Capítulo 2
✦✦✦ Depois da confusão na escola, Sophie e eu nos dirigimos para minha carruagem. Não era a mais moderna da época, mas servia bem para minhas necessidades. Meu pai a comprara de segunda mão, mas os estofados de veludo e o brasão discreto da nossa família na lateral ainda mantinham um ar de dignidade. — Finalmente, algo que não vai me decepcionar hoje, — murmurei, ajudando Sophie a subir. O cocheiro, um senhor idoso chamado Sr. Wicks, que trabalhava conosco há anos, ajeitou o chapéu e pegou as rédeas. — Para onde, senhoritas? — ele perguntou. — Para a confeitaria da Sra. Marley, por favor, — respondi, enquanto me acomodava no assento e fechava a porta da carruagem. A viagem começou tranquila, com o som das rodas nos paralelepípedos ecoando pelas ruas. Porém, a poucos quarteirões de distância, senti um solavanco estranho. — O que foi isso? — perguntei, inclinando-me para a janela. — Parece que uma das rodas não está em boa forma, senhorita, — disse o Sr. Wicks, parando os cavalos e descendo para verificar. Sophie, que parecia mais interessada nas flores que decoravam a praça ao lado, olhou para mim com um sorriso. — Amiga, acho que o universo está tentando te ensinar algo. — Sophie, agora não é hora de filosofar! — retruquei, saindo da carruagem para ajudar o Sr. Wicks a inspecionar o problema. A roda dianteira estava desalinhada, e ele tentou ajustá-la, mas sem sucesso. — Parece que vou precisar de mais tempo para consertar isso, senhorita, — disse ele, com um tom lamentoso. E então, como se o universo estivesse realmente conspirando contra mim, outra carruagem passou e parou ao nosso lado. — As senhoritas precisam de ajuda? — perguntou uma voz familiar, carregada de diversão. Virei-me lentamente, já reconhecendo o tom. Lá estava ele, Hyun Choi, descendo de sua carruagem impecavelmente decorada, como se tivesse saído direto de um baile. — Não! — exclamei, mais rápido do que pretendia. Ele arqueou a sobrancelha e deu aquele sorriso irritante de antes. — Parece que nossas estradas continuam se cruzando, senhorita. Olhei para Sophie, que parecia à beira de um ataque de risos. O Sr. Wicks, por sua vez, limpou a garganta e fez um leve aceno com o chapéu para Hyun, claramente impressionado. — Senhor Choi, é um prazer vê-lo novamente. — E a senhorita também, claro, — Hyun continuou, ignorando meu olhar de pura exasperação. — Talvez eu possa oferecer ajuda. Não gostaria que as senhoritas ficassem presas no meio da rua. — Estamos bem, obrigada, — respondi, cruzando os braços. — Claramente, sua carruagem não concorda, — ele retrucou, apontando para a roda solta com um ar de superioridade. Olhando para ele, percebi que meu mapa astral provavelmente precisava ser queimado e refeito. — Sr. Wicks, vamos dar um jeito. Sophie, venha, — declarei, tentando manter o que restava da minha dignidade enquanto marchava para o lado da calçada. — Eu teria oferecido carona, mas parece que sua determinação dispensa favores, — ele disse, com um sorriso que me fez desejar nunca mais tropeçar. De repente, o Sr. Wicks olhou para mim e comentou: — Senhorita, vai levar algum tempo para consertar isso. Talvez seja melhor aceitar a carona do Sr. Choi. Não seria sensato ficar aqui por mais tempo. Sophie, que estava visivelmente nervosa com a situação, me olhou, esperando que eu tomasse uma decisão. Eu não queria aceitar a ajuda de Hyun Choi, mas percebi que, para não perder tempo e evitar mais imprevistos, seria melhor seguir seu conselho. — Ok, vamos aceitar a sua carona, Senhor Choi, — falei, sentindo a relutância em minha voz. Hyun sorriu, como se soubesse que venceria minha resistência. — Excelente escolha, senhoritas, — disse ele, gesticulando para o cocheiro, que imediatamente abriu a porta para nós. Subimos na carruagem dele, que era uma obra de arte em si mesma. Os estofados eram luxuosos e o aroma de madeira e couro impregnava o ar. Eu sentia que todo o ambiente ao redor de Hyun Choi exalava uma aura de poder e riqueza. Enquanto nos acomodávamos, ele começou a falar de forma casual, mas com um tom que não dava margem para recusa. — Sabiam, senhoritas, que esse ano, na Choi’s, estamos oferecendo apenas cinco vagas de estágio para os alunos da Lincoln Academy? Normalmente são dez, mas este ano decidi fazer algo diferente. Sophie olhou para mim com os olhos arregalados, uma expressão de surpresa estampada no rosto. — Cinco vagas? — perguntou ela, tentando não mostrar o