— Quero dar o mundo para você — Uma voz masculina sussurrou perto do meu ouvido. A fragrância de seu perfume, estava impregnada em minhas narinas, indo pouco a pouco para mais fundo dentro de mim.
Conhecia cada partícula daquele perfume, apesar de não ser um perfume que sentia em vários homens, eu conhecia e gostava do cheiro forte e ao mesmo tempo com um toque feminino.
Não demora para sentir lábios em meu pescoço, suaves, trilhando um caminho invisível. Cada beijo trazia mais familiaridade e logo seus braços me envolviam, firmes, me transmitindo segurança. Me acolhendo. Juntando todos os milhares de pedaços que tinha de mim, espalhados, numa tentativa de me trazer de volta.
Inspiro profundamente o perfume, sentindo meu corpo leve.
— Não quero o mundo. Já tenho você — Ouço as palavras saírem da minha boca, como se não tivessem sido ditas por mim. Mas para mim soaram verdadeiras, era como se meu coração estivesse falando — Só... — Inspiro profundamente o ar, o prendendo em meus pulmões, no exato momento em que procuro seus olhos e o encontro. Olhos verdes penetrantes, como as folhas das árvores no verão. Brilhavam intensamente, para mim, e isso fez com que algo transbordasse dentro de mim — não me deixe — Termino a frase, num murmúrio — Nunca.
Ele sorri, um sorriso estreito e tão contagiante, que senti meus lábios também repuxarem num sorriso.
— Nunca — Ele afirma, me puxando para si, deixando apenas alguns centímetros de distância entre nossos rostos, aonde não hesitou nem mais um segundo e aproximou os lábios dos meus, os cobrindo com os seus.
Me esquento rapidamente por dentro, enquanto sinto borboletas em meu estômago, sentido por um extâse jamais sentido antes. Me sentia novamente vivendo algo, que não me pertencia, como um telespectador.
O vazio me preencheu assim que abri meus olhos e encarei o papel de parede creme do quarto, lembrando com clareza do sonho, associando finalmente aqueles olhos à alguém, com a certeza de que já sabia a quem pertenciam.
O médico cardiologista.
Todo aquele tempo, praticamente um mês, desde que recebi o transplante, estava sonhando com os mesmos olhos verdes com o rosto borrado. Nunca conseguia ver o rosto com clareza, as vezes ele estava longe demais ou simplesmente não me concentrava em ver seu rosto mas, naquela noite foi diferente, estava tudo mais vívido, real, mal parecia ser um sonho. A impressão que tinha era que estava acordada, tendo uma conversa com outra pessoa.
E não diferente das outras vezes, continuei me questionando. Questionando o por quê daqueles sonhos estranhos e completamente sem nexos, o por quê dos olhos verdes e por quê o cardiologista. Ao mesmo tempo que tudo fazia algum sentido para mim, não fazia sentido algum.
Havia algumas horas que havia amanhecido e aquela vontade de caminhar logo cedo, cresceu dentro de mim e me vi saindo pela porta após me agasalhar. Enquanto andava, encontrei um casal correndo no mesmo ritmo, uma senhora passeando com seu cachorro idoso e pessoas saindo para trabalhar.
Desde que havia recebido alta, não havia parado para pensar em retomar minha vida de onde parou. Voltar a trabalhar com jornalismo, mas já não sentia que minha aptidão era essa. Depois da cirurgia, comecei a fazer alguns rabisco alguém que nunca desenhava, meus desenhos até que conseguiam causar uma certa paz dentro de mim. Isto fez com que ponderasse a ideia de estudar arte e design, pintar ...já que minha fascinação por cores, chegava a me assustar.
Na volta para o apartamento, acabei comprando algumas tintas e telas, me sentia indecisa enquanto carregava as sacolas para casa, em dúvida se deveria ou não dar importância a todos os pensamentos estranhos que surgiam agora em minha mente.
Abro a porta do apartamento, sendo recebida no mesmo instante pelo cheiro de café, concluindo que Beth já deveria estar acordada.
— Foi andar de novo — Ela pergunta, ainda vestida em seu roupão, no instante em que entro na cozinha — E já fez compras.
— São só algumas telas — digo sem dar muita importância.
