Mexo freneticamente a minha perna cruzada, concluindo mais uma vez o desconforto que a cadeira que estava causando.
Ao meu lado, Beth parecia bastante a vontade no ambiente hospitalar, enquanto lia uma das revistas que encontrou numa pilha ao lado. Não conseguia entender como alguém conseguia se sentir tão...bem.
Talvez a minha aversão a hospitais, estivesse complicando tudo, já que o último ano, o Mayo Clinic se tornou minha casa, enquanto estava ligada à uma máquina LVAD, esperando um transplante de coração.
Toda noite eu driblava ao máximo o sono, tentava ficar acordada até o amanhecer, com medo de que se dormisse, não pudesse acordar no dia seguinte; E quando acordava na manhã seguinte e via o sol querendo entrar pelas cortinas, sentia que tinha mais uma chance, que aquele poderia ser o dia ou não, que receberia um coração novo.
Durante um ano, essa foi a minha rotina, torcer para estar viva no dia seguinte, esperançosa de que o coração que me salvaria, chegaria.
E chegou. Numa noite tempestuosa, depois de uma queda de energia por todo hospital. Foi estranho ver a máquina que me mantinha viva, simplesmente apagar, assim como as luzes e sobrar apenas o silêncio. Menos de trinta segundos depois, o máquina ao meu lado ligou, já que continha bateria, e após alguns segundos, as luzes.
Por um momento, no escuro, me questionei se aquele seria o dia da minha morte, enquanto encarava fixamente a máquina. Mas quando uma enfermeira entrou no quarto, dizendo que tinham um coração para mim e que se tudo corresse bem, eu ainda viveria por muitos anos.
Olhando para Beth, coloco um rápido sorriso no rosto, sem mostrar os dentes, falhando em esconder meu nervosismo. A mesma volta a olhar para a revista, quase no mesmo instante em que a enfermeira volta com uma prancheta.
— Rebeca Barker? — diz ao ler a prancheta, erguendo o olhar. Levanto no mesmo instante, arrumando a bolsa quadrada de couro falso no ombro — Por aqui.
Acompanho a enfermeira até uma sala, cujo o sol a deixava ainda mais clara e iluminada. Em frente de uma ampla janela, com as cortinas finas fechadas, em uma mesa retangular, havia um homem. Um anjo, talvez, concluo semicerrando os olhos, diante da beleza que vinha daquela direção.
No momento em que entramos no cômodo, ele ergue os olhos dos prontuários em sua frente e seu olhar se concentra em mim e quando isso acontece, parece que uma descarga elétrica subiu das pontas dos meus pés, até a minha cabeça, arrepiando todos os pelos do meu corpo.
Ele até não poderia ser um anjo, mas poderia ser facilmente confundido com um com seus cabelos dourados encaracolados, sua pele parcialmente bronzeada e seus olhos verdes— claros.
Diante de tudo isso, meu coração se acelera, com força, como se tivesse mesmo acabado de levar uma descarga elétrica e preciso respirar pela boca, para simplesmente não desmaiar na frente dele.
A enfermeira se aproxima da mesa, entregando meu prontuário, deixando o cômodo em seguida.
— Srta. Barker, por favor — Ele indica a cadeira a frente, passado alguns segundos, enquanto eu ainda permanecia ao lado da porta. Engolindo em seco, me aproximo da cadeira, colocando por alguma razão o cabelo todo sobre o ombro esquerdo.
Consultas de rotina eram comuns agora, semanalmente agora tinha que fazer uma visita ao Mayo Clinic e exames, não só eu temia que meu corpo recusasse meu novo coração, os médicos também e aquela era a primeira vez que estava diante do cardiologista responsável por aquele transplante.
Enquanto Dr. Harris lia todos os papéis do prontuário, me peguei o observando, sem ao menos disfarçar; Algo nele, não estava certo, eu sentia e por isso me via o olhando, olhando cada detalhe em busca do que estava me incomodando.
Até que...
— Seu cabelo — digo de repente, quebrando o silêncio, me arrependendo no mesmo instante quando ele me olha, com seus olhos verdes penetrantes.
— Meu... cabelo? — Ele repete devagar, erguendo uma sobrancelha.
Coço meu ombro, voltando a mexer meu pé, cuja perna estava cruzada. Isto faz dessa vez, com que ele franza o cenho e me olhe atentamente.
— Só... — A palavra paira no ar, enquanto decido se continuo ou não com a minha opinião, que com certeza ele não queria ouvir — não acho que o jeito que penteou o cabelo, combinou com você.
A expressão dele relaxava por um instante e no segundo seguinte, ele arruma a postura e passa a mão pelo cabelo.
— Uma pessoa costumava me dizer isso mas... — Ele faz uma breve pausa — ,não achei que fosse verdade — Dito isto, ele força um sorriso — Mesmo assim, obrigado — Ele pega um dos exames, suspirando — Está sentindo algo incomum?
