Pablo Rodriguéz
Estava quase cochilando tamanho o meu tédio, mas o que eu estava esperando, eu era motorista de uma riquinha mimada e claro que não teria emoção alguma nisso.Se bem que aguentar alguém arrogante como ela aparentemente não é a coisa mais fácil do mundo.Me levanto da poltrona e começo a andar ao redor, olhando a decoração horrorosa do lugar, nunca entendi o mal gosto dos ricos.Até aonde eu sei, Pamuk é uma fabricante de cosméticos ou algo do tipo, com filiais pelo mundo todo.Sei pelo que Brenda me falou, afinal, eu odeio mídia e redes sociais, mas minha irmã está um tanto deslumbrada pelo meu novo martírio, quer dizer, emprego.Acho que ela sequer imagina que minha adorável chefe respira arrogância.E não seria eu a dizer a ela, Brenda é um dos motivos pelo qual eu ainda insistiria nesse trabalho, talvez esteja na hora de tentar ser um irmão e um neto de verdade, mesmo sendo difícil, eu preciso recuperar um pedacinho de quem eu fui um dia.— Oi. — Dou um salto, me virando abruptamente, vendo a garota que havia nos recepcionado.— Oi.— Não fomos devidamente apresentados. — Estende a mão. — Sou Mili , mas pode me chamar de Any, sou a assistente da Alicia , quer dizer, senhorita Pamuk.— Pablo Rodriguéz — falo, apertando a mão da garota que não para de falar nem para recarregar.— Ela não gosta que eu a chame de senhorita Pamuk, prefere Alicia , mas acho que não é assim para todo mundo.— Sua chefe não parece muito amigável — comento sem receio.— Ela é legal, só não faz questão que as pessoas saibam disso. — Dá de ombros, com um sorriso amarelo no rosto. Ela parece boa demais para ser o saco de pancadas da poderosa Pamuk. — Você pode ficar à vontade, acredito que vai passar a maior parte do tempo aqui comigo, na diretoria — discorre indo em direção a enorme mesa em formato de rim, repleta de papéis.— Tranquilo — respondo e puxo uma lufada de ar.— Tem uma máquina de café no andar de baixo, o expresso é maravilhoso. Você gosta de café?— Não muito — comento.Não é nada com o sabor do café, mas sim com o fato da cafeína me deixar agitado, e eu já durmo mal o suficiente.— Eu amo café — responde e com certeza ela ama, já que é perceptível sua agitação, e eu não vou julgá-la, entendo a garota, dada a chefe que temos em comum. — Eu preciso fazer umas ligações agora, para providenciar algumas coisas para você. — Vira o tablet na minha direção. — Você pode ficar parado de frente para mim? — Faço o que me é solicitado, enquanto ela parece me fotografar. — Ótimo e sem querer pedir muito ou me aproveitar de você... — Ela apoia o Ipad sobre a mesa.— Você quer que eu te traga um café? — pergunto, já imaginando qual será o seu pedido.— Isso! Pablo você é ótimo, seria o meu e o da Alicia . — O nome Alicia me faz torcer o nariz. — Ela não é muito exigente, é o mesmo que o meu. Um expresso duplo com duas gotas de xilitol. Eu passei a tomar o mesmo café que ela para não correr o risco de errar quando comecei a preparar, mas também tem chá e rosquinhas, elas são deliciosas.— Tudo bem, eu trago o seu café, garota — comento antes que ela continue o falatório.Ela é uma matraquinha, mas parece ser uma ótima pessoa e, aparentemente, não me deixaria no tédio total.— Muito obrigado, Pablo. Você é demais, algo me diz que vamos ser bons amigos. — B**e palminhas e dá saltinhos.Sorrio, balançado a cabeça, pronto para ir até o elevador e descer um andar para pegar o bendito café.Meu estômago ronca e eu penso que não seria ruim uma rosquinha, já que não comi nada antes de sair de casa.— Pode me trazer uma rosquinha com cobertura de açúcar? — pede com um sorriso amarelo.Assinto com a cabeça e entro no elevador, em questão de segundos estou no andar que Mili disse. Noto que algumas pessoas me olham e também escuto os cochichos, aparentemente eu sou a nova atração do proletariado.Vejo a placa indicando o café no final do corredor e aperto o passo, para não ter mais ninguém olhando na minha direção.Tem uma espécie de pâtisserie, com uma vasta opção de doces, salgados e cafés.