Respirei fundo e, mantendo a compostura, dei minha ordem à minha avó:— Vovó, vá até Alexander com seu celular e coloque-me no viva-voz.Ela arfou, claramente entretida com minha ideia.— Finalmente decidiu usar o cérebro, hein?Imaginei minha avó avançando com a rapidez de um vendaval em direção ao casal. E lá estava ela, colocando-se entre os dois como um general em campo de batalha, soltando:— Alexander, sua esposa quer falar com você.O silêncio do outro lado era tão sólido que podia se partir em pedaços. Suspirei, lembrando que minha avó e tecnologia não se davam muito bem — para aprender a deslizar o dedo e atender uma chamada, foram meses de luta. Mas, fosse sorte ou o destino me ajudando, o silêncio seguia, indicando que eu havia sido ouvida. Aproveitei e soltei:— Senhor Speredo, por acaso autorizei você a transformar meu apartamento em seu armário? Porque suas coisas estão espalhadas pela minha sala de estar como se fosse sua. Está planejando trazer o guarda-roupa inteiro
No passado, quando o deixei, eu estava tão cega de raiva que mal conseguia pensar direito. Meu coração parecia um campo de batalha, e a dor era crua, gritante. Mas agora, três anos depois, tudo o que resta são cicatrizes — elas não doem, mas também nunca somem. Conversar com Alexander hoje é quase como falar com um estranho. A mágoa perdeu o impacto, coberta pela neblina do esquecimento, então consigo falar sobre divórcio sem me debulhar em lágrimas ou berrar.Do outro lado da linha, o silêncio dele dizia muito. Eu quase desliguei, satisfeita com o que havia dito, quando a voz de Alexander emergiu do jeito mais calculado.— E se for eu quem não quiser te deixar ir? Como você pretende me convencer a aceitar o divórcio?— Senhor Speredo! Você não tem respeito próprio?— Não tenho falta de respeito. Respeito a mim mesmo, e muito. O problema é que não tenho você, esposa. E isso não me agrada.Sem pensar duas vezes, desliguei. Não tinha paciência para lidar com aquele homem. Não agora. Na
O segundo homem arrancou meu celular da mão com um olhar feroz e o jogou no chão, esmagando-o com força até não restar mais que pedaços quebrados. Antes que eu pudesse reagir, ele levantou a mão e desferiu um tapa brutal no meu rosto. A força me jogou ao chão, e tudo o que ouvi foi um zumbido penetrante, oscilando na minha cabeça como uma sirene distante.O pânico era tanto que a dor já se misturava ao terror — aquele tipo cruel de terror que nem me deixa pensar direito, só sentir. Não sabia ao certo o que se passava ao meu redor. Meus pensamentos eram um redemoinho caótico, interrompidos por flashes de um único pensamento: vou morrer aqui.Eles não me feriram mais depois disso. Em vez disso, o “filho” deficiente, que, aliás, estava mais saudável que eu, se levantou, pegou uma corda e prendeu minhas mãos com as do câmera, nos deixando atados e abandonados. O equipamento? Roubaram tudo, até o carro.Estava tudo acabado. Eles tinham ido embora, mas meu coração não. Palpitava tão forte,
No dia seguinte, lá estava eu, em um ônibus cheio de gente indo para a temida sede da Speredo. A ideia de ir até aquele prédio enorme, onde Alexander praticamente reinava como um imperador corporativo, fazia minha pele arrepiar, mas não exatamente de empolgação. Era um misto de pavor e resignação, uma combinação que me acompanhou a cada troca de ônibus e fila exasperante.Depois de um longo tempo como passageira em três veículos diferentes e lotados, consegui descer no ponto de ônibus que ficava a uns bons quinze minutos de caminhada do prédio da Speredo. Se isso não fosse o suficiente para me deixar de mau humor, o cenário era. Olhei ao redor e me perguntei como aquele pedaço esquecido no leste da cidade se transformou em um centro reluzente de ternos caros e arranha-céus empresariais. Claro, graças a Alexander e sua equipe de magnatas calculistas. Eles compraram o terreno baratinho e o transformaram na meca de aspirantes a magnata e advogados de colarinho branco. Não pude evitar um