nervosismo. — Mas, normalmente, são pelo menos dez. Isso significa que as chances são muito menores este ano. Eu e Sophie sempre fomos boas alunas, com boas notas e uma postura exemplar, mas a Lincoln Academy era cheia de estudantes brilhantes. Alguns mais aplicados que nós, outros mais carismáticos. A competição dentro daquela escola era feroz, e saber que as vagas para a Choi’s tinham sido reduzidas tornava a nossa posição ainda mais incerta. Não era só uma questão de sermos boas alunas. Precisávamos ser muito mais do que isso para ter alguma chance. — Exatamente, — Hyun confirmou, observando-nos com um sorriso enigmático. — Apenas os alunos com as melhores notas e desempenho serão selecionados. Estou tomando meu tempo para escolher os melhores. Eu senti um calafrio. Eu sabia que minhas notas eram boas, mas nunca tinha me destacado como líder ou alguém realmente influente dentro da escola. Já Sophie, ela sempre foi mais participativa e parecia ser uma candidata ideal. Mas esse número reduzido de vagas tornava tudo muito mais difícil. — Então, senhoritas, — continuou ele, sem desviar o olhar, — vou ser honesto. Não é apenas uma questão de desempenho acadêmico. Vocês também precisam se destacar de outras formas. Mostrem que podem lidar com a pressão e que têm a determinação necessária para estar na Choi’s. Sophie olhou para mim, e eu vi o pânico nos olhos dela. Ela se esforçara tanto, se dedicara o máximo que podia, e agora as chances estavam reduzidas à metade. Eu também não sabia o que pensar. Será que realmente tinha chances? Será que ele estaria apenas nos observando? A pressão parecia aumentar a cada segundo. — O critério de seleção está bem claro, — Hyun completou, com um sorriso ligeiramente irônico. A carruagem seguiu seu percurso, e nós, imersas em nossos próprios pensamentos, sabíamos que a competição seria ainda mais feroz do que imaginávamos. As cinco vagas de estágio na Choi’s pareciam quase inatingíveis. Quando finalmente paramos em frente ao nosso destino, o silêncio tomou conta do ambiente. Hyun nos olhou uma última vez. — Foi um prazer tê-las como companhia, senhoritas. — Ele disse, estendendo a mão. — Espero que o futuro de vocês seja promissor, independentemente do caminho que escolherem. Nós duas saímos da carruagem, a tensão ainda pesando sobre nós. Mas, antes de nos afastarmos, ele piscou para mim e falou, com um tom de desafio: — Nos vemos em breve, senhorita Hanna. E não se esqueça, a Choi’s está de olho em você. Sophie e eu trocamos olhares, e, como se o fardo do momento nos tivesse caído nas costas, saímos do local. Eu ainda não sabia o que esperar, mas algo me dizia que o destino estava nos empurrando em uma direção muito diferente da que eu imaginava. — Hanna, você percebeu o que ele disse? — Sophie perguntou, em um tom baixo. — Sim, — respondi, tentando esconder minha ansiedade. — O jogo acabou de ficar bem mais difícil. E com isso, seguimos em frente, sem saber o que o futuro nos reservava. O resto da viagem foi silencioso, pelo menos para mim. Sophie continuava trocando sorrisos com Hyun, enquanto eu observava a paisagem pela janela, repetindo mentalmente: "Atraia boas energias. Ignore homens bonitos e irritantes." Finalmente, chegamos ao restaurante. Hyun saiu primeiro e abriu a porta para nós, como o cavalheiro que ele fingia ser. Quando ele pegou minha mão para me ajudar a descer, senti um estranho calor subir pelo meu braço. Ele demorou mais do que o necessário, seus olhos fixos nos meus, e por um segundo, quase esqueci de respirar. — Foi um prazer conhecê-las, senhoritas — disse ele, com um sorriso que parecia guardar um segredo. Antes que eu pudesse responder, Sophie já estava sorrindo como uma criança no Natal. — O prazer foi todo nosso, Senhor Hyun. Hyun beijou nossas mãos antes de entrar na carruagem novamente. Quando ele partiu, Sophie me deu um empurrãozinho, rindo. — Amiga, você viu isso? Ele nos deu carona! — Sophie, ele só queria rir da nossa desgraça. — Ah, Hanna, você sempre tão negativa. Ele foi muito gentil! Suspirei, cansada demais para discutir. Entramos no restaurante e fizemos nossos pedidos. O tempo estava apertado, já que eu ainda precisava correr para o meu trabalho no Coffee Dreams. Enquanto comíamos, um criado entrou com uma bandeja prateada. Sobre ela, havia um bilhete dobrado, selado com cera. — Senhorita Hanna Young? — perguntou o criado. — Sim, sou eu. Ele entregou o bilhete, fez uma breve reverência e saiu. Quando