O ar estava pesado, sufocante. Desde que o jantar terminara e Kael proferira aquelas palavras como uma sentença, minha mente trabalhava freneticamente. Eu não podia aceitar. Não podia simplesmente ser levada como um objeto, arrancada da única casa que conheci nos últimos anos.
Meus dedos tremiam enquanto eu terminava de amarrar as botas gastas. Meus pensamentos giravam, a respiração curta, rápida. O coração martelava no peito. "Eu preciso sair daqui." Alma dormia no quarto ao lado, e eu sabia que o General Kinsley ainda estava acordado, conversando com os outros convidados. O tempo era curto, mas eu tinha uma chance. Com os pés descalços para não fazer barulho, deslizei pela pequena passagem que dava para os fundos da casa. A noite estava escura, a lua escondida atrás de densas nuvens. O vento gelado cortava minha pele, mas a adrenalina me impedia de sentir qualquer desconforto. "Corra." E eu corri. As ruas de pedra pareciam intermináveis sob meus pés ligeiros. Passei pelas casas silenciosas, evitando qualquer fonte de luz. Meu corpo implorava para eu desacelerar, mas o pavor de ser capturada me mantinha firme. A saída da cidade não estava longe. Se eu conseguisse passar pelos portões antes que amanhecesse, poderia desaparecer. O problema era que ele sabia disso. Assim que dobrei a última esquina antes do limite da cidade, um arrepio gelado percorreu minha espinha. O silêncio era absoluto. Um vazio estranho tomou conta do ar. Meus instintos gritaram. Algo estava errado. E então, uma voz. "Acha que pode fugir de mim tão facilmente?" Meu sangue gelou. Meus pés travaram no chão. Ali, na escuridão, encostado em um dos pilares de pedra, estava Kael. Os braços cruzados, o olhar tranquilo e, pior, divertido. Ele não parecia irritado. Não parecia surpreso. Ele esperava que eu tentasse fugir. "Não pode estar aqui." Minha voz saiu mais baixa do que eu queria. Ele descruzou os braços e deu um passo à frente, seu manto negro esvoaçando com o vento. "Eu te avisei, Lyara." O tom era calmo, quase gentil, mas carregado de um peso inegável. "Você é minha agora. Não há para onde correr." Engoli em seco. "Eu não sou sua." Kael suspirou, balançando a cabeça. "Ainda acha que tem escolha?" Minha mandíbula se contraiu. A raiva fervia em meu peito, misturada com o medo sufocante. "Eu prefiro morrer a ser levada por você." Algo nos olhos dele mudou. A diversão desapareceu por um breve instante, substituída por algo que não consegui decifrar. "Não diga isso." A voz dele saiu baixa, sombria. "Por quê? Porque o grande Rei Kael não aceita que alguém o rejeite?" Cuspi as palavras, dando um passo para trás. Kael não se moveu de imediato. Ele apenas me observou, os olhos escuros analisando cada detalhe meu. Então, sem aviso, ele se moveu. Rápido. Antes que eu pudesse reagir, ele já estava à minha frente. Senti o impacto quente de seu corpo quando fui puxada contra ele, um braço firme me prendendo pela cintura. "Solte-me!" Tentei me debater, mas era inútil. O cheiro dele — uma mistura de terra, madeira e algo mais que não consegui identificar — invadiu meus sentidos. "Você realmente acha que pode fugir de mim, Lyara?" A voz dele era baixa, quase um sussurro em meu ouvido. Minha respiração estava descompassada. Meu coração parecia querer explodir. "Por que está fazendo isso?" Minha voz saiu mais fraca do que eu gostaria. Kael não respondeu de imediato. Seus dedos apertaram um pouco mais em minha cintura antes de soltarem a pressão. Então, ele me virou para encará-lo. Seus olhos estavam sombrios, intensos. "Porque você me pertence." O choque percorreu meu corpo como uma onda elétrica. Minhas mãos se fecharam em punhos. "Eu não sou uma posse, Kael!" Um sorriso enviesado surgiu no canto de sua boca. "Não foi o que seu lobo disse." O ar escapou dos meus pulmões. Meu lobo. Fazia tanto tempo que eu o ignorava, sufocava sua presença dentro de mim, que quase me esqueci. Mas ele estava ali. Sempre esteve. E, nesse exato momento, ele estava silencioso. Kael inclinou levemente a cabeça, como se pudesse sentir o conflito em mim. "Eu avisei que não deixaria você escapar." Meus olhos queimavam. Eu queria gritar, queria arranhá-lo, queria qualquer coisa que provasse que ainda tinha controle sobre minha própria vida. Mas ele não me dava essa opção. Com um movimento rápido, Kael me ergueu nos braços. "Kael!" Me debati, socando seu peito, mas ele sequer vacilou. "Me solte agora!" "Não." Simples. Direto. Como se fosse a única resposta possível. "Eu vou gritar!" Ele arqueou