— Bom dia, você é o novo motorista da vibo... da senhorita Pamuk? — fala um jovem loiro com o rosto coberto de espinhas.— Sim, vejo que as informações correm por aqui. — Rio.— O pessoal é comunicativo. — Sorri, mostrando seu aparelho ortodôntico. — Sou o Tom.— Pablo. — Olho para o espaço, que é praticamente uma pâtisserie de luxo. — Tudo isso é de graça? — pergunto apontando para a vitrine.— Sim, tudo por conta da Pamuk Cosméticos.Sem dúvida a empresa não poupa gastos, tem quase uma Starbucks dentro do prédio, tudo à disposição dos funcionários.Peço os cafés e como uma rosquinha com cobertura de caramelo enquanto aguardo meu pedido ficar pronto.Pego os copos e vou novamente em direção ao elevador, ainda mastigando e ignorando os cochichos.Mili comemorou minha chegada com uma dancinha engraçada, aparentemente ela tira um pouco do peso no ambiente com sua energia excêntrica.Volto a me sentar enquanto ela leva o café da nossa chefe e, assim que ela retorna, aparecem dois homens no escritório, que me medem dos pés à cabeça sem dizer uma palavra sequer, me olhando como se eu fosse de outro planeta, sem falar nas ofensas ao meu terno.Depois Mili escolhe um terno que os imbecis trouxeram, um que com toda certeza custa três meses do meu salário.— Pablo, uau! Você está ótimo, acho que agora a Alicia não vai ficar envergonhada.— Isso foi um elogio?— Claro que foi, amanhã eles trarão mais opções. — Se aproxima.— Precisa mesmo disso?— Claro que precisa, você é motorista de uma das maiores CEOs do país. Você precisa se vestir como tal. — Ajeita minha gravata. — Gostei de você, Pablo, quero muito que dure mais do que duas semanas.— Qual o problema dela? Como alguém tem um carro daqueles e não dirige? — verbalizo o que estava passando na minha cabeça.— Isso não...— Any, me fale que Alicia está na sala dela. — Me viro na direção da voz estridente.Uma mulher belíssima, com o tom de pele no mais bonito ébano, os cabelos longos e escuros são lisos, com uma franja caindo com charme em seu rosto, ela traja um vestido floral delicado e tira os óculos de sol lentamente do rosto, conforme me encara de cima a baixo.— Senhorita Yoon, que bom vê-la — Mili fala animada.— Que história é essa de senhorita Yoon? É Donna, só Mia.— Que bom vê-la, Mia.— Bem melhor. E você, quem é? Algum novo modelo? — pergunta me olhando.Não contenho a risada.— Ele é o Pablo, novo motorista da Alicia .— Olha só, minha amiga acertou em cheio na escolha dessa vez. — Me estende a mão. — Donna Yoon.— Pablo Rodriguéz. — Aperto a mão macia e delicada da mulher.— Boa sorte com minha amiga, ela pode ser um tanto quanto difícil. — Ela sorri e se volta para Any. — Ela está aí? — pergunta.— Sim... — Mili responde pegando o telefone.— Não precisa me anunciar, Mili — fala indo até a porta, a abrindo e entrando sem cerimônia alguma.Gostei dela.— Espe... Droga, ela sempre faz isso — bufa, se levantando e pegando algo no armário que parece uma escultura de arte moderna atrás dela.Volto meu olhar para o espelho enorme atrás das poltronas, o qual ignorei quando cheguei. O terno não ficou ruim, o que me incomoda é o fato de ter que usar algo tão caro.— Aqui. — Mili b**e com algo no meu ombro, me viro e ela me estende uma caixa. — Pega — insiste e a olho desconfiado. — Pega, você vai gostar. Eu que escolhi — comenta empolgada demais para o meu gosto.Pago a caixa e vejo se tratar de um iPhone de última geração.— Você ficou doida, garota! — Tento devolver a caixa. — Não quero isso — afirmo.— Quem não quer um iPhone desses?— Não quero isso, porque...