— E... — Ela para por um instante de se mover, me olhando — desde quando você pinta? — Dou de ombros.
— Faço alguns rabiscos — Não esperando que ela continuasse aquela conversa, deixo a cozinha após pegar uma caneca de café.
De volta no meu quarto, deixo as telas sobre a escrivaninha, me preparando para retomar minha vida de onde havia parado, mesmo com todos aqueles questionamentos.
Trabalhar em um grande jornal, sempre foi meu sonho, talvez desde criança. Sempre fui diferente das outras crianças, preferia ler, invés de perder algumas horas brincando, escrever, invés de televisão e assim por diante; Adorava quando ganhava livros no meu aniversário e sonhava um dia poder escrever meu próprio livro.
Este sonho continuou dentro de mim, ao passar dos anos continuei o cultivando, entrei para a universidade e mesmo antes de terminar consegui um estágio no Rochester Post e acreditei que havia me encontrado finalmente e que ali era meu lugar. Mas só bastou um pequeno mal estar no trabalho, para mudar toda a minha vida.
A agitação era uma característica comum daquele jornal, ver pessoas andando de um lado para outro, atendendo telefones e fazendo ligações, era algo completamente comum. Entretanto, estar praticamente no olho do furacão, não estava sendo nada comum para mim. Só fazia eu querer fugir dali.
— Oi, Rebeca — diz Ane ao passar por mim, com algumas pastas.
— Seja bem vinda de volta — diz outra, indo na direção contrária.
Beth já não estava ao meu lado quando a procurei, conversava sobre algo com mais dois colegas de trabalho, enquanto folheava alguma coisa referente alguma matéria. Ao notar mais uma vez que todos estavam ocupados, menos eu, decido ir até a minha mesa, notando a primeira vista o quanto estava empoeirada, o que acabou me obrigando a começar a limpar e organizar tudo que estava ali.
Foi neste momento, que tive uma espécie de D’javú ou algo semelhante, já que ao pegar um porta-retrato vazio que havia sobre a minha mesa, após uma desilusão amorosa que o fez ficar vazio; Que tenho um vislumbre de uma fotografia ali, uma mulher vestida de branco, de noiva , ao lado de um homem vestido de noivo. Ele era mais alto que ela, mas não deixavam de ser um casal chamativo, elegante.
Mas ter esse vislumbre me trouxe sensações que não estavam ali naquele momento, me senti amargurada e até mesmo rancorosa, era como se estivesse borbulhando de um sentimento que me autodestruía e que ao mesmo tempo me anulava.
Fecho meus olhos com força, soltando abruptamente o objeto, me dando conta mais uma vez de que aqueles sentimentos não me pertenciam, que novamente estava sendo a telespectadora de alguma coisa.
Quando o meu peito começa a doer, sinto que há algo de errado, já que não sentia tal dor com frequência. Minha visão se torna turva e a imagem de antes se fixa em minha mente, como um maldito lembrete. Tento me sentar na cadeira ao lado, mas acabo não conseguindo.
Meu corpo cai num baque surdo no chão, chamando atenção das pessoas que estavam ao meu redor, que não hesitam em se colocar ao meu redor, tentando descobrir o quê estavam acontecendo.
— Deixa eu passar! — Ouço Beth gritar e segundos depois, ela se coloca ao meu lado, com suas mãos me tocando frenéticamente — Beca! Está me ouvindo?! — Não conseguia responder, meu peito doía. Cada batida era dolorosa, impossibilitando que eu conseguisse respirar — Alguém chama a ambulância!! — Ela grita dessa vez mais alto, olhando para o dobro de pessoas que havia ao nosso redor.
A imagem continuava vivida em minha mente, cada detalhe do vestido bordado e com dourado. O buquê era maior que o tradicional, lembrava uma cachoeira colorida, além disso a noiva não sorria como a maioria das noivas, tinha um sorriso contido. Já o noivo...
Tento respirar fundo pela boca, fechando meus punhos com força quando não consigo. Ele me era mais do que familiar, mesmo eu não conseguindo ver seu rosto com clareza, eu sabia que havia algo de errado com ele.