Havia passado um ano sentindo que a minha vida estava estagnada, sendo forçada a viver todos os dias o mesmo dia, lidando com todos os incômodos e dores possíveis. Com aquele coração, não tinha dúvida alguma de que minha qualidade de vida e o meu tempo de vida, havia melhorado; Mas com isso, outras coisas que não me lembrava se estavam lá ou não, se tornaram frequentes no meu novo dia a dia.
— Estou mais ansiosa — murmuro — Comecei a ter crises de ansiedade muito fortes, no começo achei que fosse medo de ter que passar por tudo de novo... — Paro de falar, o olhar fixo no vazio, tentando organizar tudo que estava passando pela minha mente naquele momento — Só que não acho que tenha haver com a ansiedade — Olho para ele, esperando que ele me olhe também. Eu queria que ele me olhasse.
— Acredito que seja normal se sentir dessa forma, Srta. Barker — diz ele, calmamente, tentando transmitir para mim que estava tudo bem me sentir dessa forma — Tem um novo órgão em seu corpo, o meses seguintes são de completa adaptação.
Como explicar para ele que estava além da ansiedade? Como se o que eu era antes tivesse desaparecido e no meu lugar havia ficado uma pessoa completamente diferente, com hábitos e costumes para mim estranhos.
Eu não me sentia Rebeca.
Eu era outra pessoa.
— Está tomando os medicamentos corretamente? — Ele pergunta, fazendo anotações — Se alimentar da forma mais saudável agora é essencial.
— Estou fazendo tudo que foi recomendado — Inclusive comer alimentos crus. Nunca gostei de legumes ou verduras, por ter uma vida agitada, sempre preferi comer comidas rápidas, prontas e que não tomassem muito meu tempo. Mas ali estava eu agora, comendo todo tipo de comida saudável e estranhando este fato, principalmente por descobrir que gostava de antepasto de beringela.
— Seus exames não deram nenhuma alteração, o que é maravilhoso — Ele ergue o olhar, encontrando o meu — Seu corpo está recebendo muito bem o transplante. Engulo em seco, me mexendo desconfortável na cadeira, continuando a mexer meu pé — Nos vemos daqui alguns dias, está bem? — Paro de mexer meu pé, me dando conta de que a consulta havia terminado e que já poderia ir embora e eu não queria ir.
Massageio o lado do meu novo coração, sentindo um aperto estranho, de separação. Franzo o cenho levantando, assentindo relutante. O que estava acontecendo comigo? E por quê ninguém conseguia me explicar?
Deixo o consultório em passos vagarosos, lutando contra a vontade de simplesmente ficar. Assim que Beth me vê, ela se levanta e vem ao meu encontro, passando as mãos em minhas costas, enquanto seu olhar preocupado me olhava com atenção.
— Está pálida — Comenta — Os exames não deram um bom resultado?
Entramos no elevador juntas, ela aperta o botão do térreo, voltando a me observar.
— Os exames não deram nenhuma alteração.
— Então... o que houve?
Franzo o cenho, passando as mãos pela minha cabeça, com aquela sensação de perca resistindo dentro de mim. E mais uma vez, não soube descrever tudo que estava sentindo e passando em minha mente, me afogando as vezes e me deixando à deriva. Não poderia ser apenas crises de ansiedade.
Por fim, balanço levemente a cabeça de um lado para o outro, preferindo encerrar aquela conversa. Parecia que mais que reunisse todas as palavras possíveis, não iria conseguir me expressar da melhor forma.
Atravessamos a recepção em direção da saída, o sol ainda brilhava do lado de fora das paredes gélidas e quase silenciosas. Um dia comum de outono, com folhas em tons de marrom voando por toda parte, trazendo do norte o vento gélido de fim de tarde.
Fecho o casaco cinza que vestia, assim que começamos a andar pela calçada, logo a frente havia uma cafeteria, na qual mais uma vez sem explicação, queria experimentar um dos cafés e guloseimas que havia ali.
Entretanto, antes que isso acontecesse, por estar distraída, sinto um corpo se trombar contra o meu. Automaticamente ergo a cabeça para o homem de terno alinhado em minha frente, esperando ouvir um pedido de desculpas, mas isso não saiu da boca dele, pelo contrário, ele continuou andando, como se pedir desculpas para uma desconhecida, não fosse importante.
— Rebeca — diz Beth, prestes a atravessar a rua, fazendo com que fizesse o mesmo e parasse de olhar para as costas do homem que se afastava.
