Alicia Pamuk
Não tenho o costume de acordar atrasada, mas a noite mal dormida cobrou seu preço.Há anos que não durmo tão bem como deveria graças aos pesadelos que insistem em me levar novamente para o pior dia da minha vida, e a insônia é algo que eu já me acostumei, mas o problema é o que ela causa no meu corpo no dia seguinte, sendo que o mal humor faz parte do pacote.E claro que hoje não seria diferente. O fato de ignorar a terapia também contribuí para o meu descontrole emocional.Depois de anos falando sobre meus sentimentos para Ginny, minha psicóloga, resolvi parar por conta própria no momento que as sessões começaram a fazer com que eu deixasse a culpa que eu carregava pela morte de Aslan para trás e, por mais que pareça loucura, eu não quero me livrar dela.— A senhorita tem certeza que não quer comer nada? — Maria pergunta, estalando os dedos na frente do meu rosto.— Tenho, Maria , não estou com fome — respondo, conferindo o celular.— Nem o suco verde? — pergunta, fazendo uma careta engraçada e não contenho o riso. — Aquele troço é ruim demais, não sei como a senhorita consegue.Tenho que concordar que o suco não seja algo prazeroso de tomar, mas como sou obcecada com alimentação saudável, faço o sacrifício, sem falar que tanto minha nutricionista, quanto a personal, são tiranas.— Maria , me chame de Alicia por favor.Não quero formalidade na minha casa, já basta ter pessoas me bajulando o dia todo na empresa, ou em qualquer outro lugar que eu vá.— Não acho apropriado, senhorita... — sua fala é interrompida pelo interfone. — Vou atender. — Sai em direção ao aparelho.Acabei de receber uma mensagem de Donna, confirmando nosso almoço, fazemos questão de nos encontrar uma vez por semana, de acordo com ela para não nos afastarmos desde que ela se casou e se tornou mãe.Ela continua sendo minha melhor amiga, talvez a única que seja de verdade, porque mesmo rodeada de pessoas, eu sei reconhecer quem realmente se importa comigo e não com o império que rejo.— Senhorita, o motorista novo já está esperando — fala se aproximando.— Maravilha. — Pego minha bolsa no sofá e ajeito meu terninho no corpo uma última vez.Espero que o novo motorista seja eficiente.— Não virei para o almoço, Maria , assim que voltar da lavanderia já pode ir para casa.— Ah, senhorita Alicia , você é maravilhosa!— Que bom ouvir isso, pelo menos você me acha uma boa chefe. — Dou uma risadinha lembrando do meu último motorista.Saio do apartamento, torcendo para não encontrar ninguém no meu percurso até o carro.Passo pela portaria cumprimentando a equipe de segurança e indo em direção a saída do prédio, pego meus óculos de sol na bolsa e o coloco em seguida.— Tomara que eu não tenha que lidar com um puxa saco incompetente — balbucio enquanto me aproximo da saída.— Senhorita — Pietro fala ao abrir a porta.— Obrigada, Pietro! — falo e ele assente com um sorriso.Procuro meu carro e o novo motorista assim que piso do lado de fora, encontro os dois a alguns metros de onde estou.Caminho na direção do carro, aproveitando para reparar no homem próximo a ele, meu novo motorista não parece empolgado ao me ver, sua expressão fechada e sua postura deixa isso um tanto quanto nítido.Enquanto me aproximo vejo os detalhes assimétricos do seu rosto, coberto pela barba escura que parece ser áspera, seus lábios estão serrados e os olhos, que agora posso constatar serem de um tom de Azul-claro, permanecem inexpressivos com minha proximidade.Ele não vai me cumprimentar? Por que ele ainda não abriu a porta do carro?— Bom dia? — minha saudação soa como uma pergunta.Ele não está me vendo ali?— Senhorita Pamuk? — Me olha de cima a baixo, me deixando irritada.— A própria — uma frase recheada de ironia. Ele permanece parado. Que droga ele pensa que está fazendo? Ele é idiota ou o quê? — Vai ficar parado me olhando ou vai abrir a porta para que eu entre?— Ah sim! Me desculpe — fala indo até a porta e a abrindo, fazendo um floreio em seguida, o que me soa irônico. — Sou Pablo, meu nome é Pablo Rodriguéz.Então esse é o nome do engraçadinho debochado.— Que seja, deveria estar atento a como um motorista deve se portar — falo o encarando.— E como seria isso? — Ele não está me fazendo essa pergunta. Dou uma risada sarcástica.— Não sou eu quem vai te ensinar a fazer seu trabalho — respondo já entrando no carro, escuto ele balbuciando algo que não consigo entender. — O que disse? — pergunto.