Não era um dia diferente dos demais. O hospital Mayo Clinic era um dos melhores hospitais dos EUA, o que significava que uma quantidade grande da população o frequentava. Por ali havia o cheiro característico de anti- séptico, sussurros vindo dos corredores e da sala de espera, os sons dos intercomunicadores e quase que frequentemente os gritos dos enlutados. Nada parecia fora do comum, para o médico cirurgião residente, até que foi chamado de repente na sala de emergência, após minutos ao sair de uma cirurgia.O som familiar do intercomunicador soou pelos corredores, seguido por:— Chamando Dr. Harris, comparecer à emergência. Dr. Harris, comparecer à emergência — A voz suave e feminina, ainda repete o recado duas vezes, enquanto andava na direção a sala de cirurgia que havia acabado de ser ocupada. Mas ao entrar na sala, após se vestir novamente com a roupa cirúrgica com a ajuda de uma das enfermeiras, que iriam ajudar na cirurgia, simplesmente sente todo seu corpo parali
Mexo freneticamente a minha perna cruzada, concluindo mais uma vez o desconforto que a cadeira que estava causando. Ao meu lado, Beth parecia bastante a vontade no ambiente hospitalar, enquanto lia uma das revistas que encontrou numa pilha ao lado. Não conseguia entender como alguém conseguia se sentir tão...bem. Talvez a minha aversão a hospitais, estivesse complicando tudo, já que o último ano, o Mayo Clinic se tornou minha casa, enquanto estava ligada à uma máquina LVAD, esperando um transplante de coração. Toda noite eu driblava ao máximo o sono, tentava ficar acordada até o amanhecer, com medo de que se dormisse, não pudesse acordar no dia seguinte; E quando acordava na manhã seguinte e via o sol querendo entrar pelas cortinas, sentia que tinha mais uma chance, que aquele poderia ser o dia ou não, que receberia um coração novo. Durante um ano, essa foi a minha rotina, torcer para estar viva no dia seguinte, esperançosa de que o coração que me salvari
— Quero dar o mundo para você — Uma voz masculina sussurrou perto do meu ouvido. A fragrância de seu perfume, estava impregnada em minhas narinas, indo pouco a pouco para mais fundo dentro de mim. Conhecia cada partícula daquele perfume, apesar de não ser um perfume que sentia em vários homens, eu conhecia e gostava do cheiro forte e ao mesmo tempo com um toque feminino. Não demora para sentir lábios em meu pescoço, suaves, trilhando um caminho invisível. Cada beijo trazia mais familiaridade e logo seus braços me envolviam, firmes, me transmitindo segurança. Me acolhendo. Juntando todos os milhares de pedaços que tinha de mim, espalhados, numa tentativa de me trazer de volta. Inspiro profundamente o perfume, sentindo meu corpo leve.— Não quero o mundo. Já tenho você — Ouço as palavras saírem da minha boca, como se não tivessem sido ditas por mim. Mas para mim soaram verdadeiras, era como se meu coração estivesse falando — Só... — Inspiro profundamente
— Seus exames, mais uma vez, não deram nenhuma alteração — diz o médico na minha frente, folheando a prancheta com algumas folhas. Num momento estava no jornal e depois, quando abro os olhos, me vejo em um quarto dez hospital parecido com o quarto que passei um ano.— Mas ela desmaiou — Beth argumenta, aparentemente ainda assustada — Achei que estivesse até morta.— O corpo dela ainda está se adaptando e dado aos últimos resultados dos exames, não há nada para se preocupar.— Onde estava o Dr. Harris? — pergunto com a voz firme, atraindo o par de olhos. Eu precisava ver ele, estava crente que se lhe dissesse o que estava acontecendo ou tentasse, com certeza ele me ajudaria.— Dr. Harris não está de plantão hoje — diz o médico de cabelos grisalhos, com um sorriso um pouco forçado — Mas eu estou e acredito que posso tirar todas suas dúvidas — Continuo sustentando o olhar dele, esperando que simplesmente me desse alta e fosse embora — E se não tiver, tudo bem também,
