Não era um dia diferente dos demais. O hospital Mayo Clinic era um dos melhores hospitais dos EUA, o que significava que uma quantidade grande da população o frequentava. Por ali havia o cheiro característico de anti- séptico, sussurros vindo dos corredores e da sala de espera, os sons dos intercomunicadores e quase que frequentemente os gritos dos enlutados. Nada parecia fora do comum, para o médico cirurgião residente, até que foi chamado de repente na sala de emergência, após minutos ao sair de uma cirurgia.
O som familiar do intercomunicador soou pelos corredores, seguido por:
— Chamando Dr. Harris, comparecer à emergência. Dr. Harris, comparecer à emergência — A voz suave e feminina, ainda repete o recado duas vezes, enquanto andava na direção a sala de cirurgia que havia acabado de ser ocupada.
Mas ao entrar na sala, após se vestir novamente com a roupa cirúrgica com a ajuda de uma das enfermeiras, que iriam ajudar na cirurgia, simplesmente sente todo seu corpo paralisar, como se não tivesse mais controle sobre o próprio corpo.
O dia que até então havia começado “normal”, estava deixando aquela normalidade rapidamente e se tornando um verdadeiro filme de terror.
Bem diante de seus olhos, com a distância de alguns passos, deitada na cama completamente ensanguentada, estava Elena. E a única palavra que sempre conseguia descrever, quando pensava nela, era que simplesmente era a mulher de sua vida e se odiava toda vez por não ter a conhecido antes, por não ter a amado desde que seus olhos se colocaram sobre ela.
A mulher da minha vida, ele pensa, com um aperto estranho no peito ao vê-la daquela forma, praticamente morta diante de seus olhos.
Sua mente, assim como seu corpo, se tornou enevoada e já não conseguia pensar em nada.
Assim como a enfermeira ao seu lado e os demais que estavam ali na sala, o olhava esperando que começasse a salvar a vida da mulher, cujo a todo custo, tentavam estancar o sangramento. Mas simplesmente os olhos do médico estavam vidrados na paciente, que a cada segundo que passava, estava mais perto da morte.
Finalmente a enfermeira ao seu lado, decide quebrar o silêncio e perguntar o óbvio:
— Dr. Harris, está tudo bem? — Quando não obtém uma resposta, qualquer que fosse, decide ser mais emergencial e lembrar aonde estavam e qual era o trabalho de todos ali — Precisamos que nos diga o que fazer, Dr. Harris, imediatamente, o estado da paciente não é nada bom.
Dito isto de forma um pouco mais alta e quase autoritária, mesmo que não estivesse no mesmo patamar que ele ou fosse seu supervisor, finalmente o médico sai daquele transe que ele mesmo havia entrado, prendendo o fôlego.
Com o cenho levemente franzido e o olhar desolado, se aproxima da mesa de cirurgia, se colocando também ao redor de Elena, precisando olhar atentamente para ela. As duas enfermeiras a sua frente, continuaram a se movimentar, mas em determinado momento, param e o olham novamente, antes de olhar para a enfermeira chefe ao seu lado.
— Dr. Harris — Sua voz chega rapidamente aos seus ouvidos, alta e clara, o lembrando que ainda precisava salvar uma vida.
Sem dizer uma única palavra, ele analisa rapidamente o estado da paciente. Três tiros no tórax, praticamente a queima roupa.
A blusa bege de tecido fino, que Elena vestia, foi rasgada no meio, deixando amostra o sutiã preto de renda que vestia. Quase que inconscientemente seus dedos passaram por entre seus seios, como sempre fazia, mas apenas bastou ouvir os barulhos dos aparelhos ao redor, para se lembrar que ainda ali era médico e Elena, sua paciente.
Os projéteis inicialmente, a primeira vista, não parecia ter feito grande estrago, mas só bastou começar a cirurgia, para mudar rapidamente sua opinião. O estado de Elena era grave, ainda mais por ter perdido grande quantidade de sangue e por necessitar repor, ocasionando outro problema: seu sangue ser AB negativo.
Não tinha dúvida alguma que as pessoas presentes ali, não estavam entendendo o comportamento dele naquele momento e como entenderiam? Não tinham ideia do que acontecia em sua vida, quando saía do hospital, quando deixava de ser o Dr. Harris, cardiologista, e se tornava apenas o Jonah. Acreditava que seria complicado demais, pelo menos tentar explicar o motivo por estar daquela forma, por estar com todas suas estruturas abaladas por causa de uma mulher. Por causa daquela mulher.
Em determinado momento, as mãos do médico começaram a tremer, por se sentir inútil diante daquela situação. Como explicaria para seu irmão, que não havia conseguido salvar a vida de sua esposa? Pior ainda, como se olharia todos os dias no espelho, sabendo que havia deixado a mulher de sua vida morrer bem diante de seus olhos.