— Nada, senhorita, apenas pensei alto — responde me olhando torto.Quem ele está pensando que é?Tudo bem que não queria alguém que me bajulasse, mas isso já é demais.— Foi o que imaginei. — Reviro os olhos. — Podemos ir, não vou me atrasar por sua causa.— Sim, senhorita — responde fechando a porta.Tenho plena certeza que o novo motorista não vai durar uma semana.Sujeitinho abusado.O cheiro de colônia barata invade o interior do carro e eu já lamento em pensamento a dor de cabeça que esse cheiro vai me causar mais tarde.Deveria ter especificado para agência de emprego a minha sensibilidade a cheiros, para que esse tipo de inconveniente não se repetisse.Pego meu tablet na bolsa para verificar minha agenda do dia e tento não prestar atenção no novo motorista, que parece estar com certa dificuldade em entender como o carro funciona.Só me faltava a agência ter mandado um idiota que não sabe dirigir um carro de última geração.O que é de se esperar, considerando os últimos motoristas que eles me enviaram, talvez esteja na hora de trocar de agência e ir para uma que trabalhe com pessoas eficientes.Qual a dificuldade de fazer um trabalho tão simples como o de motorista?Uma freada brusca faz meu corpo se chocar contra o cinto.— Qual o seu problema? — grito.— Desculpe, senhorita, mas o garoto apareceu do nada. — Aponta para um jovem segurando uma espécie de skate embaixo do braço, enquanto aponta o dedo do meio para meu motorista. — Vai se ferrar seu imbecil! — o motorista abriu o vidro e está gritando com um adolescente. — Vê se olha por onde anda, seu fedelho!Ele é maluco ou algo do tipo, é a única coisa que explica um comportamento como esse.Já tive motoristas incompetentes, que usavam meu carro para levar a namorada para sair, que bateram o veículo, que dormiam demais e me deixavam esperando, mas pelo menos não ficavam agindo com um maluco, quase saindo pela janela do carro para brigar com um adolescente, enquanto o carro de trás começa a buzinar.— Você pode deixar o garoto em paz e fazer seu trabalho? — questiono irritada.Ele fecha o vidro, dando uma lufada de ar.Quando eu vou conseguir um motorista que não me faça ter vontade de cometer um crime?Por sorte, já estou perto da sede da Pamuk e só passaria mais alguns minutos na presença do projeto de homem das cavernas que se diz motorista.Será que ele tem carta? É claro que sim, Alicia . A agência é incompetente, mas não é para tanto...Outra freada brusca.— Meu Deus! Você aprendeu a dirigir aonde?— Chegamos, senhorita. — Olha na minha direção, dando um sorrisinho de lado.Olho pela janela e vejo que estou na frente da empresa.— Tenho um estacionamento privativo — falo indicando a direção.Ele assente com a cabeça e segue até lá, assim que estaciona, abro a porta e desço. Não vou esperar uma iniciativa do meu motorista para não me estressar mais ainda.Se eu não estivesse tão ocupada, eu demitiria o sujeito na primeira freada brusca, mas preciso do bendito para o resto do dia e a última coisa que quero é perder tempo com táxi.— O que faço agora? — a voz grossa surge repentinamente atrás de mim, quase me fazendo saltar de susto. Sequer tinha ouvido a sua porta fechar, muito menos os seus passos. Como alguém pode ser tão silencioso? — Assustei a senhorita? — Fica na minha frente, com um sorrisinho sarcástico no rosto.— Não me assusto tão fácil — minto.— Entendo. — Coça a barba. — O que eu faço agora?— Você já trabalhou como motorista antes? — pergunto.— Para gente rica é a primeira vez — responde e, não que eu estivesse esperando uma resposta diferente, mas me questiono como a agência está selecionado seu pessoal —, mas aprendo rápido, vou ser o melhor motorista que a senhora já teve. — Levanta a sobrancelhas.Não é o que parece.— Bom, vamos ver quanto tempo vai durar.— É um desafio? — Do que ele está falando?— Pode me acompanhar, minha secretária vai enviar para o seu telefone as informações e endereços necessários para que faça o seu trabalho — falo indo em direção à porta de entrada da Pamuk Cosméticos.— Temos um problema — escuto ele dizer atrás de mim.Giro nos calcanhares, me virando para trás e dando uma lufada de ar.— Qual seria esse problema? — pergunto, tirando meus óculos de sol, e ele permanece parado, olhando fixamente para mim. — Não vai me responder? — Começo a bater o pé, tentando não olhar na sua direção.Não posso negar que ele é um homem charmoso, talvez até bonito, e seu corpo também não é ruim, dado o fato do terno que usa ser pequeno e estar apertando seus músculos, os deixando em evidência.E por que eu estou pensando nisso agora?