— Quero dar o mundo para você — Uma voz masculina sussurrou perto do meu ouvido. A fragrância de seu perfume, estava impregnada em minhas narinas, indo pouco a pouco para mais fundo dentro de mim. Conhecia cada partícula daquele perfume, apesar de não ser um perfume que sentia em vários homens, eu conhecia e gostava do cheiro forte e ao mesmo tempo com um toque feminino. Não demora para sentir lábios em meu pescoço, suaves, trilhando um caminho invisível. Cada beijo trazia mais familiaridade e logo seus braços me envolviam, firmes, me transmitindo segurança. Me acolhendo. Juntando todos os milhares de pedaços que tinha de mim, espalhados, numa tentativa de me trazer de volta. Inspiro profundamente o perfume, sentindo meu corpo leve.— Não quero o mundo. Já tenho você — Ouço as palavras saírem da minha boca, como se não tivessem sido ditas por mim. Mas para mim soaram verdadeiras, era como se meu coração estivesse falando — Só... — Inspiro profundamente
— Seus exames, mais uma vez, não deram nenhuma alteração — diz o médico na minha frente, folheando a prancheta com algumas folhas. Num momento estava no jornal e depois, quando abro os olhos, me vejo em um quarto dez hospital parecido com o quarto que passei um ano.— Mas ela desmaiou — Beth argumenta, aparentemente ainda assustada — Achei que estivesse até morta.— O corpo dela ainda está se adaptando e dado aos últimos resultados dos exames, não há nada para se preocupar.— Onde estava o Dr. Harris? — pergunto com a voz firme, atraindo o par de olhos. Eu precisava ver ele, estava crente que se lhe dissesse o que estava acontecendo ou tentasse, com certeza ele me ajudaria.— Dr. Harris não está de plantão hoje — diz o médico de cabelos grisalhos, com um sorriso um pouco forçado — Mas eu estou e acredito que posso tirar todas suas dúvidas — Continuo sustentando o olhar dele, esperando que simplesmente me desse alta e fosse embora — E se não tiver, tudo bem também,
Inspiro profundamente o aroma do Cappuccino de Avelã, antes de o levar até os lábios e praticamente ir ao céu com o sabor. Nunca gostei de cappuccino, acreditava que só era mais um meio dos amantes de café, tomar mais café mas, desde que sai do hospital e vi a cafeteria que ficava na esquina, senti uma grande necessidade de ir até lá. E aqui estava eu, em um ambiente que cheirava apenas a café, com um pedaço generoso de bolo de limão, com meu notebook aberto, empolgada em escrever tudo que estava acontecendo no último mês. Volte e meia, alternava para a leitura da matéria sobre o experimento dos transplantados, enquanto dividia minha atenção com o relógio, já que faltava poucos minutos para o trabalho.“O fenômeno de memória celular, mesmo ainda não é considerado como 100% cientificamente validado, é apoiado por vários cientistas e médicos. Os comportamentos e emoções do doador adquiridas pelo receptor são devido a memórias combinatórias armazenadas nos
— Descobriu alguma coisa interessante? — Beth pergunta, se movimentando na cozinha estreita, preparando nosso jantar.— Bastante coisa, para ser mais exata. Minha pesquisa daquela noite, estava girando em torno de Brian Harris, o irmão gêmeo idêntico do Dr. Harris. Ambos nascidos com diferença de um minuto e alguns segundos, Brian sendo considerado pelos médicos o mais velho e até mesmo o bebê mais forte, enquanto o Dr. Harris, Jonah, precisou de cuidados após o nascimento. Havia uma verdadeira biografia sobre Brian Harris, incluindo fofocas nos tablóides em torno do casamento com a estilista Elena Mackenzie e sua morte. Apesar da vida do bilionário ser reservada e ele fazer de tudo para a manter dessa forma, sua esposa já não era assim, por causa do seu trabalho, vivia constantemente na mídia. O casal era como óleo e água.— Seus legumes a vapor — diz Beth, minutos mais tarde, colocando na minha frente um prato colorido com legumes e vegetais. Erg
Não era um dia diferente dos demais. O hospital Mayo Clinic era um dos melhores hospitais dos EUA, o que significava que uma quantidade grande da população o frequentava. Por ali havia o cheiro característico de anti- séptico, sussurros vindo dos corredores e da sala de espera, os sons dos intercomunicadores e quase que frequentemente os gritos dos enlutados. Nada parecia fora do comum, para o médico cirurgião residente, até que foi chamado de repente na sala de emergência, após minutos ao sair de uma cirurgia.O som familiar do intercomunicador soou pelos corredores, seguido por:— Chamando Dr. Harris, comparecer à emergência. Dr. Harris, comparecer à emergência — A voz suave e feminina, ainda repete o recado duas vezes, enquanto andava na direção a sala de cirurgia que havia acabado de ser ocupada. Mas ao entrar na sala, após se vestir novamente com a roupa cirúrgica com a ajuda de uma das enfermeiras, que iriam ajudar na cirurgia, simplesmente sente todo seu corpo parali