Beth continuou gritando mais algumas palavras, exigindo que alguém fizesse alguma coisa e que me ajudasse. Sua voz pouco a pouco se tornava distante e a única coisa que ficava mais clara em meus ouvidos, era as batidas do meu coração. Tum-tum...dessa vez fora de ritmo, lentas, mas altas e nítidas. Eu queria entender o quê queria me falar, entender o por quê que estava sendo assombrada por ele.
Quando minhas pálpebras se tornam pesadas, não luto contra elas, não resisto, me entrego a escuridão e ao silêncio.
— Seus exames, mais uma vez, não deram nenhuma alteração — diz o médico na minha frente, folheando a prancheta com algumas folhas. Num momento estava no jornal e depois, quando abro os olhos, me vejo em um quarto dez hospital parecido com o quarto que passei um ano.— Mas ela desmaiou — Beth argumenta, aparentemente ainda assustada — Achei que estivesse até morta.— O corpo dela ainda está se adaptando e dado aos últimos resultados dos exames, não há nada para se preocupar.— Onde estava o Dr. Harris? — pergunto com a voz firme, atraindo o par de olhos. Eu precisava ver ele, estava crente que se lhe dissesse o que estava acontecendo ou tentasse, com certeza ele me ajudaria.— Dr. Harris não está de plantão hoje — diz o médico de cabelos grisalhos, com um sorriso um pouco forçado — Mas eu estou e acredito que posso tirar todas suas dúvidas — Continuo sustentando o olhar dele, esperando que simplesmente me desse alta e fosse embora — E se não tiver, tudo bem também,
Inspiro profundamente o aroma do Cappuccino de Avelã, antes de o levar até os lábios e praticamente ir ao céu com o sabor. Nunca gostei de cappuccino, acreditava que só era mais um meio dos amantes de café, tomar mais café mas, desde que sai do hospital e vi a cafeteria que ficava na esquina, senti uma grande necessidade de ir até lá. E aqui estava eu, em um ambiente que cheirava apenas a café, com um pedaço generoso de bolo de limão, com meu notebook aberto, empolgada em escrever tudo que estava acontecendo no último mês. Volte e meia, alternava para a leitura da matéria sobre o experimento dos transplantados, enquanto dividia minha atenção com o relógio, já que faltava poucos minutos para o trabalho.“O fenômeno de memória celular, mesmo ainda não é considerado como 100% cientificamente validado, é apoiado por vários cientistas e médicos. Os comportamentos e emoções do doador adquiridas pelo receptor são devido a memórias combinatórias armazenadas nos
— Descobriu alguma coisa interessante? — Beth pergunta, se movimentando na cozinha estreita, preparando nosso jantar.— Bastante coisa, para ser mais exata. Minha pesquisa daquela noite, estava girando em torno de Brian Harris, o irmão gêmeo idêntico do Dr. Harris. Ambos nascidos com diferença de um minuto e alguns segundos, Brian sendo considerado pelos médicos o mais velho e até mesmo o bebê mais forte, enquanto o Dr. Harris, Jonah, precisou de cuidados após o nascimento. Havia uma verdadeira biografia sobre Brian Harris, incluindo fofocas nos tablóides em torno do casamento com a estilista Elena Mackenzie e sua morte. Apesar da vida do bilionário ser reservada e ele fazer de tudo para a manter dessa forma, sua esposa já não era assim, por causa do seu trabalho, vivia constantemente na mídia. O casal era como óleo e água.— Seus legumes a vapor — diz Beth, minutos mais tarde, colocando na minha frente um prato colorido com legumes e vegetais. Erg
— Poderia ser pior — diz Beth, naquela noite, após horas atrás eu ter sido praticamente expulsa da sede da empresa de Brian Harris. Acredito que meu otimismo não permitiu que eu enxergasse, que a situação era mais complicada do que eu pensava. Sim, realmente era, pois as chances de Brian Harris falar com uma jornalista, comigo nesse caso, era quase que nulas.— Vou pensar em alguma coisa — murmuro pensativa.— Ou pode dizer ao Frank mandar outra pessoa — Seria a opção mais viável naquele momento, entretanto, queria mostrar meu valor, que apesar de todo aquele tempo afastada, ainda conseguia fazer meu trabalho com excelência — Você não tem que ir — Ela faz questão de lembrar.— Mas eu quero ir — digo com a mudança rápida de humor, deixando o cômodo. Assim que entro no meu quarto, começo a me sentir inquieto, como se estivesse inutilizada e Beth tivesse razão, era uma grande responsabilidade para mim e é claro que Frank poderia até estar esperando que eu não cons