— Não tenho um telefone.— Oi?Ele só pode estar brincando.— O que a senhorita ouviu, não tenho um celular.— Quem, em pleno 2023, não tem um telefone?— Eu? — Dá de ombros.Respiro fundo, me perguntando que droga eu fiz de errado para ter que lidar com isso.Por que motivo eu ainda estou insistindo em ter o idiota como motorista?— Vou resolver isso, e também vou pedir para um alfaiate vir tirar suas medidas e trazer um terno decente para você usar.— O que tem de errado com o meu? — pergunta baixando a cabeça e passando a mão pelo corpo.— Você não me fez essa pergunta — bufo.Imagine o que falariam ao ver meu motorista usando um terno dois números menor do que o seu tamanho e com um corte horroroso.Me viro, voltando a caminhar em direção à entrada, dessa vez ouvindo os passos firmes atrás de mim.Pablo RodriguézQuase atropelar um adolescente não era algo que eu planejava para o meu primeiro dia de trabalho, já não bastava eu custar a dirigir o bendito do carro que mais parecia uma nave espacial e, ainda por cima, ter que lidar com essa mulher, que aparentemente não gostou nem um pouco de eu não ter aberto a porta do carro para ela entrar assim que a vi.Me lembro das palavras de Pietro, tendo a confirmação que ela não é uma pessoa fácil de agradar e nem um pouco simpática. Está óbvio que ela é o tipo de mulher que ama ver as pessoas lambendo o chão que ela pisa e não, eu não seria esse tipo de idiota. Mesmo precisando do dinheiro que esse trabalho me paga, eu não vou me sujeitar a ser capacho do projeto de Barbie de nariz empinado, e que nariz bonito, a filha da mãe é um espetáculo, senti até mesmo um frio na barriga quando vi seus olhos Azuis hipnotizantes, mas aparentemente a beleza surreal que ela ostenta não se assemelha ao que ela é por dentro.O que tem de errado com
Pablo RodriguézEstava quase cochilando tamanho o meu tédio, mas o que eu estava esperando, eu era motorista de uma riquinha mimada e claro que não teria emoção alguma nisso. Se bem que aguentar alguém arrogante como ela aparentemente não é a coisa mais fácil do mundo. Me levanto da poltrona e começo a andar ao redor, olhando a decoração horrorosa do lugar, nunca entendi o mal gosto dos ricos.Até aonde eu sei, Pamuk é uma fabricante de cosméticos ou algo do tipo, com filiais pelo mundo todo. Sei pelo que Brenda me falou, afinal, eu odeio mídia e redes sociais, mas minha irmã está um tanto deslumbrada pelo meu novo martírio, quer dizer, emprego. Acho que ela sequer imagina que minha adorável chefe respira arrogância.E não seria eu a dizer a ela, Brenda é um dos motivos pelo qual eu ainda insistiria nesse trabalho, talvez esteja na hora de tentar ser um irmão e um neto de verdade, mesmo sendo difícil, eu preciso recuperar um pedacinho de quem eu fui um dia.— Oi. — Dou um salto, m
Alicia PamukNão consigo entender o porquê de eu ainda estar tentando manter esse motorista, depois de ser nítida a sua incompetência, talvez eu esteja seguindo o conselho de Donna e sendo mais tolerante com as pessoas, mas não vou dar mais nenhuma chance caso ele cometa qualquer outro erro. Ainda mais com ele sendo tão debochado. Reviro os olhos lembrando da expressão enigmática no rosto do meu novo motorista, algo que ao mesmo tempo que irrita, me deixa curiosa.Eu só posso estar ficando maluca.O que alguém como ele pode ter de interessante? Me recuso a aceitar que ele é um homem bonito, ele só não é feio, é um homem comum usando um terno horroroso, que eu espero que vá para o lixo assim que Simon trouxer um novo depois de tirar suas medidas. — Pablo Rivera Rodriguéz — balbucio, olhando sua ficha sobre a minha mesa.A foto pequena deixa em evidência os círculos escuross ao redor de seus olhos Azuis.Os trabalhos anteriores foram todos temporários, todos braçais, o que talvez ex
Pablo RodriguézO celular, que agora é mais um instrumento, com certeza custou um salário-mínimo. Se eles dão um celular como esse para um motorista, com toda certeza estão nadando em dinheiro. O que é de se esperar, se tratando de uma das melhores empresas de cosméticos dos Estados Unidos.Ouço os passos de Mili vindo do corredor, o som que o salto do coturno faz ao bater no chão é inconfundível. O seu modo de vestir é um pouco peculiar, comparado ao da sua chefe, enquanto Mili parece uma e-girl, nossa chefe poderia ter saído de um desfile de moda de alta costura, não que eu preste atenção nisso. Ficar na presença da garota faz tudo ser menos tedioso, ela não para de falar um segundo sequer, e tem assunto para tudo quanto é pauta. Eu já sabia quantos membros tinha sua família, como era o seu relacionamento com a namorada, seus filmes favoritos e mais uma porrada de coisas a seu respeito. O que não me incomodava, estava sendo divertido, seu bom humor e seu falatório talvez seja o
