Eles chegaram ao centro do jardim, e Alexander, com aquele ar de desinteresse crônico, de braços dados com Olivia, distribuindo sorrisos para todos os lados. A festa inteira parecia ansiosa, olhos famintos fixos neles como se fossem a última novidade. Um dos cinegrafistas que me acompanhava inclinou-se, sussurrando:— Parece que eles são o grande evento desta noite… Vou começar a gravar. Depois entrevistamos.Enquanto ele filmava, eu me sentia uma completa idiota parada ali, imóvel, olhando aquela palhaçada. Alexander fingia ignorar a câmera que estava, convenientemente, bem na frente dele. Ou melhor, fingia não me ver, já que eu estava bem ao lado. A desfeita era tão descarada que doía. Olivia, por sua vez, teve a ousadia de manter os olhos fixos em mim, com um sorriso torto que me dizia tudo: você não é nada.— Temos boas notícias para compartilhar com todos! — Olivia declarou, elevando a voz.Enquanto ela se preparava para o discurso, Alexander, que até então não olhara para ela,
De qualquer forma, eu não estava ali para analisar as nuances de seu caráter questionável. Ele me insultou, e eu estava disposta a confrontá-lo até o fim.— A entrevista correu bem? — disparou Alexander assim que me aproximei de sua mesa, o tom escorrendo veneno, como o de uma cobra que se arrasta sem pressa.A audácia. Ele realmente se atreveu a perguntar isso. Ri baixinho, com desprezo, deixando a expressão cair até que meu rosto ficasse completamente vazio.— Você acha que pode fazer isso comigo cada vez que lhe convém, Senhor Speredo? — Minhas palavras saíram afiadas, cortando o silêncio entre nós. — Que pode me manipular a seu bel-prazer e depois achar que eu vou ficar quieta?Ele me encarou, a testa levemente franzida, como se tentasse decifrar meu tom de repulsa, mas sem demonstrar nada além de indiferença.— Não sei do que está falando — respondeu ele, numa falsa confusão que só piorava minha náusea.Eu respirei fundo, mantendo a compostura. Cansei de perder meu tempo com seus
A mulher da entrevista tinha um ar resoluto, desses que parecem defender uma causa até o fim. Mas sei bem como as coisas funcionam aqui. Senti um peso incômodo me dominar. Era um déjà-vu doloroso: no passado, quando Alexander destruiu meu canal de transmissão, foram muitas as demissões e vidas desfeitas por causa de uma decisão que não tomei. Não queria ter mais demissões na minha conta. Não desta vez.Respirei fundo, ignorando a voz que berrava para correr dali e desaparecer por entre as pilhas de papéis da mesa de Alexander. Fui até ele, cada passo sob o olhar assassino que ele dedicava a todos ali. Parei à sua frente, os olhos cravados nos dele, me forçando a manter a postura.— Alexander… fui injusta com você. Peço desculpas — sussurrei, a voz talvez saindo realmente um pouco culpada.Vi seus olhos escurecerem, mas a fúria que eu esperava se desmanchou num brilho estranho, quase… cínico.— Acha que um pedido de desculpas apaga o que você disse? — Ele arqueou uma sobrancelha, e, n
Assim que Alexander disse aquela palavra “família” eu quase engasguei. Ele, falando de família? Era como ver um lobo pregando o veganismo. Alexander jamais ligou para os próprios parentes. Nem para a mãe, nem para o pai, e menos ainda para a irmã. Era impossível não lembrar do jeito dele nas reuniões de Natal, sempre com aquela expressão entediada, como se estivesse cumprindo uma pena e esperando o momento de sair em liberdade.Mas, de tempos em tempos, havia exceções… e quase todas as brigas envolviam uma peça constante: eu. A mãe e a irmã de Alexander tinham uma lista infinita de reclamações sobre mim. Às vezes, eu era “fria demais”, outras, “desrespeitosa” por não saber sorrir feito Miss Simpatia para elas. Ah, e o meu favorito: “ingrata”, porque, aparentemente, ao casar com Alexander, eu deveria ter ganhado um passe vitalício para bajular toda a família.Quando ambas começavam a se lamentar — gemendo como gatos feridos, para ser honesta —, Alexander, num rompante heroico que eu só