Se sentiu como no primeiro ano de seu estágio, naquele mesmo hospital, quando uma vítima de acidente entrou naquele hospital e sentiu como se todas as informações que tinha armazenados em seu cérebro, simplesmente tivessem evaporado, não sobrando nada. Enquanto seus colegas de estágios, corriam de um lado para o outro, tentando salvar a vida das demais vitimas do acidente, causado por um nevoeiro na estrada principal, ele olhava a mulher ensanguentada em sua frente com cortes espalhados pelo rosto e desacordada, perguntando a si mesma o que tinha que fazer.
Mas só precisou de um estralo em sua mente, para lembrar que acima de tudo, estava ali para salvar vidas até o último suspiro.
Uma gargalhada amargurada quase saiu da garganta dele, ao concluir que estava novamente se sentindo daquela forma, como se fosse incapaz, ponderando se a melhor alternativa naquele momento, se não fosse chamar o outro médico cardiologista. Seus olhos já estavam embaçado e podia sentir todo o suor acumulado em seu rosto e pescoço, enquanto se dava conta de que nem isso iria conseguir; Não iria conseguir abandonar aquela sala e a deixar, preferia enfrentar seus medos e dar o melhor de si.
E de pensar que tudo começou com um simples engano de gêmeos, acontecia até com seus pais em confundi-los, acreditando estar falando com um, mas na verdade era outro. Claro que acontecia com frequência com quem não os conhecia, que não sabia prestar atenção nos mínimos detalhes e mesmo Elena estando casada há quase dois anos com seu irmão, ainda podia ver a confusão estampada no rosto dela, toda vez que os via juntos.
O que poderia ter sido simplesmente ter sido evitado, até por ele mesmo. Havia sido apenas um engano, um beijo, que acabou sendo correspondido por ele, que até então sabia que não nutria nenhum sentimento pela cunhada, mas bastou afastar os lábios dos dela, para ter certeza que queria mais, que aquele beijo em forma de droga, havia ido diretamente para seu cérebro.
Acabou que toda aquela situação se tornou uma grande bola de neve, recheada com um caso extraconjugal e um segredo que precisavam guardar a todo custo.
Não só Elena havia traído o marido.
O médico também. O irmão.
Após a cirurgia, sentiu rapidamente a exaustão cair sobre seu corpo, já não conseguia dizer se estava mentalmente ou fisicamente exausto do choque que havia recebido anteriormente, mas de uma coisa sabia: havia dado seu melhor mais uma vez e não era por que se tratava de Elena, já que seu trabalho naquele hospital, era tentar salvar o máximo de vidas possíveis. Seu corpo e a sua mente estavam completamente anestesiados, era como se estivesse vendo um filme, sentado em alguma poltrona ou sofá desconfortável; Além de tudo, podia sentir tudo e parecia que duplicado.
Depois de jogar a máscaras e as luvas sujas de sangue, no lixo, juntamente com a roupa cirúrgica descartável, sai da sala de cirurgia, em pedaços, sem já confiar em seu diagnóstico médico, duvidando que seu otimismo que ficaria tudo bem, poderia estar tentando engá-lo que a situação não era bem essa, que estava criando uma realidade alternativa em sua cabeça, mais agradável, para não ter que enfrentar a verdadeira realidade que estava atrás daquelas portas duplas.
Tudo ao seu redor congelou rapidamente, quando saiu por aquela porta e notou uma figura familiar, como se estivesse diante de um espelho, mas com algumas diferenças; Esperando no corredor estava seu irmão gêmeo, que não optou para a medicina como ele e que acreditava que estar sempre rodeado de diversos tipos de doença, poderia ser prejudicial mais cedo ou mais tarde.
Ele preferia estar rodeado de papéis, entrando e saindo de reuniões e discutindo valores de ações. Preferia também o aconchego de sua sala e em como o dinheiro poderia fazer algumas passos a ceder seus caprichos.
Seu coração palpitou em seu peito, não como antes, mas agora dava para sentir o suor em suas mãos. Os olhares se cruzam e se sustentam e, neste momento, o médico já sabia o que estava por vir e não precisou se mexer, seu irmão gêmeo, em passos largos, caminhou em sua direção, diminuindo o espaço entre ambos, quase que num piscar de olhos.
