Elena não conseguia tirar os olhos dos irmãos enquanto eles examinavam a carta. Era como se o papel amarelado guardasse segredos que somente eles pudessem desvendar. A sensação de estar à mercê de algo maior do que podia compreender era esmagadora. Por mais que tentasse, não conseguia entender como sua vida havia se tornado esse emaranhado de mistérios e perigos. Tudo o que sabia era que nada mais seria como antes.
Mateo, Felipo e Theo trocavam palavras rápidas em italiano, suas vozes baixas, mas carregadas de tensão e urgência. O que quer que tivessem descoberto, não seria simples. Elena se levantou e começou a andar pela sala, a ansiedade pulsando em seu corpo. Ela olhava para a janela, observando a noite cair lá fora, o silêncio do prédio só aumentando sua inquietação. Tudo parecia tão normal, tão calmo. Mas dentro de si, ela sabia que estava mergulhada em um abismo desconhecido. — Vocês já conseguiram descobrir alguma coisa? — Ela quebrou o silêncio com a voz tensa. Felipo olhou para ela por cima do ombro, seus olhos ligeiramente estreitos em concentração. — Não é tão simples, Elena — disse ele, voltando a atenção para o papel. — Seu pai usou uma codificação complexa. Estamos tentando identificar o padrão, mas vai demorar. — E quanto tempo vocês acham que isso pode levar? — Elena perguntou, tentando controlar a irritação que começava a borbulhar. Mateo se endireitou e olhou diretamente para ela. — Pode levar horas, dias, talvez mais. O importante é não forçar o processo. A última coisa que queremos é cometer um erro e perder uma pista importante. Elena suspirou, jogando-se no sofá. Ela sabia que não havia pressa, mas a sensação de urgência estava corroendo sua paciência. A cada minuto que passava, sentia-se mais vulnerável. E o pior de tudo era que sabia que estava sendo seguida. O carro preto que tinha visto mais cedo não saía de sua mente. Quem estava atrás dela? E o que eles fariam se a pegassem? Theo percebeu sua inquietação e se aproximou. — Sei que é difícil — ele disse, sua voz mais suave. — Mas você está segura aqui. Estamos todos envolvidos nisso agora, e não vamos deixar que nada aconteça com você. Elena o olhou, incerta se deveria acreditar ou não. Theo parecia sincero, e havia uma gentileza em seus olhos que a confortava de alguma forma. Mas uma parte de si ainda resistia. Ela havia sido enganada a vida inteira, e confiar em alguém agora parecia mais perigoso do que qualquer outra coisa. — Eu sei — ela respondeu, finalmente. — Mas ainda não consigo entender como isso tudo aconteceu. Eu não pedi para estar envolvida nesse mundo. Tudo o que eu queria era uma vida normal. Theo se sentou ao lado dela, mantendo uma distância respeitosa. — Às vezes, a vida nos arrasta para direções que não podemos controlar. Nosso pai, por mais que tenha tentado mantê-la afastada desse caos, sabia que eventualmente o passado iria alcançá-la. Ele só não sabia que seria tão cedo. Elena abaixou a cabeça, mordendo o lábio. A menção de seu pai sempre trazia uma dor incômoda. Um homem que nunca conheceu, mas cuja ausência moldou toda a sua vida. Agora, ele parecia estar em cada sombra, cada escolha que ela tinha que fazer. — O que você sabe sobre ele? — Ela perguntou, virando-se para Theo. Theo hesitou por um momento, como se ponderasse o quanto deveria contar. — Nosso pai... — ele começou devagar —, era um homem complicado. Para muitos, ele era um traidor, um inimigo. Para outros, ele era um gênio que jogava com o perigo. Ele fez muitos inimigos na Itália, em parte por causa das escolhas que fez com quem se associar. Ele estava envolvido com a máfia, mas nunca foi completamente um deles. Ele os manipulou completamente, tirou proveito da influência deles para seus próprios fins. Mas quando eles perceberam, já era tarde demais. Elena franziu o cenho. — Manipulou como? Theo suspirou, passando a mão pelos cabelos escuros. — Ele sabia