O tempo piorava a cada minuto. Em uma hora chovia torrencialmente, e na outra, caía um chuvisco que só servia para me encharcar ainda mais. Dezembro é implacável na Cidade D, mas o frio daqui nem se compara ao da minha cidade natal, onde o vento gélido parece afiado o suficiente para arrancar a pele. Pelo menos aqui posso deixar os casacos felpudos guardados e me arriscar com algo mais leve — ou era o que eu pensava, até hoje.Ao sair do ônibus, envolta na minha própria arrogância meteorológica, percebi que o meu guarda-chuva era tão útil quanto um pente em uma tempestade. A chuva me pegou de jeito. Quando finalmente cheguei em casa, meus cabelos estavam grudados no rosto e pescoço, e eu tremia como uma condenada. Isso só podia ser uma espécie de karma por ter reencontrado Alexander. Desde o momento em que ouvi sua voz na rádio, parecia que a má sorte decidiu me acompanhar em tempo integral.Na tentativa de evitar uma gripe monumental, tomei um banho quente, fiz uma canja, um chá de l
Por um segundo, pensei que desmaiaria de verdade — o sangue no tubo, aquele vermelho intenso, era só o toque final do meu drama particular. Felizmente (ou não), meu colega de trabalho, com reflexos dignos de um herói trágico, me segurou antes que eu beijasse o chão. É claro que sua tentativa de ajuda apenas espalhou o pouco sangue que havia escapado, transformando o “incidente” em algo digno de um filme de suspense médico.— Doutor! A situação piorou! — ele berrou, em um tom de urgência como se eu estivesse no último suspiro.Foi o grito ouvido por toda a enfermaria. E, como na pior das ironias, o primeiro rosto que apareceu na porta foi justamente o de Alexander. O Alexander. Ele estava ali, parado, me observando com aquele olhar que misturava incredulidade e... uma sombra de preocupação?Tentei me recompor, ainda zonza e sem firmeza nas pernas, mas já era tarde demais. Alexander me alcançou em um segundo, arrancando-me dos braços do pobre funcionário e me erguendo como se eu não pas
— Todos, saiam. — Alexander falou, seu tom autoritário rompendo a atmosfera como um trovão.Suas maneiras eram tão mandonas e frias que até os fantasmas na sala pareciam assustados, prontos para fugir. Assim que a sala ficou vazia, Alexander se aproximou e puxou uma cadeira para sentar ao lado da minha cama, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Dei uma olhada rápida para o teto, respirando fundo.— E então… — arrisquei — o que te trouxe à enfermaria?Ele levantou o olhar com aquele brilho frio e meticulosamente calculado. — Me avisaram que você não estava bem. Vim conferir. — Pausou, me estudando como se estivesse diante de um contrato cheio de cláusulas duvidosas. — E quis garantir que fosse atendida… devidamente.— Ah, claro. Isso explica por que trouxe toda uma plateia. — Revirei os olhos, sem conseguir conter o sarcasmo.Alexander deu de ombros, com um sorriso quase desdenhoso.— Não trouxe ninguém. Eles simplesmente insistiram em me seguir. Você é a única pessoa que tent
Ao me levantar da cama da clínica, dei uma última olhada para Alexander, que se afastava com aquele jeito tão característico de quem está resolvendo tudo e mais um pouco. Do lado de fora, a enfermeira me lançou um olhar cúmplice e, se pudesse, seguraria uma plaquinha “conta essa fofoca”. Tão discreta quanto um outdoor.— Aqui está a receita do médico — disse ela, mas o tom sutilmente animado denunciava a curiosidade. — Ele está com outro paciente, então sugeriu que eu entregasse para você, sem esperar que ele voltasse.Peguei o papel com desconfiança. O médico “dedicado” que me atendia há menos de uma hora nunca jogaria uma receita nas minhas mãos e me despacharia assim. Era claro que a enfermeira tinha se voluntariado para o serviço.Ela deu uma rápida olhada ao redor e abaixou o tom.— Perdão se é intromissão, mas… qual sua relação com o chefão?A língua coçou para dar uma resposta à altura, mas consegui manter a dignidade — se bem que parte de mim estava até um pouco lisonjeada com