Inspiro profundamente o aroma do Cappuccino de Avelã, antes de o levar até os lábios e praticamente ir ao céu com o sabor.
Nunca gostei de cappuccino, acreditava que só era mais um meio dos amantes de café, tomar mais café mas, desde que sai do hospital e vi a cafeteria que ficava na esquina, senti uma grande necessidade de ir até lá.
E aqui estava eu, em um ambiente que cheirava apenas a café, com um pedaço generoso de bolo de limão, com meu notebook aberto, empolgada em escrever tudo que estava acontecendo no último mês.
Volte e meia, alternava para a leitura da matéria sobre o experimento dos transplantados, enquanto dividia minha atenção com o relógio, já que faltava poucos minutos para o trabalho.
“O fenômeno de memória celular, mesmo ainda não é considerado como 100% cientificamente validado, é apoiado por vários cientistas e médicos. Os comportamentos e emoções do doador adquiridas pelo receptor são devido a memórias combinatórias armazenadas nos neurônios do órgão doado. Transplantes de coração são os mais suscetíveis à memória celular onde o receptor do órgão experimenta uma mudança no coração. Em um estudo publicado na revista Quality of Life Research, os pesquisadores entrevistaram 47 pacientes que receberam transplante de coração em um período de 2 anos em Viena na Austria. Os pesquisadores verificaram que 79% dos pacientes não perceberam que a personalidade havia mudado após a cirurgia, 15% perceberam uma mudança na personalidade devido à situação de ameaça a vida e 6% confirmaram que uma mudança drástica na personalidade ocorreu com o novo coração. Mesmo que a porcentagem da mudança de personalidade devido ao novo coração ainda seja pequena, mais pesquisas foram feitas para validar a existência deste conceito.”
Tomo mais um gole da bebida, convicta de que poderia facilmente fazer parte dessa porcentagem, todos os “sintomas”, estavam em mim.
Após guardar o notebook de volta na bolsa, caminho até o balcão na intenção de pedir outro café, mas para a viagem.
— Gostaria de outro Cappuccino de Avelã, para viagem — digo assim que os olhos da atendente, recaem sobre mim. A mesma assenti e se afasta, para preparar a bebida — Com gelo! — Dito elevando um pouco a voz, a vendo me olhar por cima do ombro e assentir.
Olho para o lado, assim que sinto uma presença masculina maior que eu, exalando um perfume que eu conhecia muito bem. Ou que pelo menos achava.
Dr. Harris demora para notar meu olhar, pois pelo o que parecia, estava checando e— mails. Só que não demora para isso acontecer e como um imã, ele olha diretamente para mim, dentro dos meus olhos.
— Nós nos... — diz ele devagar, pronto para fazer uma afirmação.
— Sou sua paciente, Dr. Harris — digo no mesmo instante — Rebeca Barker.
Um sorriso singelo surge em seu rosto, enquanto passa a mão pelo cabelo.
— Você falou do meu cabelo.
Olho para seu cabelo com atenção, notando que dessa vez estava penteado para trás cuidadosamente, invés para o lado direito, algo que claramente não combinava com seu rosto.
— E está bem melhor assim — O sorriso persiste em seu rosto e isto meio que aquece meu coração.
— E você está se sentindo bem?
— Cappuccino de Avelã com gelo — diz a atendente, colocando sobre o balcão um copo generoso da bebida, que não hesito em pagar.
Dr. Harris me olha com atenção, ou melhor, para a bebida em questão e poderia jurar que seus olhos lacrimejaram.
— Gosta de Cappuccino de Avelã? — Ele pergunta num tom nostálgico, receoso.
— Não costumava gostar. A verdade que... — Suspiro — nunca gostei de café. Depois da cirurgia não só ganhei um coração novo, como outros pequenos detalhes.
Ele inclina a cabeça para o lado, com o cenho franzido, parecendo interessado no que estava dizendo.
— As crises de ansiedade continuam?
— Não acho que sejam bem crises de ansiedade, Dr. Harris. É algo mais intenso do que isso com certeza — Olhando para o relógio percebo que se não saísse naquele momento, iria me atrasar. E mesmo eu não querendo ir, preferindo ficar ali, puxando conversa com meu médico cardiologista, precisava ir — Leia esta matéria, que irá entender o que estou falando — digo após anotar em um guardanapo as informações necessárias para ele encontrar no site de buscas.
Dr. Harris fica encarando o papel enquanto deixo a cafeteria em busca de um táxi, indo contra meus gostos de ficar em casa, reclusa, pintando ou desenhando. Minutos mais tarde, após enfrentar um trânsito para lá de caótico, chego no Rochester Post, encontrando ali a mesma agitação rotineira.
