Elena não conseguia tirar as palavras da carta da cabeça. "As sombras estão mais próximas do que você pensa. Cuidado em quem confia." Aquilo parecia um aviso claro, mas a quem estava direcionado? Para sua vida pessoal? Seus poucos amigos na faculdade? Ou talvez, e mais perturbador, para os três irmãos que moravam no andar de baixo? De qualquer maneira, Elena sabia que não podia ignorar aquela mensagem. Sentia que cada detalhe ao seu redor estava repleto de segredos, e era como se o passado estivesse à espreita, pronto para explodir.
Era uma manhã fria e cinzenta, e Elena decidiu ir para a faculdade mais cedo do que de costume. Talvez um pouco de ar fresco a ajudasse a organizar seus pensamentos. Saiu de casa com passos rápidos, como se estivesse tentando fugir do próprio apartamento, daquelas paredes que pareciam sufocá-la com memórias e incertezas. À medida que caminhava pelos corredores escuros do prédio, sua mente vagava. Estava inquieta, incapaz de afastar a sensação de que estava sendo observada. A cada passo, sentia os olhos dos moradores a seguirem. Era um prédio antigo, sem muita luz, com janelas pequenas e mal conservadas, o que contribuía para o ar opressivo que dominava o lugar. Foi então que, no caminho para a saída, ela viu Theo pela primeira vez naquele dia. Ele estava parado perto do elevador, de costas para ela, conversando baixo com alguém ao telefone. Ela tentou passar despercebida, mas seus passos ecoaram pelo corredor vazio. — Bom dia, Elena — disse ele, virando-se lentamente, ainda segurando o telefone, mas com um sorriso discreto nos lábios. Havia algo em seu olhar que sempre a deixava desconfortável, como se ele soubesse mais do que demonstrava. — Ah... bom dia, Theo — respondeu ela, hesitante. Tentou manter a compostura, mas não pôde evitar sentir um arrepio ao perceber que ele a estava observando atentamente. Theo era o mais novo dos três irmãos italianos. Tinha uma aura misteriosa, com seus olhos profundos e escuros que pareciam sempre analisá-la, como se estivesse decifrando seus pensamentos. Apesar da aparência tranquila, havia algo nele que a deixava em alerta. Suas palavras eram sempre medidas, e seus gestos, sutis, como se estivesse constantemente em um jogo mental que ela desconhecia. — Está indo para a faculdade, imagino — ele comentou, ainda sorrindo. — Esses dias têm sido longos, não? Elena assentiu, sem saber como responder. Não queria prolongar a conversa, mas também não queria parecer rude. Havia algo nos três irmãos que sempre a deixava inquieta. Mateo, Felipo e Theo viviam no prédio há alguns meses, mas desde sua chegada, Elena sentia uma tensão no ar. Eles eram discretos, raramente interagiam com os outros moradores, mas a forma como seus caminhos se cruzavam com o de Elena parecia sempre mais do que uma simples coincidência. — Sim, os dias estão corridos — respondeu, tentando ser vaga. — E você, algum plano para hoje? Theo deu um passo em sua direção, diminuindo a distância entre eles. Seu sorriso se alargou levemente, mas seus olhos continuavam intensos. — Talvez — disse ele, enigmático. — Temos muito trabalho. A propósito, você recebeu alguma correspondência interessante ultimamente? A pergunta a pegou de surpresa. O que ele queria dizer com aquilo? Seria possível que ele soubesse da carta? — Correspondência? — repetiu ela, forçando-se a parecer indiferente. — Não, nada de mais... só coisas normais. Contas, essas coisas. Theo manteve o olhar fixo nela por mais um instante, como se estivesse pesando suas palavras. — Entendo — murmurou ele, finalmente se afastando um pouco. — Bem, tenha um bom dia, Elena. E, por favor, se precisar de algo, não hesite em nos procurar. Estamos sempre por aqui. Ela apenas assentiu, desconfortável, e apressou-se a sair do prédio. O ar frio da manhã a envolveu imediatamente, mas não ajudou a clarear sua mente. Algo não estava certo. A pergunta de Theo, o olhar penetrante, a maneira como ele parecia saber algo sobre as cartas... Tudo aquilo a deixava mais alerta. Enquanto caminhava pelas ruas até a faculdade, os pensamentos corriam em sua mente. Precisava descobrir mais sobre os três irmãos. O que eles faziam de verdade? E, mais importante, porque parecia que eles sabiam tanto sobre ela? – Ao chegar na faculdade, Elena tentou se concentrar nas aulas, mas sua mente estava longe. Estava preocupada com a carta, com Theo e com as possíveis conexões que estavam começando a se formar em sua mente. Mesmo cercada por colegas, a sensação de isolamento era esmagadora. Todos pareciam tão alheios ao que estava acontecendo em sua vida. E era isso que mais a incomodava: ela não tinha ninguém em quem confiar. Durante o intervalo, enquanto estava sentada sozinha em uma mesa no refeitório, mexendo distraidamente na comida, ouviu uma voz familiar. — Você está bem? Parece distante