uma sobrancelha. "E quem viria te salvar?" A pergunta me atingiu como um soco. A resposta era óbvia. Ninguém. Ele começou a andar, me carregando como se eu fosse um peso insignificante. Meus protestos, meus t***s, nada surtia efeito. A carruagem esperava na entrada da cidade. Quando Kael se aproximou, um de seus guardas abriu a porta. "Você não pode fazer isso!" Ele finalmente me colocou no chão, mas apenas para me empurrar suavemente para dentro da carruagem. Antes que eu pudesse reagir, a porta se fechou. Minha respiração estava acelerada. Meu corpo inteiro tremia. Do lado de fora, Kael falou algo com os guardas antes de abrir a porta e entrar. O espaço parecia pequeno demais com sua presença. O silêncio se instalou entre nós. "Eu odeio você," sussurrei, sem conseguir esconder a fúria. Kael me observou por um longo momento antes de responder: "Eu sei." A carruagem começou a se mover. O som dos cavalos galopando ecoou na noite. E, pela primeira vez desde que fugi daquela m*****a alcateia, soube que meu destino não estava mais em minhas mãos.O silêncio dentro da carruagem era opressor. O único som audível era o trote ritmado dos cavalos no chão de pedra e a batida apressada do meu coração. Minhas mãos estavam cerradas sobre o tecido amarrotado do meu vestido, e minha respiração vinha rasa, pesada, enquanto meu olhar saltava para a janela, observando a cidade se distanciar.Eu ainda sentia o toque de Kael em meu pulso, o aperto firme que me impediu de fugir. Ainda ouvia a sua voz — um misto de diversão e autoridade — me dizendo que eu não poderia escapar dele.Eu odiava isso.Odiava o jeito como ele me olhava, como se já me possuísse. Odiava o modo como seu cheiro invadia minha mente, como se fosse uma droga viciante. Mas acima de tudo, odiava a impotência queimando dentro de mim.A carruagem sacolejou levemente quando cruzamos os portões da fortaleza, e eu me forcei a erguer o queixo, recusando-me a parecer assustada. Mas quando minha visão captou o castelo imponente à nossa frente, um frio cortante percorreu minha espinh
O castelo era sufocante. Eu já estava ali há três dias, e cada canto daquele lugar parecia mais apertado do que o último. O silêncio era absoluto nos corredores de pedra escura, e o aroma amadeirado dos móveis misturava-se com o cheiro de velas queimando. As criadas evitavam cruzar olhares comigo, apenas sussurravam entre si antes de desaparecerem por portas escondidas. Eu as invejava. Elas podiam ir e vir como quisessem. Eu não. Kael havia me trancado ali como um animal enjaulado, e, mesmo sem correntes visíveis, eu sabia que estava presa. Sempre havia guardas vigiando os corredores. Sempre havia olhares atentos ao menor movimento que eu fizesse. Eu estava sendo observada. E ele estava por perto. Eu não o via desde a noite em que chegamos, mas sentia sua presença como uma sombra persistente. Kael gostava de jogar. Gostava de me provocar sem precisar dizer uma única palavra. Então, eu fazia o mesmo. Se ele queria me desafiar, eu resistiria. Passei os últimos dias evitando qua
Eu sabia que não podia mais viver naquele castelo. Cada corredor me parecia um labirinto de armadilhas, onde o rei era o monstro à espreita, sempre observando, esperando, pronto para me devorar. Naquela noite, o castelo estava em silêncio, uma calma que mais parecia uma ilusão, um respiro momentâneo antes da tempestade. Quando a última criada passou por mim e as luzes começaram a se apagar, eu sabia que era a minha chance.Escorreguei pela porta lateral do meu quarto, tentando fazer o mínimo de barulho possível. O ar frio da noite acariciou minha pele nua, a lua iluminando o caminho diante de mim. A sensação de liberdade foi como um sopro de ar fresco nos meus pulmões, mas eu sabia que não tinha muito tempo.Antes que eu pudesse dar mais do que dois passos, uma presença familiar se fez sentir nas sombras.“Você está tentando fugir de novo, Lyara?” A voz de Kael cortou a noite como uma lâmina afiada.Congelei, o coração batendo tão rápido que mal consegui ouvir meus próprios pensamento