o abri, reconheci imediatamente a caligrafia de Ivy: "Hanna, que tal um chá hoje à noite? Traga Sophie." Mostrei o bilhete para Sophie, mas, ao contrário do esperado, ela fez uma careta. — Ivy de novo? Sério? — Sophie, ela só quer ser nossa amiga. — Ela quer ser sua amiga. Eu sou só um adereço. Revirei os olhos, segurando o riso. Ivy realmente tinha uma energia peculiar, mas isso fazia parte do charme dela. E, sendo justa, talvez Sophie estivesse exagerando um pouco. — Vamos, Sophie. É apenas um chá. Quem sabe você não começa a gostar dela? — Duvido. Mas, no fundo, eu sabia que Sophie iria. Apesar de todas as reclamações, ela nunca me deixaria ir sozinha. Comemos o restante do almoço em silêncio, cada uma imersa em seus próprios pensamentos. E, enquanto eu me preparava para mais uma noite repleta de conversas excêntricas com Ivy, algo me dizia que aquele bilhete significava mais do que apenas uma reunião casual.— Ah, Hanna, pensando aqui , a sua amiga Ivy é uma criatura impossível! Ela sempre se interessa por todos os cavalheiros que cruzam o nosso caminho. Uma verdadeira víbora! — Sophie disse, com um tom de brincadeira, mas com um olhar preocupado.A verdade era que Ivy tinha um comportamento inusitado para a época. Conheci-a através do meu irmão, Ryan. Ela havia estado com ele, mas logo deixou-o de lado, envolvida com outros cavalheiros, sem se prender a ninguém.Quando Ivy se ofereceu para dividir a residência comigo, eu aceitei com certo receio, mas sabia que não teria outra escolha, pois a ajuda era necessária para lidar com as despesas. Viver em uma cidade pequena como Porto do Vale, onde nasci, não oferecia muitas oportunidades para uma moça como eu, que desejava se formar em uma disciplina prática, voltada para a administração de recursos, incluindo o estudo de economia doméstica e gestão de contas de família. A única instituição de ensino mais próxima era a Academia de Lincoln, ond
Ivy, como sempre, estava determinada a transformar a noite em um evento cheio de emoção e, como ela dizia com um sorriso travesso, "aventuras que desafiariam as convenções". Eu, por outro lado, só queria desfrutar de uma noite tranquila de chá e boas risadas, longe de complicações.Chegamos à sala de chá, um lugar frequentado por jovens damas e cavalheiros da cidade, onde conversas educadas e música de salão preenchiam o ambiente. As cadeiras estofadas e as porcelanas finas contrastavam com a agitação que eu sabia que Ivy carregava em seu coração.— Três xícaras de chá de jasmim, por favor. — Ivy pediu, dirigindo um sorriso encantador ao garçom, um jovem de aparência respeitável.— Meninas, lembrem-se, esta deve ser uma noite tranquila. Nada de aventuras hoje. — Sophie disse com um olhar sério, mas sempre gentil.— Oh, não se preocupe, Sophie. Estamos aqui para relaxar e desfrutar de um bom chá. — Respondi, tentando alinhar minha disposição com a dela.No entanto, Ivy parecia inquieta
Aquela voz grave e profunda me fez estremecer da cabeça aos pés. Olhei lentamente para o audaz cavalheiro à minha frente, que parecia estar convencido demais, acusando-me de estar procurando por ele? Ora, na verdade, estava, mas ele não deveria ter a audácia de perceber isso.Quando meus olhos se encontraram com os dele, quase duvidei de meus próprios sentidos.— Senhor Hyun Choi?— Olá outra vez, senhorita desastrada.Que impertinente! Ele estava a me seguir? Seria o destino que o colocava em meu caminho? Não sabia, mas uma vontade repentina de me levantar e fugir dele tomou conta de mim. Contudo, a quantidade de licor em meu sistema só me fez soltar uma gargalhada diante do "Oláoutra vez , senhorita desastrada". Dei-lhe um leve empurrão no ombro e, pela primeira vez, vi seu sorriso completo, tão encantador, tão perfeito... Ah, licor.Ele ficou ali, observando-me com um olhar travesso, mordendo o lábio. De repente, tive a irresistível vontade de morder aquele lábio. Será que o licor
— Ora, Ivy, o que está a fazer? — disse eu, encarando-a enquanto ela sorria com aquele ar travesso.— Sua atrevida, já está na hora de regressarmos a casa!Ela tomou minha mão e começou a puxar-me sem cerimônia. Olhei para trás e vi o senhor Hyun permanecendo imóvel, fitando-me com uma expressão impossível de decifrar.Quem Ivy pensa que é para interromper um momento tão mágico, tão intenso, tão maravilhoso? Agora, sinto um aperto no peito, quase como se fosse chorar. Céus, não devo estar em meu juízo perfeito!— Amiga, diga-me que estou a delirar! Você beijou o senhor Hyun! — exclamou Sophie, visivelmente escandalizada com a cena que acabara de presenciar.Eu apenas esbocei um sorriso débil, ainda sentindo os efeitos do vinho que havíamos tomado. Contudo, no fundo, eu queria chorar. Fiz um pequeno bico, olhando para elas com ar de desalento.— Perdoe-me, minha querida. — disse Sophie, ajeitando a luva de renda como quem tenta disfarçar a situação. — Desejava que nos divertíssemos mai