Ainda me achando um peixe fora d’água, acreditando que ali não era meu lugar, caminho até a minha mesa, começando a me preparar mentalmente para o dia de trabalho que se começava depois de tanto tempo. É quando noto que meu chefe, Frank, me chamava da porta de sua sala.
Prendendo o ar, caminho em sua direção. Talvez aquele fosse o dia que eu fosse receber minha demissão.
— Não esperava ver você aqui hoje — diz ele, entrando na sala, caminhando para atrás de sua mesa abarrotada de papéis e pastas — Como está se sentindo? Deu um grande susto em todos nós ontem.
— Eu estou bem, obrigada — Solto o ar lentamente dos meus pulmões — Ainda me recuperando da cirurgia.
— Um tanto delicada por sinal — Ele cruza as mãos sobre a mesa — Se precisar mais de mais tempo em casa, poderá trabalhar em home office.
Apesar de querer trabalha do conforto do meu apartamento e no meu tempo, sabia que não poderia ficar protelando minha vida para o trabalho, minha rotina, mesmo que isso fosse estressante para mim, mas era o que eu costumava gostar, o que eu costumava gostar de fazer.
— Está tudo bem — digo sorrindo sem mostrar os dentes — Quer dizer, eu estou bem, pronta para voltar a trabalhar.
Ele sorri em concordância, mostrando seus dentes manchados pelas xícaras constantes de café.
— E já que uma das minhas melhores jornalistas está de volta, nada melhor que um trabalho importante — Inspiro profundamente, pronta para o que ele tinha em mente — Conseguir uma entrevista com Brian Harris, o bilionário recluso, que se limita em falar com a impressa. Mas que sabemos que é o mais novo bilionário de manufaturas e investimentos.
O tempo que eu fiquei no hospital, me deixou completamente fora dos últimos acontecimentos, inclusive que havia mais um novo bilionário em Rochester.
— E como vou fazer isso? — Frank já havia deixado claro que Brian não gostava da imprensa, o que poderia fazer ele conversar com uma jornalista?
Ele dá de ombros, deixando claro que não queimaria seus neurônios pensando por mim.
— Terá que usar seus métodos jornalísticos — E foi exatamente o que pensei, digo franzindo os lábios e os movendo de um lado para o outro — Quero essa matéria até o final da outra semana — Ele aponta o dedo indicador para mim — Nem um dia a mais.
Assinto por fim, relutante, sem certeza alguma de que conseguiria algo que para Frank poderia ser impossível, mas era bem possível.
De volta para a minha mesa, sentada em minha cadeira que não era uma das melhores, fixo meu olhar no vazio pensativa.
— O que Frank queria? — diz Beth, perto da mesa, segurando algumas folhas.
— Uma entrevista com Brian Harris.
Silêncio.
Não estava esperando por outra reação mesmo, ele até mesmo conseguiu essa reação de mim.
— Ele...! — Ela se detém no mesmo instante, olhando para a porta da sala de Frank fechada — Porquê logo você?
— Ele alegou que sou uma das suas melhores jornalistas.
— Ele diz isso para todo mundo, quando quer colocar a pele de alguém no fogo — Ela argumenta séria, soltando fortes lufadas de ar pela boca — E já pensou em como vai fazer?
— Não — Me inclino para frente, abrindo o navegador no computador — Na verdade, não sei nem de quem estamos falando.
Clico em pesquisar, após escrever Brian Harris e imediatamente aparece em minha frente...
Beth se inclina sobre mim, olhando para a tela do computador com o cenho franzido.
— Este não é o seu cardiologista? — pergunta perplexa.
Tudo indicava que sim, era o Dr. Harris, que coincidentemente tinha o mesmo sobrenome do Brian Harris e que era sua cópia fiel.
— Eles são gêmeos — Concluo após longos segundos de silêncio entre nós duas — O meu médico e o bilionário Brian Harris, são gêmeos — Reforço convicta.
— Mais que merda — diz ela baixo, endireitando a postura.
Antes de se afastar, Beth ainda diz alguma coisa, mais não escuto, pois estou encarando Brian Harris e coincidentemente lembrando do esbarrão que ele me deu perto do hospital. Além do ressentimento pelo esbarrão e pela falta de ouvir um pedido de desculpas vindo da parte dele, sentia algo difícil de se decifrar. Era o sentimento de revolta.