hoje. Elena olhou para cima e viu Clara, sua única amiga mais próxima na faculdade. Clara era uma garota extrovertida, com cabelos curtos e um jeito descontraído que a fazia parecer sempre despreocupada. Ao contrário de Elena, Clara sempre estava cercada de amigos e parecia ter uma vida social ativa. Elas tinham se conhecido no início do semestre e, aos poucos, se aproximaram, apesar das diferenças. — Ah, sim, só um pouco cansada — respondeu Elena, forçando um sorriso. Clara sentou-se ao lado dela, observando-a com atenção. — Você anda esquisita ultimamente. Desde que se mudou para aquele prédio, na verdade. Tem certeza de que está tudo bem? — perguntou Clara, com uma pitada de preocupação na voz. Elena hesitou. Poderia confiar em Clara? Ela sabia que Clara era uma boa pessoa, mas a carta avisava claramente: "Cuidado em quem confia." As palavras ecoaram em sua mente. — Está tudo bem, só estresse da faculdade — respondeu Elena, tentando afastar as preocupações de Clara. — E, bom, aquele prédio... ele é meio estranho. Tem uns vizinhos esquisitos, mas é mais perto da faculdade e o aluguel é mais em conta. — Pera, pera vizinhos esquisitos? — Clara se animou. — Isso parece interessante. Como assim esquisitos conta mais. Elena deu uma risada nervosa. Não queria se aprofundar muito no assunto, mas Clara parecia determinada a arrancar mais detalhes. — São três irmãos que moram no andar de baixo. São meio... misteriosos, acho. Nada demais, deve ser porque são italianos, só o jeito deles, só que eles fazem umas coisas que me deixam um pouco desconfiada. Clara arqueou uma sobrancelha. — Irmãos? italianos e misteriosos? Parece o começo de um filme de suspense, adorei! — brincou ela, mas havia um leve tom de curiosidade em sua voz. — Sério, você nunca me contou sobre isso. Eles são gatos pelo menos? Elena balançou a cabeça, rindo. — É, acho que sim... mas não é isso— disse se lembrando de um deles especificamente — Eles... Não sei, tem algo neles que não consigo explicar. Como se sempre soubessem mais do que aparentam. Clara a observou por um instante, antes de dar de ombros. — Talvez seja só sua imaginação, ou talvez eles sejam realmente estranhos. Mas se você acha que algo está errado, talvez devesse ficar de olho neles. Quem sabe? Pode ser que você esteja no meio de algo mais interessante do que imagina. Elena sorriu, mas no fundo sabia que Clara não tinha ideia do quão certo aquele comentário parecia. – Mais tarde, naquele mesmo dia, ao voltar para o prédio, Elena se deparou com Felipo no corredor. Ele estava saindo de seu apartamento e, ao vê-la, sorriu de forma educada. — Elena, certo? — disse ele, com seu sotaque italiano evidente. Ela confirmou com um aceno. — Eu sou Felipo. Já nos esbarramos algumas vezes, mas nunca tivemos a chance de conversar. — Sim, eu lembro. — Elena respondeu, sentindo o desconforto aumentar. — Tudo bem? Felipo inclinou a cabeça levemente, observando-a de cima a baixo de uma forma que a fez sentir-se exposta. Havia uma intensidade em seus olhos que a fez engolir em seco. — Eu diria que as coisas estão... interessantes ultimamente, não? — Ele sorriu, mas o sorriso não alcançou seus olhos. — Se precisar de algo, estamos sempre por aqui. As palavras eram quase idênticas às de Theo. Aquilo não podia ser coincidência. — Obrigada — disse ela rapidamente, desejando terminar a conversa o mais rápido possível. — Boa noite. Ela passou por Felipo, apressando-se para entrar em seu apartamento. Trancou a porta atrás de si, seu coração batendo acelerado. Algo estava acontecendo. Algo grande. E Elena sabia que, cedo ou tarde, descobriria o que estava por trás daqueles olhares misteriosos.Elena estava inquieta desde o encontro com Theo e Felipo. Eles pareciam sempre saber mais do que ela mesma suspeitava que eles soubessem. As palavras que Theo havia pronunciado, combinadas com o sorriso enigmático de Felipo, deixaram claro que algo estava acontecendo. Ela não conseguia afastar a sensação de que aqueles três irmãos tinham alguma conexão com as cartas que vinha recebendo, até porque bambina era italiano.Naquela noite, Elena não conseguiu dormir direito. A cada som no prédio, a cada ruído vindo do corredor, seu corpo se enrijecia. Sentia-se cercada por sombras, como se o próprio prédio estivesse se fechando ao seu redor. Pela primeira vez, ela considerou a ideia de que talvez estivesse mesmo em perigo. Mas quem poderia estar por trás disso? E por quê?Na manhã seguinte, aproveitando que não teria aula naquele dia durante a tarde, Elena decidiu que precisava investigar. Era impossível continuar vivendo naquela névoa de mistério sem tentar encontrar respostas. Se os irmão
