examino para ver do que se trata, parece uma espécie de controle. — É a chave do carro da senhorita Pamuk, aquele ali. — Aponta na direção de um SUV da Mercedes, que eu nem me arrisco a chutar qual é o modelo.— Uau! — balbucio.— Espero que você fique com o trabalho! — Sorri.— Também espero.— A senhorita Pamuk é um pouco difícil, mas é uma boa pessoa — fala de forma cortes.Agora eu tenho uma certeza, essa tal Alicia Pamuk deve ser o demônio.— Acredito que a agência tenha lhe dito que o senhor deve estar aqui todo dia nesse mesmo horário. Você pode tirar o carro e esperar por ela em frente ao prédio, acredito que ela irá te passar a agenda e os locais que o senhor deverá levá-la. — Dou um sorriso amarelo. — Bom, preciso voltar. Boa sorte, Pablo, espero vê-lo amanhã. — Estende a mão e eu prontamente a aperto, como forma de agradecê-lo.Ele é um homem simpático e gentil.Entro no carro e sinto a cabeça doer até conseguir ligar o bendito, tem um bom tempo que não dirijo e é uma péssima ideia voltar agora, com um carro como esse.— Aonde você foi me meter, Brenda?Por que alguém compra um carro como esse se não vai dirigir?Com uma certa dificuldade, saio da garagem e estaciono em frente ao prédio, depois de uma luta interna, na qual eu me questionava se esperava a minha chefe dentro ou fora do carro, acabo optando por esperar do lado de fora.O sol está começando a esquentar e eu só queria um cigarro para relaxar. Olho o relógio no meu pulso, balançando a perna em uma ansiedade que há algum tempo não sentia.Volto o olhar na direção do prédio no momento que uma mulher, que parece ter vindo de um filme da Barbie, sai pela porta.Meus olhos insistem em seguir cada movimento da estranha, que usa uma espécie de terninho na cor preta, que desenha seu corpo e contrasta com sua pele alva e seus cabelos dourados, casando com seus movimentos graciosos.Não consigo prestar muita atenção em seu rosto, que está praticamente coberto por um enorme óculos de sol, mas algo me diz que suas feições não me decepcionariam.Não presto muita atenção nas mulheres desde que perdi a que possuía meu coração, mas não vou negar que a loira que caminha com imponência e leveza chamou minha atenção.— Não é possível — balbucio ao ver que a mulher está vindo em minha direção.Alicia PamukNão tenho o costume de acordar atrasada, mas a noite mal dormida cobrou seu preço. Há anos que não durmo tão bem como deveria graças aos pesadelos que insistem em me levar novamente para o pior dia da minha vida, e a insônia é algo que eu já me acostumei, mas o problema é o que ela causa no meu corpo no dia seguinte, sendo que o mal humor faz parte do pacote.E claro que hoje não seria diferente. O fato de ignorar a terapia também contribuí para o meu descontrole emocional. Depois de anos falando sobre meus sentimentos para Ginny, minha psicóloga, resolvi parar por conta própria no momento que as sessões começaram a fazer com que eu deixasse a culpa que eu carregava pela morte de Aslan para trás e, por mais que pareça loucura, eu não quero me livrar dela.— A senhorita tem certeza que não quer comer nada? — Maria pergunta, estalando os dedos na frente do meu rosto.— Tenho, Maria , não estou com fome — respondo, conferindo o celular.— Nem o suco verde? — pergunta, faze
Pablo RodriguézQuase atropelar um adolescente não era algo que eu planejava para o meu primeiro dia de trabalho, já não bastava eu custar a dirigir o bendito do carro que mais parecia uma nave espacial e, ainda por cima, ter que lidar com essa mulher, que aparentemente não gostou nem um pouco de eu não ter aberto a porta do carro para ela entrar assim que a vi.Me lembro das palavras de Pietro, tendo a confirmação que ela não é uma pessoa fácil de agradar e nem um pouco simpática. Está óbvio que ela é o tipo de mulher que ama ver as pessoas lambendo o chão que ela pisa e não, eu não seria esse tipo de idiota. Mesmo precisando do dinheiro que esse trabalho me paga, eu não vou me sujeitar a ser capacho do projeto de Barbie de nariz empinado, e que nariz bonito, a filha da mãe é um espetáculo, senti até mesmo um frio na barriga quando vi seus olhos Azuis hipnotizantes, mas aparentemente a beleza surreal que ela ostenta não se assemelha ao que ela é por dentro.O que tem de errado com
Pablo RodriguézEstava quase cochilando tamanho o meu tédio, mas o que eu estava esperando, eu era motorista de uma riquinha mimada e claro que não teria emoção alguma nisso. Se bem que aguentar alguém arrogante como ela aparentemente não é a coisa mais fácil do mundo. Me levanto da poltrona e começo a andar ao redor, olhando a decoração horrorosa do lugar, nunca entendi o mal gosto dos ricos.Até aonde eu sei, Pamuk é uma fabricante de cosméticos ou algo do tipo, com filiais pelo mundo todo. Sei pelo que Brenda me falou, afinal, eu odeio mídia e redes sociais, mas minha irmã está um tanto deslumbrada pelo meu novo martírio, quer dizer, emprego. Acho que ela sequer imagina que minha adorável chefe respira arrogância.E não seria eu a dizer a ela, Brenda é um dos motivos pelo qual eu ainda insistiria nesse trabalho, talvez esteja na hora de tentar ser um irmão e um neto de verdade, mesmo sendo difícil, eu preciso recuperar um pedacinho de quem eu fui um dia.— Oi. — Dou um salto, m