— Descobriu alguma coisa interessante? — Beth pergunta, se movimentando na cozinha estreita, preparando nosso jantar.— Bastante coisa, para ser mais exata. Minha pesquisa daquela noite, estava girando em torno de Brian Harris, o irmão gêmeo idêntico do Dr. Harris. Ambos nascidos com diferença de um minuto e alguns segundos, Brian sendo considerado pelos médicos o mais velho e até mesmo o bebê mais forte, enquanto o Dr. Harris, Jonah, precisou de cuidados após o nascimento. Havia uma verdadeira biografia sobre Brian Harris, incluindo fofocas nos tablóides em torno do casamento com a estilista Elena Mackenzie e sua morte. Apesar da vida do bilionário ser reservada e ele fazer de tudo para a manter dessa forma, sua esposa já não era assim, por causa do seu trabalho, vivia constantemente na mídia. O casal era como óleo e água.— Seus legumes a vapor — diz Beth, minutos mais tarde, colocando na minha frente um prato colorido com legumes e vegetais. Erg
Não era um dia diferente dos demais. O hospital Mayo Clinic era um dos melhores hospitais dos EUA, o que significava que uma quantidade grande da população o frequentava. Por ali havia o cheiro característico de anti- séptico, sussurros vindo dos corredores e da sala de espera, os sons dos intercomunicadores e quase que frequentemente os gritos dos enlutados. Nada parecia fora do comum, para o médico cirurgião residente, até que foi chamado de repente na sala de emergência, após minutos ao sair de uma cirurgia.O som familiar do intercomunicador soou pelos corredores, seguido por:— Chamando Dr. Harris, comparecer à emergência. Dr. Harris, comparecer à emergência — A voz suave e feminina, ainda repete o recado duas vezes, enquanto andava na direção a sala de cirurgia que havia acabado de ser ocupada. Mas ao entrar na sala, após se vestir novamente com a roupa cirúrgica com a ajuda de uma das enfermeiras, que iriam ajudar na cirurgia, simplesmente sente todo seu corpo parali
Mexo freneticamente a minha perna cruzada, concluindo mais uma vez o desconforto que a cadeira que estava causando. Ao meu lado, Beth parecia bastante a vontade no ambiente hospitalar, enquanto lia uma das revistas que encontrou numa pilha ao lado. Não conseguia entender como alguém conseguia se sentir tão...bem. Talvez a minha aversão a hospitais, estivesse complicando tudo, já que o último ano, o Mayo Clinic se tornou minha casa, enquanto estava ligada à uma máquina LVAD, esperando um transplante de coração. Toda noite eu driblava ao máximo o sono, tentava ficar acordada até o amanhecer, com medo de que se dormisse, não pudesse acordar no dia seguinte; E quando acordava na manhã seguinte e via o sol querendo entrar pelas cortinas, sentia que tinha mais uma chance, que aquele poderia ser o dia ou não, que receberia um coração novo. Durante um ano, essa foi a minha rotina, torcer para estar viva no dia seguinte, esperançosa de que o coração que me salvari
— Quero dar o mundo para você — Uma voz masculina sussurrou perto do meu ouvido. A fragrância de seu perfume, estava impregnada em minhas narinas, indo pouco a pouco para mais fundo dentro de mim. Conhecia cada partícula daquele perfume, apesar de não ser um perfume que sentia em vários homens, eu conhecia e gostava do cheiro forte e ao mesmo tempo com um toque feminino. Não demora para sentir lábios em meu pescoço, suaves, trilhando um caminho invisível. Cada beijo trazia mais familiaridade e logo seus braços me envolviam, firmes, me transmitindo segurança. Me acolhendo. Juntando todos os milhares de pedaços que tinha de mim, espalhados, numa tentativa de me trazer de volta. Inspiro profundamente o perfume, sentindo meu corpo leve.— Não quero o mundo. Já tenho você — Ouço as palavras saírem da minha boca, como se não tivessem sido ditas por mim. Mas para mim soaram verdadeiras, era como se meu coração estivesse falando — Só... — Inspiro profundamente
— Seus exames, mais uma vez, não deram nenhuma alteração — diz o médico na minha frente, folheando a prancheta com algumas folhas. Num momento estava no jornal e depois, quando abro os olhos, me vejo em um quarto dez hospital parecido com o quarto que passei um ano.— Mas ela desmaiou — Beth argumenta, aparentemente ainda assustada — Achei que estivesse até morta.— O corpo dela ainda está se adaptando e dado aos últimos resultados dos exames, não há nada para se preocupar.— Onde estava o Dr. Harris? — pergunto com a voz firme, atraindo o par de olhos. Eu precisava ver ele, estava crente que se lhe dissesse o que estava acontecendo ou tentasse, com certeza ele me ajudaria.— Dr. Harris não está de plantão hoje — diz o médico de cabelos grisalhos, com um sorriso um pouco forçado — Mas eu estou e acredito que posso tirar todas suas dúvidas — Continuo sustentando o olhar dele, esperando que simplesmente me desse alta e fosse embora — E se não tiver, tudo bem também,