Salão de Reuniões do Lorde HarringtonEntramos eu e Sophie, claramente ansiosa, retorcendo o lenço entre os dedos, acompanhadas de outros três jovens de distintas salas , exceto o Gregory que já estava lá. O ambiente era austero, decorado com cortinas de veludo verde e um imponente relógio de pêndulo que marcava cada segundo de nossa expectativa.— Senhores, por favor, tomem seus lugares. — anunciou o mordomo com voz firme e postura impecável, indicando as cadeiras dispostas ao redor da longa mesa de mogno.Ele abriu um pergaminho e começou a leitura dos nomes:— Heitor Lee.— Sophie Will.— Claire Leblanc.— Gregory Rodrigues.— Hanna Young.Meu coração acelerou quando ouvi meu nome, e Sophie apertou minha mão por baixo da mesa.O Lorde Harrington, um homem de meia-idade com cabelos grisalhos perfeitamente alinhados, se levantou com uma postura imponente. Sua voz ecoou pelo salão:— Meus parabéns aos presentes. Vocês foram cuidadosamente selecionados pelo prestigiado senhor Hyun Cho
A Sophie veio me buscar e, nossa, como ela estava linda.— Você veio para causar uma boa impressão, não é? — comentei, analisando-a da cabeça aos pés.— Nem me fale. E você? Está deslumbrante como sempre.Sorri, olhando rapidamente para mim mesma. Eu usava um vestido preto de corte simples, mas elegante, com detalhes em renda que valorizavam a cintura. Havia combinado com um sapato de salto baixo, pois sabia que o dia seria longo. Hoje começaríamos uma nova etapa, e cada um de nós seria alocado em uma área específica dentro da Companhia Choi.O caminho até lá foi repleto de conversas animadas com Sophie. Mas, à medida que nos aproximávamos, meu coração começou a disparar — não apenas pela importância do momento, mas pela expectativa de reencontrar o senhor Hyun.Chegamos à entrada principal, e a grandiosidade da Companhia Choi já era evidente. As paredes de pedra cinza estavam impecáveis, e os vitrais coloridos davam ao edifício um ar majestoso. Uma senhora de postura impecável, vesti
Ele me apresentou formalmente aos meus colegas de trabalho, incluindo meu líder direto, o jovem e cortês senhor Gustavo. Com seu tom impecavelmente profissional, o senhor Hyun descreveu as responsabilidades que eu teria como estagiária e detalhou os processos com uma clareza que demonstrava domínio absoluto de tudo o que ocorria ali. Enquanto caminhávamos pela imponente sala de marketing, os sons de canetas rabiscando e folhas sendo folheadas ecoavam suavemente, complementando a atmosfera dinâmica do ambiente onde eu começaria a trabalhar.Quando concluímos o tour, ele pegou delicadamente minha mão enluvada, seus dedos exercendo uma pressão sutil, mas firme. Seu olhar, intenso e profundo, encontrou o meu, fazendo meu coração disparar com um misto de nervosismo e curiosidade. Era como se, naquele momento, apenas nós dois estivéssemos ali.— Agora é com você, Gustavo.A voz dele soou autoritária e precisa, como se não houvesse espaço para réplica. Sem sequer olhar para o senhor Gustavo,
Ao sair da empresa, notei que os corredores e o pátio estavam quase desertos. A maioria dos funcionários já havia partido, e o silêncio da noite começava a tomar conta do ambiente. O vento fresco da noite sussurrava através das árvores, balançando suavemente as folhas sob a luz amarelada dos postes de gás. Por um momento, hesitei ao passar pela entrada principal, dando uma última olhada em direção ao gabinete do senhor Hyun. Mas ele não estava mais lá.Respirei fundo, ajustando o tecido do meu vestido antes de seguir em direção à carruagem que me aguardava. A carruagem me levaria ao centro da cidade, onde eu buscaria minha montaria na oficina. O senhor Wicks, o responsável pela manutenção do meu cavalo, sempre fazia questão de manter tudo em perfeito estado. Confiante de que tudo estaria em ordem, minha preocupação diminuiu, e caminhei em direção à saída. Contudo, antes que eu pudesse seguir adiante, um grito ecoou pelo pátio quase vazio, fazendo-me sobressaltar.- Hanna !Virei-me ra