segredos. Informações que podiam destruir famílias poderosas. Informações que eles pagariam caro para manter ocultas. E ele usou isso contra eles. Era uma espécie de jogo de poder. Só que, em algum ponto, o jogo saiu do controle, e ele teve que desaparecer. Foi quando ele deixou a Itália e cortou contato com todos, inclusive com você e sua mãe. Elena sentiu uma pontada no peito. Mesmo que tivesse ouvido isso antes, o peso da verdade ainda a atingia com força. Não que — Então ele nos abandonou por medo? Theo assentiu. — De certa forma, sim. Mas também foi para protegê-las. Ele sabia que, se continuasse por perto, você e sua mãe, e claro a minha também e nós três, seriamos os alvos mais fáceis. Ele queria garantir que vocês pudessem viver em paz, longe da sombra que o perseguia. Ela olhou para Theo, tentando encontrar algum consolo nessa explicação, mas tudo o que sentia era vazio. A ideia de que seu pai a deixara para trás, mesmo que fosse para protegê-la, não diminuía o sentimento de abandono que a havia acompanhado por toda a vida. Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, Mateo se aproximou com a carta na mão, um olhar decidido no rosto. — Acho que encontramos algo. Não sei exatamente o que pode significar. Elena se levantou imediatamente, sua curiosidade e apreensão crescendo. — O que é? Mateo entregou a carta para ela, apontando para uma parte específica do texto. Era uma das frases desconexas que ela lembrava de ter lido tantas vezes, mas agora, com a ajuda deles, parecia fazer mais sentido. — Veja isso — ele disse, apontando. — "O som da noite se esconde nas entrelinhas da verdade." Parece uma frase sem sentido, mas quando olhamos mais de perto, percebemos que as primeiras letras de cada palavra formam uma sequência. Elena observou com atenção e, de repente, percebeu o que ele estava dizendo. — "O-S-N-S-E-N-L-T" — ela murmurou. — Isso forma uma sigla? — Exatamente — disse Mateo, animado. — É uma sequência. E quando a organizamos teremos a resposta que procuramos. Mateo entregou os rascunhos para Theo, ele era o mais experiente e calmo em decifrar esses códigos, ele puxou uma cadeira para si e passou a ordenar as letras, e quando escreveu a resposta e a circulou afastou a folha para que os outros vissem. — Onset? — Elena franziu o cenho. — O que isso significa? — Onset é um termo técnico usado em comunicação cifrada — explicou Felipo, que se juntou à conversa. — Ele indica o início de algo, o ponto de partida. Nosso pai está nos dizendo que essa carta é apenas o começo. Há mais. Elena olhou para os três irmãos, sua mente girando com as novas informações. — Mais? — ela perguntou, sentindo um misto de medo e excitação. — Como assim, mais? Mateo assentiu. — Esta carta é apenas a primeira pista. Agora sabemos que estamos no caminho certo, mas ainda não chegamos ao ponto principal. Precisamos continuar procurando. Papai nos deixou um quebra-cabeça para resolver, Elena, e estamos apenas começando. O estômago de Elena se revirou. Por um lado, estava aliviada por finalmente ter alguma direção. Por outro, sabia que isso a colocava ainda mais profundamente nesse jogo perigoso. Mas agora não havia mais como voltar atrás. — Então, qual é o próximo passo? — ela perguntou, sua voz firme, mas com um tremor subjacente. Theo sorriu levemente. — O próximo passo é continuar seguindo as pistas. E dessa vez, não estará sozinha. Você tem a nós. Elena olhou para ele, absorvendo suas palavras. Pela primeira vez, sentiu uma leve centelha de esperança. Mas ao mesmo tempo, o medo do desconhecido ainda a envolvia como uma sombra, lembrando-a de que o que estava por vir poderia ser mais sombrio e perigoso do que ela jamais imaginara.O ar estava pesado na sala. Elena olhava para a carta, agora decifrada em parte, com o coração batendo mais forte. "Onset", o início, o ponto de partida. Seu pai havia deixado uma trilha, um enigma para ela resolver, mas a que custo? Ela estava se enredando em algo que mal compreendia, e os três irmãos, por mais que tentassem ser honestos, mantinham uma aura de mistério ao redor deles.