O silêncio pairava pesado no ar. Elena sentia cada batida do seu coração ressoando em seus ouvidos, enquanto Mateo a observava do outro lado da sala. O mistério envolvendo os irmãos italianos parecia, de repente, estar prestes a se desdobrar. E, embora quisesse respostas, o medo de ouvir a verdade a fazia hesitar.— O que você quer dizer com "algo muito maior"? — Elena perguntou, sua voz carregada de incerteza.Mateo se inclinou para frente, seus cotovelos apoiados nos joelhos, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as palavras que diria a seguir.— Há muito tempo, sua..quer dizer a nossa, família foi envolvida em algo perigoso — começou ele, sua voz baixa e grave. — Mais especificamente, seu pai. E quando ele desapareceu da sua vida, não foi por acaso.Elena se endireitou no sofá, sentindo uma onda de adrenalina percorrer seu corpo. O que Mateo sabia sobre seu pai? Ela tinha sido criada pela mãe, que sempre lhe dissera que ele estava morto. Contudo, a carta misteriosa que recebe
Elena mal conseguia respirar. As palavras dos irmãos italianos ecoavam em sua mente, repetindo-se como um mantra de confusão e desespero. Ela sentia o peso de uma responsabilidade que nunca havia pedido ou imaginado carregar. Seu pai, um homem ausente, aparentemente a havia deixado no centro de uma tempestade perigosa. E agora, esses três estranhos, que de repente eram seus meio-irmãos, esperavam que ela confiasse neles. Mas poderia?A sala estava tomada por um silêncio tenso após a última declaração de Mateo. Os três irmãos a observavam, esperando uma reação. Mas o que eles esperavam? Que ela simplesmente aceitasse essa loucura e seguisse em frente?— Eu... não sei o que dizer — confessou Elena, sua voz mais fraca do que gostaria. — Isso é muito para processar. Primeiro, vocês dizem que meu pai está vivo, depois que ele era parte de uma organização criminosa, e agora eu sou a chave para algo que ele deixou para trás? Vocês percebem o quão insano isso soa?Mateo suspirou, passando a m
Elena não conseguia tirar os olhos dos irmãos enquanto eles examinavam a carta. Era como se o papel amarelado guardasse segredos que somente eles pudessem desvendar. A sensação de estar à mercê de algo maior do que podia compreender era esmagadora. Por mais que tentasse, não conseguia entender como sua vida havia se tornado esse emaranhado de mistérios e perigos. Tudo o que sabia era que nada mais seria como antes.Mateo, Felipo e Theo trocavam palavras rápidas em italiano, suas vozes baixas, mas carregadas de tensão e urgência. O que quer que tivessem descoberto, não seria simples. Elena se levantou e começou a andar pela sala, a ansiedade pulsando em seu corpo. Ela olhava para a janela, observando a noite cair lá fora, o silêncio do prédio só aumentando sua inquietação. Tudo parecia tão normal, tão calmo. Mas dentro de si, ela sabia que estava mergulhada em um abismo desconhecido.— Vocês já conseguiram descobrir alguma coisa? — Ela quebrou o silêncio com a voz tensa.Felipo olhou
O ar estava pesado na sala. Elena olhava para a carta, agora decifrada em parte, com o coração batendo mais forte. "Onset", o início, o ponto de partida. Seu pai havia deixado uma trilha, um enigma para ela resolver, mas a que custo? Ela estava se enredando em algo que mal compreendia, e os três irmãos, por mais que tentassem ser honestos, mantinham uma aura de mistério ao redor deles.— Então, como seguimos daqui? — Elena quebrou o silêncio, tentando não demonstrar o turbilhão de emoções que passava por sua mente.— Sabemos que "Onset" é uma pista — disse Mateo, pensativo. — Mas precisamos entender o que ele quis dizer com isso. Pode ser um lugar, um evento, ou algo que está prestes a acontecer. Temos que buscar mais pistas nas outras partes da carta.Felipo, que tinha se concentrado na carta, levantou o olhar.— Não se trata apenas do que está na carta. Também precisamos considerar o que está fora dela. Papai usava metáforas em seus escritos, e a frase "O som da noite se esconde nas
O som abafado dos saltos de Elena ecoava pelo corredor vazio, ressoando contra as paredes frias e mal iluminadas de seu prédio. Era tarde, e como de costume, o ambiente sombrio sempre a deixava com uma sensação desconfortável, como se estivesse sendo observada. Não era paranoia — ela sabia que havia algo de errado, também não era o cansaço depois de ter uma prova pela manhã e uma apresentação pela tarde, mas não conseguia identificar o quê. Os corredores do edifício pareciam compridos demais à noite, as sombras dançavam de maneira estranha, e o barulho do vento que passava pelas janelas abertas gerava um sussurro constante, quase como uma voz longínqua. Era inquietante.Ela apertou o casaco ao redor de seu corpo enquanto avançava, sentindo um calafrio subir pela espinha. "Sempre alerta", pensou consigo mesma. Essa frase havia se tornado seu mantra desde que se mudara para aquele apartamento. A vida parecia ter tomado um rumo estranho desde então. Não era apenas o prédio escuro e decad