O castelo estava quieto demais. O som das minhas botas ecoava pelos corredores vazios enquanto eu andava, quase sem rumo, tentando entender o que havia acontecido comigo. Uma parte de mim queria gritar, correr até a casa dos Kinsley e pedir para voltar. Mas outra parte—uma parte que eu mal reconhecia—estava... diferente. Eu não sabia o que Kael tinha feito comigo. O que ele tinha... me feito sentir.Quando entrei no meu quarto, ele estava lá. De pé, com os ombros largos, a postura impassível, como sempre. Olhei para ele, sentindo meu coração disparar. Ele parecia saber exatamente o que estava acontecendo dentro de mim, o que me aterrorizava ainda mais."Você está fugindo de mim, Lyara?", ele perguntou, sua voz grave quebrando o silêncio.Eu dei um passo atrás, encarando-o com raiva. "Eu não sou sua prisioneira, Kael", falei, tentando manter a voz firme, embora minhas mãos tremessem. "Eu não quero ficar aqui, e você não pode me forçar."Kael sorriu de forma divertida, mas havia algo em
Sete dias se passaram desde que vi Kael pela última vez, e sua ausência, ao invés de aliviar, parece aumentar a presença dele em minha mente. Eu não consigo escapar dele — não apenas fisicamente, mas na minha mente, em cada pensamento que tento bloquear. Ao longo desses dias, ele não apareceu no castelo, mas sua presença se fez sentir de maneiras inesperadas.A cada amanhecer, um novo buquê de flores perfumadas aparecia em meu quarto. Rosas vermelhas, lírios brancos, orquídeas exóticas. Cada uma acompanhada de uma carta. As flores sempre eram novas, sempre cuidadosas, escolhidas com algo mais do que simples intenção. Eu sabia que não eram apenas presentes, mas mensagens silenciosas, um jeito de ele me cercar sem estar fisicamente presente.“Para a mulher que ilumina meu dia, mesmo nas sombras. Com todo o meu carinho, Kael.”Eu li as palavras, sentindo um nó apertado no meu peito. A cada carta, a cada flor, ele me fazia questionar o que eu realmente sentia. Eu sabia o que queria dizer
O castelo estava inquieto naquela noite. Desde o momento em que os primeiros mensageiros chegaram anunciando que o Rei havia sido atacado no meio do trajeto de volta, um clima pesado tomou conta dos corredores. Servos corriam de um lado para o outro, os curandeiros foram convocados às pressas, e os guardas mantinham uma vigilância reforçada nos portões.Eu não deveria me importar. Não deveria sentir o nó apertado no peito enquanto caminhava de um lado para o outro no salão principal, esperando qualquer notícia. Mas era impossível ignorar a ansiedade que me consumia.Então, finalmente, o barulho dos portões se abrindo me fez girar nos calcanhares. O cheiro de sangue veio antes da visão do Rei.Kael estava sobre um cavalo, segurando-se na sela com dificuldade. Sua armadura estava suja de terra e sangue, e seus olhos, normalmente tão intensos, pareciam opacos. Assim que ele desmontou, seu corpo vacilou, e dois guardas correram para segurá-lo."Chamem os curandeiros! Agora!" ordenou um do
A noite se arrastava lenta, sufocante. O castelo estava mergulhado no silêncio, interrompido apenas pelo ocasional uivo do vento contra as janelas. Eu não conseguia me afastar do quarto de Kael. Algo dentro de mim me impedia de deixá-lo sozinho.Os curandeiros vinham e iam, carregando ervas, poções e compressas. Nenhum deles parecia otimista. A febre persistia, os ferimentos estavam infectados, e ele sequer acordava.Fiquei de pé ao lado da cama, observando-o. Seu rosto, sempre marcado por uma imponência inquebrantável, agora parecia frágil. A cada respiração pesada, meu peito apertava mais."Você precisa lutar, Kael", sussurrei, minha voz embargada. "Não pode morrer assim."Ele não reagiu.Minha garganta ficou seca, e meus olhos começaram a arder.Por que isso estava me afetando tanto?Eu deveria me importar? Esse homem era apenas o meio para minha sobrevivência, minha proteção… minha vingança. E ainda assim, a mera ideia de perdê-lo fazia algo dentro de mim desmoronar.Fechei os olh
Caminhava pelos corredores do castelo, a mente agitada, tentando organizar meus pensamentos. O sacerdote Félix era realmente um homem digno da confiança do Rei? Ou a criada estava certa ao me alertar sobre ele? Eu precisava ser cautelosa, agir com naturalidade. Não poderia dar nenhum indício de que estava desconfiada.Perdida nessas reflexões, virei uma esquina apressada demais e me choquei contra alguém.Recuei um passo, o coração disparando com a surpresa, e ergui o olhar.O sacerdote Félix estava ali, me encarando com um sorriso calmo.“Perdoe-me, minha filha. Espero não tê-la assustado.”Endireitei minha postura imediatamente, forçando um sorriso discreto.“A culpa foi minha, sacerdote. Estava distraída.”Ele me observou por um instante, os olhos analíticos demais para meu gosto.“Parece preocupada.”Dei de ombros, tentando parecer desinteressada.“Não é nada, apenas... cansaço.”Félix sorriu de forma indulgente.“Imagino que os últimos dias tenham sido difíceis para você.” Ele su