— A Alicia pediu que eu lhe comprasse um, vieram entregar enquanto você se trocava, e não se trata de querer ou não, para trabalhar com ela você precisa de um celular, então fique feliz com o presentinho. — B**e no meu ombro.Alicia PamukNão consigo entender o porquê de eu ainda estar tentando manter esse motorista, depois de ser nítida a sua incompetência, talvez eu esteja seguindo o conselho de Donna e sendo mais tolerante com as pessoas, mas não vou dar mais nenhuma chance caso ele cometa qualquer outro erro. Ainda mais com ele sendo tão debochado. Reviro os olhos lembrando da expressão enigmática no rosto do meu novo motorista, algo que ao mesmo tempo que irrita, me deixa curiosa.Eu só posso estar ficando maluca.O que alguém como ele pode ter de interessante? Me recuso a aceitar que ele é um homem bonito, ele só não é feio, é um homem comum usando um terno horroroso, que eu espero que vá para o lixo assim que Simon trouxer um novo depois de tirar suas medidas. — Pablo Rivera Rodriguéz — balbucio, olhando sua ficha sobre a minha mesa.A foto pequena deixa em evidência os círculos escuross ao redor de seus olhos Azuis.Os trabalhos anteriores foram todos temporários, todos braçais, o que talvez ex
Pablo RodriguézO celular, que agora é mais um instrumento, com certeza custou um salário-mínimo. Se eles dão um celular como esse para um motorista, com toda certeza estão nadando em dinheiro. O que é de se esperar, se tratando de uma das melhores empresas de cosméticos dos Estados Unidos.Ouço os passos de Mili vindo do corredor, o som que o salto do coturno faz ao bater no chão é inconfundível. O seu modo de vestir é um pouco peculiar, comparado ao da sua chefe, enquanto Mili parece uma e-girl, nossa chefe poderia ter saído de um desfile de moda de alta costura, não que eu preste atenção nisso. Ficar na presença da garota faz tudo ser menos tedioso, ela não para de falar um segundo sequer, e tem assunto para tudo quanto é pauta. Eu já sabia quantos membros tinha sua família, como era o seu relacionamento com a namorada, seus filmes favoritos e mais uma porrada de coisas a seu respeito. O que não me incomodava, estava sendo divertido, seu bom humor e seu falatório talvez seja o
Alicia Pamuk Não sou uma chefe ruim, me preocupo com o bem-estar dos meus funcionários, todos recebem benefícios além de um salário mais do que justo, sei a importância da mão de obra de cada um deles, seja na produção, no marketing ou em vendas.Sou exigente porque preciso ser, já decepcionei meus pais o suficiente e a Pamuk é a maior lembrança de Aslan. — Entra, Alicia, e não repare na bagunça — fala abrindo a porta do seu Audi Q8.Ela tira duas pelúcias do banco para que eu me sente. Donna se casou com vinte e três anos, quando terminava a faculdade de Relações Internacionais, com Hyon Yoon. Ele era um recém-chegado nos Estados Unidos, vindo da Coreia Sul, e se conheceram durante seu estágio em uma grande empresa de tecnologia. Há três anos tiveram um casal de gêmeos, que conseguiram anular minha aversão por crianças, eu sou completamente apaixonada por Kahi e Jon ho. Hyon e Donna são meu casal preferido, sempre irei admirar o relacionamento dos dois, mas não desejo algo assim
Pablo RodriguézMantenho meu corpo inerte enquanto a dondoca permanece me olhando. Já espero o momento que ela vai abrir a boca e falar algo ácido. — Pode ir, Mili, vou pegar minha bolsa e já saio — diz indo em direção a sua sala.Mili assente com a cabeça e abre um dos armários elegantes atrás de sua mesa, tirando uma mochila preta com vários bottons coloridos. — Você sabe o que fazer, não é? — pergunta, colocando a mochila nas costas. Não sei ao que ela está se referindo especificamente, até hoje de manhã eu achava que dirigir para uma dondoca não iria ser um problema, mas depois de ver aquela tal agenda não tenho mais tanta certeza.— Claro — digo ironicamente.— Olha, eu gostei de você, então não seja demitido, por favor — pede juntando as mãos.— Está parecendo minha irmã falando — digo. — Você tem uma irmã? Não me disse nada sobre isso.— E você deu tempo para eu falar alguma coisa? — digo e ela gargalha. Ouço o barulho da porta sendo fechada e vejo Alicia sair de sua sala.