— Eu entendo perfeitamente se a senhora se recusar a me oferecer qualquer cargo na empresa — disse, forçando um sorriso e tentando manter a pouca dignidade que ainda tinha.A expressão dela endureceu, e vi uma pontinha de impaciência em seus olhos enquanto empurrava meu currículo de volta pela mesa.— Ah, isso com certeza não é o problema — respondeu, as palavras escorrendo com uma condescendência que me fez querer desaparecer. — Sugiro que contate o superior que ordenou sua contratação, apesar de sua completa… desqualificação. Diga a ele que, se um incidente como este acontecer novamente, eu mesma relatarei diretamente ao CEO. Tenha um bom dia, senhorita Viradia.Sorri por fora, mas por dentro uma fagulha de raiva queimava. “Aquele superior”? Pois é, ela mal fazia ideia de que o tal superior era o próprio CEO — o mesmo com quem eu dividia a infelicidade. Alexander me transformando, mais uma vez, em seu joguinho particular.Levantei-me em silêncio, apertando os dedos até que os nós fi
Eles chegaram ao centro do jardim, e Alexander, com aquele ar de desinteresse crônico, de braços dados com Olivia, distribuindo sorrisos para todos os lados. A festa inteira parecia ansiosa, olhos famintos fixos neles como se fossem a última novidade. Um dos cinegrafistas que me acompanhava inclinou-se, sussurrando:— Parece que eles são o grande evento desta noite… Vou começar a gravar. Depois entrevistamos.Enquanto ele filmava, eu me sentia uma completa idiota parada ali, imóvel, olhando aquela palhaçada. Alexander fingia ignorar a câmera que estava, convenientemente, bem na frente dele. Ou melhor, fingia não me ver, já que eu estava bem ao lado. A desfeita era tão descarada que doía. Olivia, por sua vez, teve a ousadia de manter os olhos fixos em mim, com um sorriso torto que me dizia tudo: você não é nada.— Temos boas notícias para compartilhar com todos! — Olivia declarou, elevando a voz.Enquanto ela se preparava para o discurso, Alexander, que até então não olhara para ela,
De qualquer forma, eu não estava ali para analisar as nuances de seu caráter questionável. Ele me insultou, e eu estava disposta a confrontá-lo até o fim.— A entrevista correu bem? — disparou Alexander assim que me aproximei de sua mesa, o tom escorrendo veneno, como o de uma cobra que se arrasta sem pressa.A audácia. Ele realmente se atreveu a perguntar isso. Ri baixinho, com desprezo, deixando a expressão cair até que meu rosto ficasse completamente vazio.— Você acha que pode fazer isso comigo cada vez que lhe convém, Senhor Speredo? — Minhas palavras saíram afiadas, cortando o silêncio entre nós. — Que pode me manipular a seu bel-prazer e depois achar que eu vou ficar quieta?Ele me encarou, a testa levemente franzida, como se tentasse decifrar meu tom de repulsa, mas sem demonstrar nada além de indiferença.— Não sei do que está falando — respondeu ele, numa falsa confusão que só piorava minha náusea.Eu respirei fundo, mantendo a compostura. Cansei de perder meu tempo com seus
A mulher da entrevista tinha um ar resoluto, desses que parecem defender uma causa até o fim. Mas sei bem como as coisas funcionam aqui. Senti um peso incômodo me dominar. Era um déjà-vu doloroso: no passado, quando Alexander destruiu meu canal de transmissão, foram muitas as demissões e vidas desfeitas por causa de uma decisão que não tomei. Não queria ter mais demissões na minha conta. Não desta vez.Respirei fundo, ignorando a voz que berrava para correr dali e desaparecer por entre as pilhas de papéis da mesa de Alexander. Fui até ele, cada passo sob o olhar assassino que ele dedicava a todos ali. Parei à sua frente, os olhos cravados nos dele, me forçando a manter a postura.— Alexander… fui injusta com você. Peço desculpas — sussurrei, a voz talvez saindo realmente um pouco culpada.Vi seus olhos escurecerem, mas a fúria que eu esperava se desmanchou num brilho estranho, quase… cínico.— Acha que um pedido de desculpas apaga o que você disse? — Ele arqueou uma sobrancelha, e, n