Inspiro profundamente o aroma do Cappuccino de Avelã, antes de o levar até os lábios e praticamente ir ao céu com o sabor. Nunca gostei de cappuccino, acreditava que só era mais um meio dos amantes de café, tomar mais café mas, desde que sai do hospital e vi a cafeteria que ficava na esquina, senti uma grande necessidade de ir até lá. E aqui estava eu, em um ambiente que cheirava apenas a café, com um pedaço generoso de bolo de limão, com meu notebook aberto, empolgada em escrever tudo que estava acontecendo no último mês. Volte e meia, alternava para a leitura da matéria sobre o experimento dos transplantados, enquanto dividia minha atenção com o relógio, já que faltava poucos minutos para o trabalho.“O fenômeno de memória celular, mesmo ainda não é considerado como 100% cientificamente validado, é apoiado por vários cientistas e médicos. Os comportamentos e emoções do doador adquiridas pelo receptor são devido a memórias combinatórias armazenadas nos
— Descobriu alguma coisa interessante? — Beth pergunta, se movimentando na cozinha estreita, preparando nosso jantar.— Bastante coisa, para ser mais exata. Minha pesquisa daquela noite, estava girando em torno de Brian Harris, o irmão gêmeo idêntico do Dr. Harris. Ambos nascidos com diferença de um minuto e alguns segundos, Brian sendo considerado pelos médicos o mais velho e até mesmo o bebê mais forte, enquanto o Dr. Harris, Jonah, precisou de cuidados após o nascimento. Havia uma verdadeira biografia sobre Brian Harris, incluindo fofocas nos tablóides em torno do casamento com a estilista Elena Mackenzie e sua morte. Apesar da vida do bilionário ser reservada e ele fazer de tudo para a manter dessa forma, sua esposa já não era assim, por causa do seu trabalho, vivia constantemente na mídia. O casal era como óleo e água.— Seus legumes a vapor — diz Beth, minutos mais tarde, colocando na minha frente um prato colorido com legumes e vegetais. Erg
— Poderia ser pior — diz Beth, naquela noite, após horas atrás eu ter sido praticamente expulsa da sede da empresa de Brian Harris. Acredito que meu otimismo não permitiu que eu enxergasse, que a situação era mais complicada do que eu pensava. Sim, realmente era, pois as chances de Brian Harris falar com uma jornalista, comigo nesse caso, era quase que nulas.— Vou pensar em alguma coisa — murmuro pensativa.— Ou pode dizer ao Frank mandar outra pessoa — Seria a opção mais viável naquele momento, entretanto, queria mostrar meu valor, que apesar de todo aquele tempo afastada, ainda conseguia fazer meu trabalho com excelência — Você não tem que ir — Ela faz questão de lembrar.— Mas eu quero ir — digo com a mudança rápida de humor, deixando o cômodo. Assim que entro no meu quarto, começo a me sentir inquieto, como se estivesse inutilizada e Beth tivesse razão, era uma grande responsabilidade para mim e é claro que Frank poderia até estar esperando que eu não cons
O dia definitivamente não havia começado muito bem para mim, além de estar vivenciando na pele sensações de outra pessoa, ainda tinha que lidar com a forte crise de ansiedade que aconteceu em seguida, me fazendo chegar atrasada no trabalho. E antes mesmo que pudesse me refugiar em minha mesa, Frank sentiu meu cheiro e com um gesto simples, mas claro, me chamou para sua sala.— Frank — digo ao entrar no recinto, permanecendo em pé, em frente as duas cadeiras de madeira vernizada.— O que pedi a você? — Ele pergunta sério, me fazendo lembrar de um dos professores que tinha na adolescência, no qual todos temiam por ser uma pessoa séria e autoritária.— Uma entrevista com Brian Harris — digo em tom baixo, temendo que a resposta não fosse aquela.— E por que trouxe um processo para o jornal?! — Ele eleva a voz abruptamente, batendo na mesa.— Um processo? — Repito, duvidando do que acabara de ouvir.— É. Um processo — diz sarcástico — Brian Harris decidiu nos processa