AliciaAbro o Instagram e rolo o feed, abro a câmera e tiro uma selfie para postar nos stories, sendo grata por um ótimo dia de trabalho. Logo começo a receber reacts e ignoro cada um deles, já anoiteceu. Vejo que estamos na rua do meu prédio, percebo que o meu novo motorista fez um bom trabalho, o que é o mínimo, claro. Assim que ele para o carro, me apresso em tirar o cinto. — Pode ir para casa — digo abrindo a porta, não iria esperar que ele o fizesse. Saio sem esperar por qualquer resposta e sigo caminhando rapidamente em linha reta na direção da portaria, quando sinto um aperto no meu braço junto a um puxão, que me faz virar para trás. — Que merda você pensa que está fazendo, Liv? — Paul me encara, apertando meu braço com força, seu olhar está nublado de ódio. — O que você está fazendo? — pergunto, tentando me soltar. — Por que proibiu a minha entrada no prédio? — Aperta meu braço com mais força, me fazendo gemer de dor. — Paul, não temos mais nada e eu quero você longe
Pablo RodriguézPor um motivo que não entendia, olhei na direção de Alicia antes de ligar o carro para ir embora, foi quando a vi acuada com aquele homem a sacudindo. Jamais ficaria quieto vendo uma mulher em uma situação como aquela, então, sem pensar duas vezes, abri o carro e fui até lá para tirar Alicia das garras daquele covarde.Não esperava que meu primeiro dia no novo emprego fosse recheado de adrenalina, também não imaginava ver Alicia praticamente sendo abusada por um cretino. Ver a forma violenta que ele puxou seus cabelos fez meu estômago embrulhar, enquanto meu corpo era acometido por um ódio fora do normal. Desde que voltei da Síria, tive alguns problemas para controlar minha fúria, fui parar em uma cela na delegacia na maioria das brigas em que entrei por passar dos limites, acabei levando alguns caras para o hospital e fui dormir na cadeia.Dando trabalho para Brenda, por ter que me tirar de lá.O medo refletido nos olhos de Alicia foi o que me impediu de quebrar al
Pablo RodriguézEstou com uma irritabilidade acima do normal, sem falar nas dores de cabeça constantes. Sei que tudo isso é derivado da abstinência, mas mesmo que isso me incomode, preciso me manter firme e dizer não às fraquezas. Meus avós e Brenda precisam de mim, e sóbrio. Outro lado ruim de estar limpo é voltar a sentir a dor que o álcool e as drogas anestesiavam.Já era sexta-feira e, por um milagre do universo, eu tinha continuado no trabalho, talvez por ter me esforçado ao máximo para não ser escorraçado por Alicia .Tinha passado por inúmeras guerras, visto cenas aterrorizantes, não esperava terminar como um motorista de gente rica, carregando inúmeras sacolas de marca, buscando café...Depois do episódio em frente ao prédio, Alicia evitou ao máximo olhar na minha direção, e eu busquei fazer o mesmo, ainda que minha curiosidade sobre quem era o cretino fosse grande, eu sabia que não era da minha conta e isso não deveria ocupar espaço na minha mente. Eu não era nada além do
Alicia PamukPassei toda a semana evitando Pablo, temendo que ele dissesse algo sobre o que aconteceu com Paul. Não que ele precisasse de uma explicação, não é como se eu me importasse com o que meu motorista pensa. A única coisa que explicaria meu incômodo é a falta de sanidade.Agora eu estou batendo o pé no chão do elevador, tentando não me ridicularizar por ter dito boa noite para meu motorista e ele não só ter ignorado, mas ainda debochado. Eu não consegui formular uma frase para responder sua prepotência.Nunca hesitei em demitir qualquer funcionário, mas agora teimava em manter o sujeito.Qual é o meu problema?É cansaço, apenas isso. A discussão com um dos fornecedores Turcaes me desgastou muito e isso não estava me deixando pensar com exatidão.Só precisava da minha banheira e de uma taça do meu melhor vinho para relaxar. Talvez uma barra de chocolate também...A claridade faz meus olhos arderem, então cubro meu rosto com o travesseiro. — Que horas são? — pergunto em voz