Eu não sabia o que fazer. O frio das correntes e o peso do destino já haviam se instalado no fundo da minha alma, e, ainda assim, eu não sabia se estava viva ou já havia morrido. Meu corpo tremia de frio, mas o que mais me queimava era a vergonha, a dor e o medo. Medo de perder tudo o que me restava, de ser calada para sempre, de ver a minha vida ser destruída pelas mãos daqueles que diziam ser minha família.
As correntes que me prendiam na cela da masmorra batiam nas pedras com um som monótono e gelado, mas nem isso conseguia abafar o som do meu coração partido, que batia com uma força insuportável. Eu sabia que não teria mais um futuro aqui. A minha alma já estava quebrada, e, ainda assim, havia uma faísca de esperança, uma pequena luz que se recusava a desaparecer. Foi então que a porta se abriu, e os passos de Wendy ecoaram pela sala escura. Ela apareceu diante de mim, como um anjo enviado para me salvar. A irmã de Damon, a minha melhor amiga, a única pessoa que ainda acreditava em mim. Seu rosto estava marcado pelo desespero, mas seus olhos estavam decididos. Ela não ia me deixar morrer. "Lyara", ela disse, com uma voz baixa, mas carregada de urgência. "Você precisa ir agora. Eu... eu não tenho muito tempo." Eu olhei para ela, tentando processar as palavras, mas tudo dentro de mim estava em um turbilhão. "O quê? Não... Wendy, não posso! Eles vão me matar! Como você pode...?" Eu não conseguia completar a frase, o nó na minha garganta me impedindo de falar. Eu estava em choque, sem conseguir aceitar o que estava acontecendo. Wendy se agachou perto de mim, seus olhos verdes brilhando com uma intensidade que eu nunca tinha visto antes. Ela parecia quase irreconhecível naquele momento, como se estivesse disposta a fazer qualquer coisa para salvar minha vida, mesmo que isso significasse trair sua própria família. "Eu não posso ficar aqui vendo você morrer, Lyara. Não posso. Você é minha irmã também, você é minha amiga. E eu vou te tirar daqui, vou te salvar, nem que tenha que arriscar tudo para isso." Ela segurou minhas mãos com firmeza, como se estivesse tentando me ancorar naquele momento de desespero. Eu sabia que ela estava certo. Wendy sempre foi a minha âncora quando eu mais precisei. Mesmo quando o mundo parecia desabar, ela sempre esteve lá. Mas agora, ela me ajudaria a fugir? Me ajudaria a abandonar tudo, meu povo, minha casa, meu futuro? Eu a olhei com os olhos cheios de lágrimas, e minha voz saiu em um sussurro carregado de dor. "Eu não posso. Eu não posso deixar tudo isso para trás. Minha família... o meu povo... como vou viver com isso?" Ela se aproximou mais, os olhos cheios de dor. "Eu entendo, Lyara. Eu sei o quanto é difícil, mas o que você quer? Ser executada como um animal, morrendo pelas mãos deles, sendo acusada de algo que você não fez? Eu não posso deixar isso acontecer. Eu não vou deixar." As palavras dela me atingiram como um soco no estômago. Eu sabia que ela tinha razão, mas o peso de tudo o que estava acontecendo me fazia vacilar. Eu havia sido criada para lutar pela minha honra, pela minha família, mas agora... tudo parecia ter se desfeito em um único segundo. Eu fechei os olhos e respirei fundo, tentando controlar as lágrimas. Quando os abri, encontrei Wendy me olhando com um olhar decidido. Ela estava certa. Eu tinha que ir. Para sobreviver, eu tinha que fugir. "Você tem razão, Wendy. Eu não posso ficar aqui. Vamos." Ela sorriu para mim, um sorriso triste, mas sincero. "Eu vou te levar para um lugar seguro, Lyara. Não se preocupe." Com a ajuda de Wendy, eu consegui me levantar. Ela me guiou até o corredor da masmorra, onde as sombras dançavam nas paredes, como espectros que nos observavam. O som de nossos passos abafados ecoava pelas pedras frias, e eu sentia o peso do que estava deixando para trás se tornar mais insuportável a cada passo. "Rápido", Wendy sussurrou, segurando minha mão. "Temos que sair antes que alguém nos veja." Saímos pela porta dos fundos, onde a noite estava mais escura do que eu jamais imaginei que seria possível. O vento gelado cortava minha pele como lâminas, e a sensação de estar fugindo de tudo o que conhecia me esmagava. Mas não havia escolha. Eu não poderia ficar. Não mais. Chegamos ao estábulo, onde meu cavalo me esperava, pronto para partir. Meu coração acelerou ao vê-lo. Ele era meu único consolo agora, minha única esperança. Wendy me ajudou a montar, suas mãos rápidas e experientes. Mas, antes que eu pudesse partir, ela se virou para mim, com os olhos cheios de lágrimas. "Você vai ficar bem, Lyara. Eu sei que vai." Eu a olhei, minha