Mexo freneticamente a minha perna cruzada, concluindo mais uma vez o desconforto que a cadeira que estava causando. Ao meu lado, Beth parecia bastante a vontade no ambiente hospitalar, enquanto lia uma das revistas que encontrou numa pilha ao lado. Não conseguia entender como alguém conseguia se sentir tão...bem. Talvez a minha aversão a hospitais, estivesse complicando tudo, já que o último ano, o Mayo Clinic se tornou minha casa, enquanto estava ligada à uma máquina LVAD, esperando um transplante de coração. Toda noite eu driblava ao máximo o sono, tentava ficar acordada até o amanhecer, com medo de que se dormisse, não pudesse acordar no dia seguinte; E quando acordava na manhã seguinte e via o sol querendo entrar pelas cortinas, sentia que tinha mais uma chance, que aquele poderia ser o dia ou não, que receberia um coração novo. Durante um ano, essa foi a minha rotina, torcer para estar viva no dia seguinte, esperançosa de que o coração que me salvari
— Quero dar o mundo para você — Uma voz masculina sussurrou perto do meu ouvido. A fragrância de seu perfume, estava impregnada em minhas narinas, indo pouco a pouco para mais fundo dentro de mim. Conhecia cada partícula daquele perfume, apesar de não ser um perfume que sentia em vários homens, eu conhecia e gostava do cheiro forte e ao mesmo tempo com um toque feminino. Não demora para sentir lábios em meu pescoço, suaves, trilhando um caminho invisível. Cada beijo trazia mais familiaridade e logo seus braços me envolviam, firmes, me transmitindo segurança. Me acolhendo. Juntando todos os milhares de pedaços que tinha de mim, espalhados, numa tentativa de me trazer de volta. Inspiro profundamente o perfume, sentindo meu corpo leve.— Não quero o mundo. Já tenho você — Ouço as palavras saírem da minha boca, como se não tivessem sido ditas por mim. Mas para mim soaram verdadeiras, era como se meu coração estivesse falando — Só... — Inspiro profundamente
— Seus exames, mais uma vez, não deram nenhuma alteração — diz o médico na minha frente, folheando a prancheta com algumas folhas. Num momento estava no jornal e depois, quando abro os olhos, me vejo em um quarto dez hospital parecido com o quarto que passei um ano.— Mas ela desmaiou — Beth argumenta, aparentemente ainda assustada — Achei que estivesse até morta.— O corpo dela ainda está se adaptando e dado aos últimos resultados dos exames, não há nada para se preocupar.— Onde estava o Dr. Harris? — pergunto com a voz firme, atraindo o par de olhos. Eu precisava ver ele, estava crente que se lhe dissesse o que estava acontecendo ou tentasse, com certeza ele me ajudaria.— Dr. Harris não está de plantão hoje — diz o médico de cabelos grisalhos, com um sorriso um pouco forçado — Mas eu estou e acredito que posso tirar todas suas dúvidas — Continuo sustentando o olhar dele, esperando que simplesmente me desse alta e fosse embora — E se não tiver, tudo bem também,
Inspiro profundamente o aroma do Cappuccino de Avelã, antes de o levar até os lábios e praticamente ir ao céu com o sabor. Nunca gostei de cappuccino, acreditava que só era mais um meio dos amantes de café, tomar mais café mas, desde que sai do hospital e vi a cafeteria que ficava na esquina, senti uma grande necessidade de ir até lá. E aqui estava eu, em um ambiente que cheirava apenas a café, com um pedaço generoso de bolo de limão, com meu notebook aberto, empolgada em escrever tudo que estava acontecendo no último mês. Volte e meia, alternava para a leitura da matéria sobre o experimento dos transplantados, enquanto dividia minha atenção com o relógio, já que faltava poucos minutos para o trabalho.“O fenômeno de memória celular, mesmo ainda não é considerado como 100% cientificamente validado, é apoiado por vários cientistas e médicos. Os comportamentos e emoções do doador adquiridas pelo receptor são devido a memórias combinatórias armazenadas nos
— Descobriu alguma coisa interessante? — Beth pergunta, se movimentando na cozinha estreita, preparando nosso jantar.— Bastante coisa, para ser mais exata. Minha pesquisa daquela noite, estava girando em torno de Brian Harris, o irmão gêmeo idêntico do Dr. Harris. Ambos nascidos com diferença de um minuto e alguns segundos, Brian sendo considerado pelos médicos o mais velho e até mesmo o bebê mais forte, enquanto o Dr. Harris, Jonah, precisou de cuidados após o nascimento. Havia uma verdadeira biografia sobre Brian Harris, incluindo fofocas nos tablóides em torno do casamento com a estilista Elena Mackenzie e sua morte. Apesar da vida do bilionário ser reservada e ele fazer de tudo para a manter dessa forma, sua esposa já não era assim, por causa do seu trabalho, vivia constantemente na mídia. O casal era como óleo e água.— Seus legumes a vapor — diz Beth, minutos mais tarde, colocando na minha frente um prato colorido com legumes e vegetais. Erg