Alicia PamukNão consigo entender o porquê de eu ainda estar tentando manter esse motorista, depois de ser nítida a sua incompetência, talvez eu esteja seguindo o conselho de Donna e sendo mais tolerante com as pessoas, mas não vou dar mais nenhuma chance caso ele cometa qualquer outro erro. Ainda mais com ele sendo tão debochado. Reviro os olhos lembrando da expressão enigmática no rosto do meu novo motorista, algo que ao mesmo tempo que irrita, me deixa curiosa.Eu só posso estar ficando maluca.O que alguém como ele pode ter de interessante? Me recuso a aceitar que ele é um homem bonito, ele só não é feio, é um homem comum usando um terno horroroso, que eu espero que vá para o lixo assim que Simon trouxer um novo depois de tirar suas medidas. — Pablo Rivera Rodriguéz — balbucio, olhando sua ficha sobre a minha mesa.A foto pequena deixa em evidência os círculos escuross ao redor de seus olhos Azuis.Os trabalhos anteriores foram todos temporários, todos braçais, o que talvez ex
Pablo RodriguézO celular, que agora é mais um instrumento, com certeza custou um salário-mínimo. Se eles dão um celular como esse para um motorista, com toda certeza estão nadando em dinheiro. O que é de se esperar, se tratando de uma das melhores empresas de cosméticos dos Estados Unidos.Ouço os passos de Mili vindo do corredor, o som que o salto do coturno faz ao bater no chão é inconfundível. O seu modo de vestir é um pouco peculiar, comparado ao da sua chefe, enquanto Mili parece uma e-girl, nossa chefe poderia ter saído de um desfile de moda de alta costura, não que eu preste atenção nisso. Ficar na presença da garota faz tudo ser menos tedioso, ela não para de falar um segundo sequer, e tem assunto para tudo quanto é pauta. Eu já sabia quantos membros tinha sua família, como era o seu relacionamento com a namorada, seus filmes favoritos e mais uma porrada de coisas a seu respeito. O que não me incomodava, estava sendo divertido, seu bom humor e seu falatório talvez seja o
Alicia Pamuk Não sou uma chefe ruim, me preocupo com o bem-estar dos meus funcionários, todos recebem benefícios além de um salário mais do que justo, sei a importância da mão de obra de cada um deles, seja na produção, no marketing ou em vendas.Sou exigente porque preciso ser, já decepcionei meus pais o suficiente e a Pamuk é a maior lembrança de Aslan. — Entra, Alicia, e não repare na bagunça — fala abrindo a porta do seu Audi Q8.Ela tira duas pelúcias do banco para que eu me sente. Donna se casou com vinte e três anos, quando terminava a faculdade de Relações Internacionais, com Hyon Yoon. Ele era um recém-chegado nos Estados Unidos, vindo da Coreia Sul, e se conheceram durante seu estágio em uma grande empresa de tecnologia. Há três anos tiveram um casal de gêmeos, que conseguiram anular minha aversão por crianças, eu sou completamente apaixonada por Kahi e Jon ho. Hyon e Donna são meu casal preferido, sempre irei admirar o relacionamento dos dois, mas não desejo algo assim
Pablo RodriguézMantenho meu corpo inerte enquanto a dondoca permanece me olhando. Já espero o momento que ela vai abrir a boca e falar algo ácido. — Pode ir, Mili, vou pegar minha bolsa e já saio — diz indo em direção a sua sala.Mili assente com a cabeça e abre um dos armários elegantes atrás de sua mesa, tirando uma mochila preta com vários bottons coloridos. — Você sabe o que fazer, não é? — pergunta, colocando a mochila nas costas. Não sei ao que ela está se referindo especificamente, até hoje de manhã eu achava que dirigir para uma dondoca não iria ser um problema, mas depois de ver aquela tal agenda não tenho mais tanta certeza.— Claro — digo ironicamente.— Olha, eu gostei de você, então não seja demitido, por favor — pede juntando as mãos.— Está parecendo minha irmã falando — digo. — Você tem uma irmã? Não me disse nada sobre isso.— E você deu tempo para eu falar alguma coisa? — digo e ela gargalha. Ouço o barulho da porta sendo fechada e vejo Alicia sair de sua sala.
AliciaAbro o Instagram e rolo o feed, abro a câmera e tiro uma selfie para postar nos stories, sendo grata por um ótimo dia de trabalho. Logo começo a receber reacts e ignoro cada um deles, já anoiteceu. Vejo que estamos na rua do meu prédio, percebo que o meu novo motorista fez um bom trabalho, o que é o mínimo, claro. Assim que ele para o carro, me apresso em tirar o cinto. — Pode ir para casa — digo abrindo a porta, não iria esperar que ele o fizesse. Saio sem esperar por qualquer resposta e sigo caminhando rapidamente em linha reta na direção da portaria, quando sinto um aperto no meu braço junto a um puxão, que me faz virar para trás. — Que merda você pensa que está fazendo, Liv? — Paul me encara, apertando meu braço com força, seu olhar está nublado de ódio. — O que você está fazendo? — pergunto, tentando me soltar. — Por que proibiu a minha entrada no prédio? — Aperta meu braço com mais força, me fazendo gemer de dor. — Paul, não temos mais nada e eu quero você longe