Capítulo 03

Alicia Pamuk

Não tenho o costume de acordar atrasada, mas a noite mal dormida cobrou seu preço.

Há anos que não durmo tão bem como deveria graças aos pesadelos que insistem em me levar novamente para o pior dia da minha vida, e a insônia é algo que eu já me acostumei, mas o problema é o que ela causa no meu corpo no dia seguinte, sendo que o mal humor faz parte do pacote.

E claro que hoje não seria diferente. O fato de ignorar a terapia também contribuí para o meu descontrole emocional.

Depois de anos falando sobre meus sentimentos para Ginny, minha psicóloga, resolvi parar por conta própria no momento que as sessões começaram a fazer com que eu deixasse a culpa que eu carregava pela morte de Aslan para trás e, por mais que pareça loucura, eu não quero me livrar dela.

— A senhorita tem certeza que não quer comer nada? — Maria pergunta, estalando os dedos na frente do meu rosto.

— Tenho, Maria , não estou com fome — respondo, conferindo o celular.

— Nem o suco verde? — pergunta, fazendo uma careta engraçada e não contenho o riso. — Aquele troço é ruim demais, não sei como a senhorita consegue.

Tenho que concordar que o suco não seja algo prazeroso de tomar, mas como sou obcecada com alimentação saudável, faço o sacrifício, sem falar que tanto minha nutricionista, quanto a personal, são tiranas.

— Maria , me chame de Alicia por favor.

Não quero formalidade na minha casa, já basta ter pessoas me bajulando o dia todo na empresa, ou em qualquer outro lugar que eu vá.

— Não acho apropriado, senhorita... — sua fala é interrompida pelo interfone. — Vou atender. — Sai em direção ao aparelho.

Acabei de receber uma mensagem de Donna, confirmando nosso almoço, fazemos questão de nos encontrar uma vez por semana, de acordo com ela para não nos afastarmos desde que ela se casou e se tornou mãe.

Ela continua sendo minha melhor amiga, talvez a única que seja de verdade, porque mesmo rodeada de pessoas, eu sei reconhecer quem realmente se importa comigo e não com o império que rejo.

— Senhorita, o motorista novo já está esperando — fala se aproximando.

— Maravilha. — Pego minha bolsa no sofá e ajeito meu terninho no corpo uma última vez.

Espero que o novo motorista seja eficiente.

— Não virei para o almoço, Maria , assim que voltar da lavanderia já pode ir para casa.

— Ah, senhorita Alicia , você é maravilhosa!

— Que bom ouvir isso, pelo menos você me acha uma boa chefe. — Dou uma risadinha lembrando do meu último motorista.

Saio do apartamento, torcendo para não encontrar ninguém no meu percurso até o carro.

Passo pela portaria cumprimentando a equipe de segurança e indo em direção a saída do prédio, pego meus óculos de sol na bolsa e o coloco em seguida.

— Tomara que eu não tenha que lidar com um puxa saco incompetente — balbucio enquanto me aproximo da saída.

— Senhorita — Pietro fala ao abrir a porta.

— Obrigada, Pietro! — falo e ele assente com um sorriso.

Procuro meu carro e o novo motorista assim que piso do lado de fora, encontro os dois a alguns metros de onde estou.

Caminho na direção do carro, aproveitando para reparar no homem próximo a ele, meu novo motorista não parece empolgado ao me ver, sua expressão fechada e sua postura deixa isso um tanto quanto nítido.

Enquanto me aproximo vejo os detalhes assimétricos do seu rosto, coberto pela barba escura que parece ser áspera, seus lábios estão serrados e os olhos, que agora posso constatar serem de um tom de Azul-claro, permanecem inexpressivos com minha proximidade.

Ele não vai me cumprimentar? Por que ele ainda não abriu a porta do carro?

— Bom dia? — minha saudação soa como uma pergunta.

Ele não está me vendo ali?

— Senhorita Pamuk? — Me olha de cima a baixo, me deixando irritada.

— A própria — uma frase recheada de ironia. Ele permanece parado. Que droga ele pensa que está fazendo? Ele é idiota ou o quê? — Vai ficar parado me olhando ou vai abrir a porta para que eu entre?

— Ah sim! Me desculpe — fala indo até a porta e a abrindo, fazendo um floreio em seguida, o que me soa irônico. — Sou Pablo, meu nome é Pablo Rodriguéz.

Então esse é o nome do engraçadinho debochado.

— Que seja, deveria estar atento a como um motorista deve se portar — falo o encarando.

— E como seria isso? — Ele não está me fazendo essa pergunta. Dou uma risada sarcástica.

— Não sou eu quem vai te ensinar a fazer seu trabalho — respondo já entrando no carro, escuto ele balbuciando algo que não consigo entender. — O que disse? — pergunto.

— Nada, senhorita, apenas pensei alto — responde me olhando torto.

Quem ele está pensando que é?

Tudo bem que não queria alguém que me bajulasse, mas isso já é demais.

— Foi o que imaginei. — Reviro os olhos. — Podemos ir, não vou me atrasar por sua causa.

— Sim, senhorita — responde fechando a porta.

Tenho plena certeza que o novo motorista não vai durar uma semana.

Sujeitinho abusado.

