— Dê-me o divórcio!Sabe quando você olha nos olhos de alguém e sente um calafrio na espinha? Pois é. E, naquele momento, eu não estava diante de um anjo. Eu tinha certeza de que demônios existem, e um deles usava terno italiano e ocupava uma cadeira de couro do outro lado da mesa.Passei horas esperando como uma estranha para ter uma “audiência” com o meu próprio marido. Mas, finalmente, lá estava eu, de pé, respirando fundo, enquanto ele mal levantava os olhos por cima dos óculos. Papéis espalhados, canetas rolando pelo tampo da mesa… Alexander Speredo, o homem mais frio e insensível que eu conhecia, me encarava com aquele olhar gélido que faria até o Polo Norte parecer quente.Seu silêncio durava. O que ele esperava? Um show? Talvez. Senti o nervosismo me consumir, mas mantive a pose. Afinal, tudo naquele escritório gritava “poder”, e eu? Eu queria só uma assinatura no maldito papel do divórcio. — Não vai dizer nada? — Cruzei os braços, mais para esconder o tremor nas mãos do que
Quando acordei, o primeiro rosto que vi não era exatamente o que eu esperava encontrar ao abrir os olhos. Um homem, talvez na casa dos trinta, me observava com um olhar preocupado. Não era o tipo de beleza que me faria suspirar, mas seus olhos suaves e o nariz bem delineado eram, de alguma forma, reconfortantes.— Você está bem, senhora? — ele perguntou, a voz doce como uma brisa de primavera.Notei que ele estava vestindo um jaleco branco. Ah, então deve ser o dentista. Soltei um suspiro de alívio e, enquanto tentava controlar a dor que ainda latejava na minha boca, disse:— Estou viva, mas meu dente está me matando. Você pode fazer algo a respeito?Ele soltou uma risada suave e me ajudou a levantar do chão, suas mãos firmes, mas gentis.— Siga-me até o consultório.E assim fiz, passando pela sala de espera sob olhares curiosos que, sem dúvida, me amaldiçoavam silenciosamente por ignorá-las enquanto ele me arrastava para fora. A dor era uma sombra tão insuportável que não me permitia
Passei na farmácia para comprar o medicamento e me dirigi apressadamente à estação de rádio onde trabalho como radialista. Assim que entrei no prédio, encontrei meu gerente descendo as escadas. O olhar dele se fixou em mim e eu sabia que o show estava prestes a começar.— Você planeja aparecer depois que a estação fechar? Você tem ideia de que horas são? — sua voz ecoou, quase um grito.— Pedi uma licença para hoje. Estou aqui apenas para pegar alguns materiais para o episódio de amanhã — lembrei, com um sorriso sarcástico. O homem parecia ter um ataque cardíaco ao ouvir isso. E então, a explosão:— Recusei seu pedido! O programa vai ao ar em meia hora! Se não tiver nada preparado, é melhor improvisar qualquer coisa! Você está tentando me matar, Charlotte Viradia?! Está planejando deixar toda a equipe desempregada?!Entrei no estúdio e fechei a porta, mas ainda conseguia ouvir os xingamentos voando como flechas. Quando finalmente tirei meu telefone da bolsa, a mensagem que ele enviou
Só ouvia rumores dele através dos jornais e revistas que, infelizmente, não podia evitar. E mesmo depois de tanto tempo, ainda reconhecia sua voz. Meu coração disparou, não por amor, mas por puro ódio!— Você parece muito bem, com admiradores ligando e pedindo para estar com você — ele continuou, seu tom frio e sarcástico.Fiquei em silêncio, lembrando da promessa que fiz a mim mesma de não falar com ele novamente. E, claro, havia o medo. Se aprendi algo sobre Alexander, é que ele era implacável e impiedoso.Agradecia a Deus, dia e noite, por ter me livrado desse demônio em forma de gente. Mas, aparentemente, superestimei minha sorte. Essa escoria ainda estava bordado na minha vida. Sabia onde eu trabalhava e me ligou, arruinando meu humor.Fiz sinal para que Tamilian cortasse a ligação, mas antes que pudesse fazer isso, Alexander declarou, com um tom que gelou meu sangue:— Nos encontraremos muito em breve, Charlotte.E desligou.Poderia alegar que fui ameaçada ao vivo, mas continuei