Alicia Pamuk Não sou uma chefe ruim, me preocupo com o bem-estar dos meus funcionários, todos recebem benefícios além de um salário mais do que justo, sei a importância da mão de obra de cada um deles, seja na produção, no marketing ou em vendas.Sou exigente porque preciso ser, já decepcionei meus pais o suficiente e a Pamuk é a maior lembrança de Aslan. — Entra, Alicia, e não repare na bagunça — fala abrindo a porta do seu Audi Q8.Ela tira duas pelúcias do banco para que eu me sente. Donna se casou com vinte e três anos, quando terminava a faculdade de Relações Internacionais, com Hyon Yoon. Ele era um recém-chegado nos Estados Unidos, vindo da Coreia Sul, e se conheceram durante seu estágio em uma grande empresa de tecnologia. Há três anos tiveram um casal de gêmeos, que conseguiram anular minha aversão por crianças, eu sou completamente apaixonada por Kahi e Jon ho. Hyon e Donna são meu casal preferido, sempre irei admirar o relacionamento dos dois, mas não desejo algo assim
Pablo RodriguézMantenho meu corpo inerte enquanto a dondoca permanece me olhando. Já espero o momento que ela vai abrir a boca e falar algo ácido. — Pode ir, Mili, vou pegar minha bolsa e já saio — diz indo em direção a sua sala.Mili assente com a cabeça e abre um dos armários elegantes atrás de sua mesa, tirando uma mochila preta com vários bottons coloridos. — Você sabe o que fazer, não é? — pergunta, colocando a mochila nas costas. Não sei ao que ela está se referindo especificamente, até hoje de manhã eu achava que dirigir para uma dondoca não iria ser um problema, mas depois de ver aquela tal agenda não tenho mais tanta certeza.— Claro — digo ironicamente.— Olha, eu gostei de você, então não seja demitido, por favor — pede juntando as mãos.— Está parecendo minha irmã falando — digo. — Você tem uma irmã? Não me disse nada sobre isso.— E você deu tempo para eu falar alguma coisa? — digo e ela gargalha. Ouço o barulho da porta sendo fechada e vejo Alicia sair de sua sala.
AliciaAbro o Instagram e rolo o feed, abro a câmera e tiro uma selfie para postar nos stories, sendo grata por um ótimo dia de trabalho. Logo começo a receber reacts e ignoro cada um deles, já anoiteceu. Vejo que estamos na rua do meu prédio, percebo que o meu novo motorista fez um bom trabalho, o que é o mínimo, claro. Assim que ele para o carro, me apresso em tirar o cinto. — Pode ir para casa — digo abrindo a porta, não iria esperar que ele o fizesse. Saio sem esperar por qualquer resposta e sigo caminhando rapidamente em linha reta na direção da portaria, quando sinto um aperto no meu braço junto a um puxão, que me faz virar para trás. — Que merda você pensa que está fazendo, Liv? — Paul me encara, apertando meu braço com força, seu olhar está nublado de ódio. — O que você está fazendo? — pergunto, tentando me soltar. — Por que proibiu a minha entrada no prédio? — Aperta meu braço com mais força, me fazendo gemer de dor. — Paul, não temos mais nada e eu quero você longe
Pablo RodriguézPor um motivo que não entendia, olhei na direção de Alicia antes de ligar o carro para ir embora, foi quando a vi acuada com aquele homem a sacudindo. Jamais ficaria quieto vendo uma mulher em uma situação como aquela, então, sem pensar duas vezes, abri o carro e fui até lá para tirar Alicia das garras daquele covarde.Não esperava que meu primeiro dia no novo emprego fosse recheado de adrenalina, também não imaginava ver Alicia praticamente sendo abusada por um cretino. Ver a forma violenta que ele puxou seus cabelos fez meu estômago embrulhar, enquanto meu corpo era acometido por um ódio fora do normal. Desde que voltei da Síria, tive alguns problemas para controlar minha fúria, fui parar em uma cela na delegacia na maioria das brigas em que entrei por passar dos limites, acabei levando alguns caras para o hospital e fui dormir na cadeia.Dando trabalho para Brenda, por ter que me tirar de lá.O medo refletido nos olhos de Alicia foi o que me impediu de quebrar al