voz trêmula. "Eu não sei se vou, Wendy. Eu não sei se vou conseguir viver com isso. Eu perdi tudo. Não tenho mais nada." Ela segurou meu rosto com delicadeza, seus olhos transbordando de amor e compaixão. "Você tem a si mesma, Lyara. E vai encontrar uma maneira de seguir em frente. Eu sei que vai." Com um último suspiro, eu girei as rédeas, e o cavalo disparou para a escuridão da noite. O vento cortava meu rosto, mas eu não sentia. Tudo o que eu sentia era uma dor profunda, um vazio insuportável. O que eu estava deixando para trás? Minha casa. Meu povo. Tudo. Eu estava fugindo de tudo, deixando para trás meu passado, minha honra, meu futuro. As lágrimas começaram a cair, e eu não tentei impedi-las. Eu chorava por tudo o que estava perdendo, por tudo o que nunca mais poderia ter. Mas, ao mesmo tempo, havia uma faísca de determinação. Eu não sabia onde essa jornada me levaria, nem se eu conseguiria sobreviver, mas uma coisa eu sabia: eu não ia deixar que eles me destruíssem. Eu não ia deixar que Gael, Damon, ou qualquer um deles me fizesse engolir essa mentira. Eu lutaria, até o último suspiro. O vento uivava nos meus ouvidos, e eu seguia em frente, para o desconhecido, sem olhar para trás.Eu passei os últimos quatro anos longe da minha antiga vida, vivendo nas sombras de um passado que parecia distante, mas cujas cicatrizes ainda doíam. Depois de ser expulsa da alcatéia e forçada a viver longe dos que um dia foram minha família, encontrei abrigo em uma cidade distante. A cidade de Meridia, longe de tudo o que eu conhecia. Aqui, servi uma boa família. Embora eu fosse apenas uma serva, a casa me tratava com gentileza, e isso, de certa forma, me permitia encontrar alguma paz. Hoje, estava com minha senhora no mercado da cidade, escolhendo legumes frescos para o grande jantar que ela prepararia naquela noite. O cheiro da comida misturado ao grito dos vendedores me dava uma sensação de normalidade, algo raro nos últimos anos."Lyara, você prefere as cenouras maiores ou as mais finas?" minha senhora, a Senhora Alma, perguntou, enquanto ajustava sua capa de lã. Ela era uma mulher gentil, com cabelos dourados e olhos azuis que sempre pareciam atentos a tudo ao seu redor.“Eu.
A faca deslizava sobre a cenoura, cortando fatias finas e uniformes. O cheiro das ervas frescas se misturava ao aroma da carne cozinhando lentamente, preenchendo a cozinha com um calor confortável. O vapor subia da panela, nublando minha visão por um instante, e eu fechei os olhos, respirando fundo.Por um breve momento, esqueci tudo. O encontro com o Rei. O medo que me corroía por dentro. A vontade de sumir. Aqui, entre as panelas e os temperos, eu ainda era apenas uma serviçal. Apenas Lyara."Você tem mãos habilidosas."A voz suave de Alma me fez sobressaltar.Me virei depressa, a faca ainda na mão, e encontrei sua figura delicada parada à porta. Sua expressão era serena, mas os olhos carregavam algo mais profundo. Preocupação? Curiosidade?Engoli em seco e abaixei a faca."Senhora… Não ouvi a senhora entrar.""Você estava concentrada." Alma se aproximou, sua postura elegante e gentil como sempre. "E pensando. Consigo ver isso no seu rosto."Ela parou ao meu lado, observando meu tra
O tecido do vestido me incomodava. Não era ruim, na verdade, era até bonito—um tom discreto de azul escuro, simples, mas elegante. Mas não era meu. Não fazia parte de mim.Puxei a manga levemente, ajeitando-a enquanto me encarava no espelho do pequeno quarto. Meu reflexo parecia o de outra pessoa. Eu não estava acostumada a ver minha pele tão limpa, meu cabelo tão bem preso, sem as marcas do dia de trabalho.Suspirei.A ideia de me sentar à mesa como uma convidada me dava nos nervos. Eu deveria estar na cozinha, supervisionando o jantar, limpando pratos, servindo vinho. Era ali que eu pertencia. Mas Alma havia insistido tanto, e sua bondade comigo sempre fora tão genuína que dizer não parecia errado.O jantar seria tranquilo, eu me convenci. Os convidados eram do General Kinsley, amigos dele. Eu só precisava sorrir, comer algo e depois me retirar discretamente.Respirei fundo antes de sair do quarto. O corredor estava silencioso, apenas o eco distante das conversas no salão indicava q