— Então, como seguimos daqui? — Elena quebrou o silêncio, tentando não demonstrar o turbilhão de emoções que passava por sua mente.— Sabemos que "Onset" é uma pista — disse Mateo, pensativo. — Mas precisamos entender o que ele quis dizer com isso. Pode ser um lugar, um evento, ou algo que está prestes a acontecer. Temos que buscar mais pistas nas outras partes da carta.Felipo, que tinha se concentrado na carta, levantou o olhar.— Não se trata apenas do que está na carta. Também precisamos considerar o que está fora dela. Papai usava metáforas em seus escritos, e a frase "O som da noite se esconde nas
A adrenalina pulsava nas veias de Elena enquanto ela, Theo, Mateo e Felipo se afastavam rapidamente do prédio. O vento da noite fria chicoteava seu rosto, mas sua mente estava muito ocupada com o pavor crescente para sentir o frio. Eles não tinham tempo a perder. Cada passo parecia ecoar no silêncio da cidade, e a sensação de que seriam alcançados não a deixava.— Temos um carro esperando — sussurrou Theo, sem parar de andar a tirando do mar de profundos pensamentos. — Mas temos que ser rápidos.Elena tentou manter a calma, mas a sensação de que algo estava terrivelmente errado a consumia. Seu telefone ainda pesava em seu bolso, as palavras da misteriosa ligação reverberando em sua mente: "Não confie em ninguém." Ela olhou para os três irmãos à sua frente, e a dúvida começou a surgir em seu coração novamente. Como ela poderia confiar neles, quando todo o seu mundo estava desmoronando em volta?Não saber quem os seguia deixava tudo pior na confusão de pensamentos que Elena estava tendo
O silêncio após o anúncio de Lorenzo parecia congelar o ar. Elena olhou em volta, o coração disparado, enquanto os dois carros pretos bloqueavam qualquer possível rota de fuga. As ruas de Roma, que até então haviam sido um cenário histórico e imponente, um sonho que Elena pensava que seria perfeito, agora pareciam uma prisão sem saída. Mateo, no banco da frente, fechou os olhos por um breve momento, claramente frustrado com a situação. Theo ao lado de Elena, permaneceu em alerta, com os olhos fixos nos carros à frente. Felipo, que até então parecia o mais calmo, estava com os punhos cerrados, pronto para o que viesse.— Não podemos ficar aqui — disse Mateo, com a voz dura, quebrando o silêncio. — Eles não vão hesitar em nos arrastar para fora e acabar com isso.Lorenzo assentiu. — Não temos escolha a não ser lutar. Vou tirar vocês daqui, mas será complicado.Antes que Lorenzo pudesse continuar, as portas dos dois carros pretos se abriram simultaneamente. Vários homens, todos vestind
Elena mal teve tempo de processar o que estava acontecendo antes de ouvir o som ensurdecedor da porta do armazém sendo arrombada. O estrondo ecoou pelas paredes desgastadas, e uma rajada de vento frio invadiu o espaço escuro, seguida pelos homens armados de Don Vitale. O coração de Elena disparou. Ela sentiu o pânico tomar conta de seus pensamentos, mas sabia que não podia se dar ao luxo de perder o controle agora.Lorenzo rapidamente se colocou entre Elena e os homens, caminhando para trás de uma pilha de caixas. Ele levantou a arma que trazia, mas mesmo assim Elena sabia que estavam em desvantagem. Eram muitos. A tensão no ar era palpável, e o silêncio que precedia o caos era ensurdecedor.— Vocês vieram longe demais — a voz do líder dos capangas ecoou, grave e cortante. Ele estava no centro do grupo, com uma postura relaxada, como se tivesse todo o tempo do mundo. — Mas realmente achavam que poderiam fugir de Don Vitale? Ele sabe de cada passo que vocês dão.Lorenzo manteve a arma a