O dia definitivamente não havia começado muito bem para mim, além de estar vivenciando na pele sensações de outra pessoa, ainda tinha que lidar com a forte crise de ansiedade que aconteceu em seguida, me fazendo chegar atrasada no trabalho. E antes mesmo que pudesse me refugiar em minha mesa, Frank sentiu meu cheiro e com um gesto simples, mas claro, me chamou para sua sala.— Frank — digo ao entrar no recinto, permanecendo em pé, em frente as duas cadeiras de madeira vernizada.— O que pedi a você? — Ele pergunta sério, me fazendo lembrar de um dos professores que tinha na adolescência, no qual todos temiam por ser uma pessoa séria e autoritária.— Uma entrevista com Brian Harris — digo em tom baixo, temendo que a resposta não fosse aquela.— E por que trouxe um processo para o jornal?! — Ele eleva a voz abruptamente, batendo na mesa.— Um processo? — Repito, duvidando do que acabara de ouvir.— É. Um processo — diz sarcástico — Brian Harris decidiu nos processa
— With all my favorite colors, yes, sir. All my favorite colors, right on. My sisters and my brothers. See ‘em like no other. All my favorite colors — Cantava a plenos pulmões, parecendo de alguma forma, colocar aquela canção de um jeito ou de outro para fora de mim. Sentia que depois de tudo que aconteceu no dia anterior, estava energizada, mesmo acreditando que aquele não seria o normal de qualquer outro ser humano.Mas só bastou abrir os olhos naquela manhã, tomar um banho que...bum! Uma música surgiu sorrateiramente em minha mente e quando me dei conta, estava cantarolando uma música desconhecida e após uma rápida pesquisa, descobri o nome da banda e o nome da música. Na cozinha, me movia de um lado para o outro, quase que no ritmo da música, com a sensação de que já havia vivido aquele dia, aquele momento. Meu corpo desacelera em questão de segundos e meus olhos se fixam no vazio. Quase que automáticamente, um cheiro contraditório ao que estava na c
Dr. Harris me olha aparentemente confuso, parecendo estar processando o que havia acabado de dizer.— O que foi que disse? — Ele pergunta finalmente, num tom baixo hesitante. Engulo em seco, notando que o silêncio havia predominado naquele ambiente, não dava nem para escutar as respirações que haviam ali.— Eu. Estou. Com. O. Coração. De... — digo pausadamente, levando — Elena Mackenzie. Os olhos dele se tornam vidrados, enquanto os fixa no vazio, processando as minhas palavras. Por um momento, ele empalidece e até temo que estivesse sentindo alguma coisa.— Senta aí! — diz o segurança, me empurrando para a cadeira.— Tira a mão de mim! — digo elevando a voz, olhando dentro dos olhos dele que, no mesmo instante, tenta me fazer sentar novamente.— Ei. Calma — diz Dr. Harris, se colocando entre nós, fazendo com que o segurança se afastasse de mim — Ela ainda está se recuperando de uma cirurgia e é paciente deste hospital, então se não for medico, por gentileza, tire
— Você não pode estar falando estar falando sério — diz Beth, enquanto preencho a mala sobre a cama com roupas. Havia dado uma rápida olhada no clima no interior Minnessota e não havia muita diferença com o clima de Rochester, só estava dois graus abaixo — Ir atrás dos pais de Elena Mackenzie! Não poderia negar que aquela decisão havia sido tomada de última hora ou melhor, após o breve café com Jonah. Por alguma razão, ele havia despertado ainda mais a minha curiosidade, precisava saber mais sobre Elena e mesmo que eu já tivesse explicado para Beth, que a minha doadora era a esposa falecida de Brian Harris, ela ainda continuava a achar que era uma péssima ideia. Continuo arrumando minha mala, sem saber se estava colocando roupa demais ou roupa de menos, nunca fui muito boa em fazer malas e sempre esquecia do essencial e isto me fazia odiar viagens. A única coisa que sabia e que estava levando naquela mala, era a minha vontade crescente de decifrar a vida d