O ar estava pesado, sufocante. Desde que o jantar terminara e Kael proferira aquelas palavras como uma sentença, minha mente trabalhava freneticamente. Eu não podia aceitar. Não podia simplesmente ser levada como um objeto, arrancada da única casa que conheci nos últimos anos.Meus dedos tremiam enquanto eu terminava de amarrar as botas gastas. Meus pensamentos giravam, a respiração curta, rápida. O coração martelava no peito."Eu preciso sair daqui."Alma dormia no quarto ao lado, e eu sabia que o General Kinsley ainda estava acordado, conversando com os outros convidados. O tempo era curto, mas eu tinha uma chance. Com os pés descalços para não fazer barulho, deslizei pela pequena passagem que dava para os fundos da casa. A noite estava escura, a lua escondida atrás de densas nuvens. O vento gelado cortava minha pele, mas a adrenalina me impedia de sentir qualquer desconforto."Corra."E eu corri.As ruas de pedra pareciam intermináveis sob meus pés ligeiros. Passei pelas casas sile
O silêncio dentro da carruagem era opressor. O único som audível era o trote ritmado dos cavalos no chão de pedra e a batida apressada do meu coração. Minhas mãos estavam cerradas sobre o tecido amarrotado do meu vestido, e minha respiração vinha rasa, pesada, enquanto meu olhar saltava para a janela, observando a cidade se distanciar.Eu ainda sentia o toque de Kael em meu pulso, o aperto firme que me impediu de fugir. Ainda ouvia a sua voz — um misto de diversão e autoridade — me dizendo que eu não poderia escapar dele.Eu odiava isso.Odiava o jeito como ele me olhava, como se já me possuísse. Odiava o modo como seu cheiro invadia minha mente, como se fosse uma droga viciante. Mas acima de tudo, odiava a impotência queimando dentro de mim.A carruagem sacolejou levemente quando cruzamos os portões da fortaleza, e eu me forcei a erguer o queixo, recusando-me a parecer assustada. Mas quando minha visão captou o castelo imponente à nossa frente, um frio cortante percorreu minha espinh
O castelo era sufocante. Eu já estava ali há três dias, e cada canto daquele lugar parecia mais apertado do que o último. O silêncio era absoluto nos corredores de pedra escura, e o aroma amadeirado dos móveis misturava-se com o cheiro de velas queimando. As criadas evitavam cruzar olhares comigo, apenas sussurravam entre si antes de desaparecerem por portas escondidas. Eu as invejava. Elas podiam ir e vir como quisessem. Eu não. Kael havia me trancado ali como um animal enjaulado, e, mesmo sem correntes visíveis, eu sabia que estava presa. Sempre havia guardas vigiando os corredores. Sempre havia olhares atentos ao menor movimento que eu fizesse. Eu estava sendo observada. E ele estava por perto. Eu não o via desde a noite em que chegamos, mas sentia sua presença como uma sombra persistente. Kael gostava de jogar. Gostava de me provocar sem precisar dizer uma única palavra. Então, eu fazia o mesmo. Se ele queria me desafiar, eu resistiria. Passei os últimos dias evitando qua
Eu sabia que não podia mais viver naquele castelo. Cada corredor me parecia um labirinto de armadilhas, onde o rei era o monstro à espreita, sempre observando, esperando, pronto para me devorar. Naquela noite, o castelo estava em silêncio, uma calma que mais parecia uma ilusão, um respiro momentâneo antes da tempestade. Quando a última criada passou por mim e as luzes começaram a se apagar, eu sabia que era a minha chance.Escorreguei pela porta lateral do meu quarto, tentando fazer o mínimo de barulho possível. O ar frio da noite acariciou minha pele nua, a lua iluminando o caminho diante de mim. A sensação de liberdade foi como um sopro de ar fresco nos meus pulmões, mas eu sabia que não tinha muito tempo.Antes que eu pudesse dar mais do que dois passos, uma presença familiar se fez sentir nas sombras.“Você está tentando fugir de novo, Lyara?” A voz de Kael cortou a noite como uma lâmina afiada.Congelei, o coração batendo tão rápido que mal consegui ouvir meus próprios pensamento
O castelo estava quieto demais. O som das minhas botas ecoava pelos corredores vazios enquanto eu andava, quase sem rumo, tentando entender o que havia acontecido comigo. Uma parte de mim queria gritar, correr até a casa dos Kinsley e pedir para voltar. Mas outra parte—uma parte que eu mal reconhecia—estava... diferente. Eu não sabia o que Kael tinha feito comigo. O que ele tinha... me feito sentir.Quando entrei no meu quarto, ele estava lá. De pé, com os ombros largos, a postura impassível, como sempre. Olhei para ele, sentindo meu coração disparar. Ele parecia saber exatamente o que estava acontecendo dentro de mim, o que me aterrorizava ainda mais."Você está fugindo de mim, Lyara?", ele perguntou, sua voz grave quebrando o silêncio.Eu dei um passo atrás, encarando-o com raiva. "Eu não sou sua prisioneira, Kael", falei, tentando manter a voz firme, embora minhas mãos tremessem. "Eu não quero ficar aqui, e você não pode me forçar."Kael sorriu de forma divertida, mas havia algo em