Eu já estava a um fio de perder a paciência. Qual é o problema desses homens? Será que todo narcisista que anda sobre duas pernas acaba na minha órbita?— Dr. Jamil, meu marido é um homem perigoso. Só de estar sentada aqui comigo, você está correndo risco. E não, não vou me divorciar — nem se eu quisesse, teria como!Ele apenas me encarou, calmo, como se a minha declaração não tivesse o menor impacto. Aquele olhar gentil, quase complacente, me irritava. Suspirei, aliviada por acreditar que ele, finalmente, ia parar com a insistência ridícula.— Eu vou embora. Talvez devesse procurar outro dentista, caso se sinta desconfortável. — Levantei-me, sem sequer esperar por uma resposta. — Tenha uma boa tarde, Dr. Jamil.— Pelo menos, tome seu café antes de sair — ele disse, a voz séria, quase uma ordem.Eu reviraria os olhos se não fosse pela sua postura firme. Me mantive na cadeira, resignada. A ideia de um dentista me obrigando a tomar café me pareceu tão ridícula que quase sorri. O garçom
Acordar sozinha na cama me trouxe um alívio tão grande. Naqueles dias em que compartilhava o leito com Alexander, a alegria era uma sensação que parecia ter se evaporado. Quase sempre, ao abrir os olhos, encontrava-o sentado no sofá do nosso quarto, a luz suave da manhã iluminando o seu laptop, enquanto ele lia arquivos ou discutia algo com os associados.Aquela cama se tornava tão fria quanto a indiferença dele ao meu lado. Lembro da nossa primeira noite juntos — um verdadeiro pesadelo. Sem experiência, — ainda não tenho, mas enfim — me perguntei se poderia passar por aquilo sem estar realmente acordada. Como poderia me entregar a um homem que não amava? E a dor? Minhas amigas viviam alertando que a primeira vez doía, e eu me consumia em inseguranças. Será que, diante da minha apreensão, ele seria gentil?No final, nada aconteceu. O alívio foi acompanhado de um peso no peito. Ele não me tocou por eu ser detestável? Ou porque percebeu o quanto eu tremia? A resposta até hoje permanece
Abri o envelope hesitante, o coração acelerando em um misto de expectativa e medo. A primeira coisa que capturei foi sua letra horrível, escorrendo como tinta de um caneta falhando. O papel continha poucas palavras, mas suficientes para gelar meu sangue:— Peça à recepcionista para lhe dar o contato da minha família.Abaixo, um número de telefone, como se fosse uma sentença de morte. Num impulso, a vontade de discar e perguntar como ele estava tomou conta de mim. Mas seria irracional, certo? Afinal, como um dentista te receberia depois de arruinar a vida dele? Mas não podia simplesmente ignorar a situação, ao menos teria que tentar, um consolo egoísta meu, talvez?Quando finalmente liguei para aquele número, ainda parada ao lado da recepcionista, a voz forte e familiar de Jamil ressoou do outro lado. — Doutor Jamil? Aqui é Charlotte.Um silêncio pesado se instalou, e então ele respondeu, quase como se estivesse se preparando para a bomba que iria soltar.— Sra. Speredo, como posso aj
Minhas crises de ansiedade vinham em ondas, cada vez que ele passava pela porta do quarto. A tensão de esperar pelo momento em que ele, finalmente, encerraria esse tormento… nossa primeira noite. Tudo que eu conseguia pensar era no quanto aquilo seria doloroso. Uma dor real. Meus músculos contraíam só de imaginar. E, claro, havia o temor constante de que a mãe dele, aquela bruxa, soubesse. A velha certamente faria um escândalo sobre o assunto.— Você quer me deixar… — a voz dele quebrou o silêncio como uma lâmina, entre respirações rápidas, mas não havia dúvida. Era uma constatação, não uma pergunta.Naquela época, eu já estava com os pés na porta do divórcio. Só esperava o momento certo. Meu corpo precisava se recuperar completamente antes de colocar meu plano em prática. Mas, Alexander sempre tinha esse maldito hábito de estar um passo à frente. Como ele conseguia ver através de mim tão facilmente? Era assustador.Eu não tinha ideia do que estava provocando aquela respiração acelera