O ar parecia ter sido sugado da noite quando Don Vitale desceu do carro, caminhando em direção a Theo e Elena. Seus passos eram lentos e deliberados, como se quisesse prolongar o momento, saboreando o medo crescente nos olhos de sua presa. Elena sentiu um calafrio percorrer sua espinha. O homem que estava diante dela, com um terno impecável e uma expressão fria, exalava uma autoridade sombria, algo que ia além do simples poder que tinha. Era como se ele estivesse jogando um jogo cujo desfecho já conhecia.Theo respirou fundo ao lado dela, seus punhos cerrados sobre o volante. Ele sabia que qualquer movimento imprudente poderia custar suas vidas. A tensão no ar era palpável, cada segundo esticando-se em uma eternidade.— Elena — Don Vitale falou, sua voz profunda e controlada, como se estivesse cumprimentando uma velha amiga. — Finalmente nos encontramos.Ela tentou manter a cabeça erguida, apesar do pavor que sentia ao vê-lo tão de perto. O pouco que ouvira sobre ele era aterrorizante
Mateo foi o primeiro a se mover. Ele guardou a arma e se aproximou do carro onde Theo e Elena ainda estavam escorados, Elena tentando absorver toda a confusão que sua vida pacata se transformou. Seu rosto estava marcado pelo cansaço e a tensão, mas ele tentou esconder a preocupação.As sirenes ficaram mais altas conforme se aproximavam, mas Elena não conseguia tirar os olhos da estrada onde Don Vitale desapareceu. As palavras dele ainda ecoavam na mente de Elena: "Você vai entender tudo." O que isso significava? E por que seu pai parecia estar no centro de tudo isso? Ela tentou reorganizar os pensamentos, mas parecia impossível diante do caos à sua volta.— Precisamos sair daqui — disse Mateo, a voz firme, mas baixa. — A polícia pode nos fazer perguntas que não queremos responder agora.Theo balançou a cabeça em concordância, mas era evidente que ele ainda estava absorvendo o que havia acontecido.— Certo — murmurou Theo. — Mas para onde vamos?Felipo, que até então havia permanecido
A pequena casa onde eles pararam era um refúgio temporário, mas Elena sentia que não importava onde estivessem, a sombra de Don Vitale os perseguiria. O peso das revelações sobre seu pai continuava a reverberar em sua mente, e a urgência de descobrir a verdade a deixava cada vez mais inquieta.Dentro da casa, Mateo e Felipo começaram a discutir estratégias, mas Elena mal conseguia prestar atenção. As paredes estreitas do lugar, combinadas com o silêncio, faziam com que ela se sentisse sufocada. Theo, percebendo o desconforto de Elena, se aproximou e sugeriu que ela desse uma volta do lado de fora para clarear a mente.Ela acenou com a cabeça, agradecida por um pouco de espaço para processar tudo. Caminhou para fora, a brisa noturna tocando seu rosto e seus pensamentos correndo soltos. As estrelas brilhavam no céu, um contraste gritante com o caos que sentia em seu interior. Ela parou a alguns metros da casa, tentando controlar a respiração e organizar as ideias. As perguntas rodopiava
A noite estava sufocante, tanto pelo calor quanto pela tensão que pairava no ar. Elena ainda sentia a presença esmagadora do homem à sua frente — seu pai. As palavras que ele acabara de proferir ecoavam em sua mente. "Você é a chave para destruir o império de Don Vitale." Mas o que isso significava, afinal? Como ela poderia ser tão crucial em uma guerra que mal entendia?Ela olhou para os três irmãos, tentando encontrar uma pista nas expressões deles. Mateo, sempre o mais cauteloso, mantinha o semblante sério, as mãos ainda firmes na arma. Felipo, já completamente impaciente e pragmático, claramente naquele momento estava em dúvida sobre o que fazer. Theo, no entanto, parecia ser o mais dividido entre os três irmãos. Elena notou como o olhar dele oscilava entre ela e o pai, como se estivesse pesando cada palavra, cada movimento.O pai de Elena deu mais um passo à frente, ainda com as mãos levantadas em um gesto de rendição, mas seu olhar estava fixo nela. Seus olhos, uma vez familiares