O cheiro de colônia barata invade o interior do carro e eu já lamento em pensamento a dor de cabeça que esse cheiro vai me causar mais tarde.

Deveria ter especificado para agência de emprego a minha sensibilidade a cheiros, para que esse tipo de inconveniente não se repetisse.

Pego meu tablet na bolsa para verificar minha agenda do dia e tento não prestar atenção no novo motorista, que parece estar com certa dificuldade em entender como o carro funciona.

Só me faltava a agência ter mandado um idiota que não sabe dirigir um carro de última geração.

O que é de se esperar, considerando os últimos motoristas que eles me enviaram, talvez esteja na hora de trocar de agência e ir para uma que trabalhe com pessoas eficientes.

Qual a dificuldade de fazer um trabalho tão simples como o de motorista?

Uma freada brusca faz meu corpo se chocar contra o cinto.

— Qual o seu problema? — grito.

— Desculpe, senhorita, mas o garoto apareceu do nada. — Aponta para um jovem segurando uma espécie de skate embaixo do braço, enquanto aponta o dedo do meio para meu motorista. — Vai se ferrar seu imbecil! — o motorista abriu o vidro e está gritando com um adolescente. — Vê se olha por onde anda, seu fedelho!

Ele é maluco ou algo do tipo, é a única coisa que explica um comportamento como esse.

Já tive motoristas incompetentes, que usavam meu carro para levar a namorada para sair, que bateram o veículo, que dormiam demais e me deixavam esperando, mas pelo menos não ficavam agindo com um maluco, quase saindo pela janela do carro para brigar com um adolescente, enquanto o carro de trás começa a buzinar.

— Você pode deixar o garoto em paz e fazer seu trabalho? — questiono irritada.

Ele fecha o vidro, dando uma lufada de ar.

Quando eu vou conseguir um motorista que não me faça ter vontade de cometer um crime?

Por sorte, já estou perto da sede da Pamuk e só passaria mais alguns minutos na presença do projeto de homem das cavernas que se diz motorista.

Será que ele tem carta? É claro que sim, Alicia . A agência é incompetente, mas não é para tanto...

Outra freada brusca.

— Meu Deus! Você aprendeu a dirigir aonde?

— Chegamos, senhorita. — Olha na minha direção, dando um sorrisinho de lado.

Olho pela janela e vejo que estou na frente da empresa.

— Tenho um estacionamento privativo — falo indicando a direção.

Ele assente com a cabeça e segue até lá, assim que estaciona, abro a porta e desço. Não vou esperar uma iniciativa do meu motorista para não me estressar mais ainda.

Se eu não estivesse tão ocupada, eu demitiria o sujeito na primeira freada brusca, mas preciso do bendito para o resto do dia e a última coisa que quero é perder tempo com táxi.

— O que faço agora? — a voz grossa surge repentinamente atrás de mim, quase me fazendo saltar de susto. Sequer tinha ouvido a sua porta fechar, muito menos os seus passos. Como alguém pode ser tão silencioso? — Assustei a senhorita? — Fica na minha frente, com um sorrisinho sarcástico no rosto.

— Não me assusto tão fácil — minto.

— Entendo. — Coça a barba. — O que eu faço agora?

— Você já trabalhou como motorista antes? — pergunto.

— Para gente rica é a primeira vez — responde e, não que eu estivesse esperando uma resposta diferente, mas me questiono como a agência está selecionado seu pessoal —, mas aprendo rápido, vou ser o melhor motorista que a senhora já teve. — Levanta a sobrancelhas.

Não é o que parece.

— Bom, vamos ver quanto tempo vai durar.

— É um desafio? — Do que ele está falando?

— Pode me acompanhar, minha secretária vai enviar para o seu telefone as informações e endereços necessários para que faça o seu trabalho — falo indo em direção à porta de entrada da Pamuk Cosméticos.

— Temos um problema — escuto ele dizer atrás de mim.

Giro nos calcanhares, me virando para trás e dando uma lufada de ar.

— Qual seria esse problema? — pergunto, tirando meus óculos de sol, e ele permanece parado, olhando fixamente para mim. — Não vai me responder? — Começo a bater o pé, tentando não olhar na sua direção.

Não posso negar que ele é um homem charmoso, talvez até bonito, e seu corpo também não é ruim, dado o fato do terno que usa ser pequeno e estar apertando seus músculos, os deixando em evidência.

E por que eu estou pensando nisso agora?

— Não tenho um telefone.

— Oi?

Ele só pode estar brincando.

— O que a senhorita ouviu, não tenho um celular.

— Quem, em pleno 2023, não tem um telefone?

— Eu? — Dá de ombros.

Respiro fundo, me perguntando que droga eu fiz de errado para ter que lidar com isso.

Por que motivo eu ainda estou insistindo em ter o idiota como motorista?

— Vou resolver isso, e também vou pedir para um alfaiate vir tirar suas medidas e trazer um terno decente para você usar.

— O que tem de errado com o meu? — pergunta baixando a cabeça e passando a mão pelo corpo.

— Você não me fez essa pergunta — bufo.

Imagine o que falariam ao ver meu motorista usando um terno dois números menor do que o seu tamanho e com um corte horroroso.

Me viro, voltando a caminhar em direção à entrada, dessa vez ouvindo os passos firmes atrás de mim.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo