POV: LilyRespirei fundo, tentando conter o incômodo crescente dentro de mim. Vovó nunca foi exatamente uma figura materna para mim. Na verdade, se fosse para listar todas as pessoas que me deram qualquer tipo de carinho na infância, o nome dela nem passaria pela minha cabeça. Diferente dos meus avós maternos, que faleceram quando eu ainda era criança, vovó estava viva e muito bem — apenas convenientemente distante. Até o dia em que decidiu se mudar para a nossa casa. E, claro, não foi por mim. Nem por Alexander. Foi por Charlotte. Não sou idiota. Sei reconhecer quando alguém faz distinções claras entre seus afetos. Ela nunca veio ao meu quarto, mesmo sendo no mesmo andar que o de Charlotte. Mas subia escadas todos os dias — algo que a fazia reclamar de dor nos joelhos sem parar — apenas para visitá-la. Na mesa de jantar, o assento ao lado dela sempre estava reservado para Charlotte. A cada refeição, ela se certificava de que Charlotte estivesse comendo o suficiente, e se ousa
Meu irmão, o homem que qualquer mulher desejaria, estava ali, despedaçado, tudo porque escolheu amar a única exceção. A única que nunca pareceu querer ele de verdade. — Vovó… pode ligar para Charlotte e ver como ela está? — Alexander pediu, a voz rouca, exausta. — Saí com pressa, não tive tempo de conferir… agora estou preocupado. Eu quase gritei. Ele estava nesse estado e ainda se preocupava com Charlotte?! Antes que eu pudesse xingar sua falta de amor-próprio, vovó se adiantou, os olhos afiados. — O que ela fez? O silêncio caiu pesado. Meu irmão não respondeu. Claro que não. Charlotte podia arrancar os olhos dele e ele ainda diria que foi um “acidente infeliz”. Esse era o nível de submissão emocional que ele tinha por aquela mulher. — Charlotte me ligou há uma hora. Queria saber se você chegou bem. — Vovó cruzou os braços, como se ainda não acreditasse naquilo. — Ela nunca me liga primeiro. Se fez isso, é porque aprontou alguma coisa. Alexander soltou um riso seco, ch
Eu não dormi. Nos primeiros dias, achei que fosse só ansiedade. Depois, virou insônia pura e simples. Eu revirava na cama, chutava os lençóis, olhava para o teto e amaldiçoava minha própria mente por me torturar. Mas nada adiantava. O pior de tudo? Eu sabia exatamente o motivo. Pedro. A ideia de que ele pudesse rejeitar essa proposta, de que pudesse olhar na cara do meu pai e dizer um simples “não”, fazia meu estômago revirar como se eu tivesse engolido um tijolo.E o pior era que meu pai não ajudava em nada. Na manhã do quarto dia sem dormir, eu desci para o café e o encontrei no escritório, revisando papéis com sua paciência infernal. Como se minha vida amorosa não estivesse por um fio. — Alguma novidade? — perguntei, tentando soar casual. Ele nem levantou a cabeça. — Sobre o quê? Eu quase taquei o bule de café nele. — Sobre Pedro, pai! Você já falou com ele ou está esperando que o destino resolva tudo sozinho? Ele largou os papéis e se recostou na cadeira, cruza
O mundo oscilava ao meu redor. O entorpecimento em meus membros era sutil, mas presente o suficiente para tornar cada passo uma batalha. Meu coração batia rápido, não por pânico, mas por raiva. Eu deveria ter previsto isso.Leo Kermich me arrastava para fora do restaurante como se eu fosse uma acompanhante complacente, o braço firme ao redor da minha cintura, os dedos pressionando minha pele como um lembrete silencioso de que eu não tinha escolha. Meus seguranças? Inúteis. Ou melhor, traidores. E eu deveria saber que isso aconteceria.— Parece surpresa, senhorita Speredo — Leo murmurou, um tom de escárnio em sua voz.Pisquei lentamente, forçando minha mente a se manter lúcida.— Nem um pouco — respondi. — Mas me decepciona que tenham sido tão burros a ponto de pensar que poderiam trair minha família e sair ilesos.Ele riu, baixo e indulgente.— O dinheiro é um argumento poderoso. E, sejamos sinceros, nem todos respeitam a forma como sua família impõe sua influência. Há muita gente ans
Passei a noite em claro. Amanheceu e as horas passaram enquanto eu não conseguia manter minha mente sã. Comecei a gritar e jogar coisas na porta, tentar chamar a atenção dele, mas nada.Em algum momento ele deixou a comida e não toquei nela. Minha fome foi substituída por algo pior: um peso que apertava meu estômago, tornando impossível qualquer tentativa de engolir.Quando ele voltou, já era madrugada.— Hora de ir para casa. — Anunciou com um sorriso.— Vai me deixar ir assim?Ele não respondeu, apenas me entregou um espelho pequeno. Olhei meu reflexo: estava bem vestida, sem um único arranhão, embora a maquiagem precisasse de um retoque. Leo me deixou em um bairro de luxo, onde consegui pegar um táxi sem chamar atenção. O motorista sequer questionou minha expressão cansada. Fiquei em silêncio o caminho todo, a cabeça um caos.Ao chegar em casa, mal passei pela porta e minha mãe já estava me esperando, os olhos inflamados de raiva e preocupação.— Onde diabos você estava?! — A voz
Joguei-me na cama, pressionando o rosto contra o travesseiro, mas nada impedia minha mente de girar. O caso de Sebastian Valle voltou como um pesadelo recorrente. Ele sempre foi um canalha, daqueles que se acham, acima de tudo, intocáveis. Lembrei do nosso último encontro, do modo como ele se aproximou de mim sem permissão, das palavras sujas que sussurrou achando que poderia me dobrar como tantas outras mulheres antes de mim.Eu o afastei, claro. Não sou do tipo que abaixa a cabeça. Mas o problema de gente podre como ele é que, quando contrariados, tornam-se perigosos. E Sebastian provou que sabia jogar sujo.Depois daquela noite, ele fez questão de me lembrar que o mundo pertencia a homens como ele. Telefonemas no meio da madrugada, mensagens implícitas de que nada ficaria barato, olhares carregados de promessas que me davam náuseas. Ele queria me lembrar de que poderia conseguir o que quisesse — de um jeito ou de outro.E então, de repente, ele estava morto.Meu irmão era implacáv
Os dias passaram e meu humor oscilava entre pânico absoluto e surtos de irritação. Conferi a reserva no hotel pela milésima vez, chequei a decoração, as bebidas, os pratos… tudo precisava estar perfeito. Eu estava prestes a me declarar para Pedro e, se ia me humilhar, que pelo menos fosse num cenário digno de cinema.Para piorar, Charlotte não ajudava em nada. Ou melhor, ajudava, mas com aquela paciência insuportável, como se estivesse esperando o momento exato para dizer “eu avisei”.Peguei o telefone e liguei para ela novamente.— Charlotte, eu só quero confirmar se você acha mesmo que esse plano é o melhor.O silêncio dela do outro lado foi cortante.— Lily, se você me ligar mais uma vez para perguntar a mesma coisa, eu juro que vou fingir que não te conheço.Bufei, andando de um lado para o outro do quarto.— Então é assim? Na hora de se meter na minha vida, você é especialista, mas quando eu preciso de apoio, você some?— Lily, pelo amor de Deus…— Você nunca foi minha amiga de v
Senti uma mão pousar em meu ombro, firme e ao mesmo tempo hesitante. Virei o rosto e encontrei Alexander ali, parado como uma estátua de gelo. Seus olhos sempre impassíveis, agora tinham um quê de desconforto.Antes que pudesse evitar, me joguei nos braços dele, agarrando sua camisa com força. As lágrimas se intensificaram, e eu soluçava como uma criança perdida. Alexander ficou rígido, os braços ao lado do corpo. Depois de um instante interminável, ele ergueu uma das mãos e deu um tapinha nas minhas costas, como se eu fosse um animalzinho que precisava de consolo.— Vai ficar tudo bem — ele murmurou, a voz soando mais como uma obrigação do que um conforto.— Se ele morrer… — minha voz saiu entrecortada. — É minha culpa. Tudo isso é minha culpa.Alexander não respondeu, apenas continuou ali, oferecendo o único consolo que sabia dar: sua presença fria e impenetrável.Os minutos se arrastaram até que, finalmente, uma dupla de médicos se aproximou. Levantei de um pulo, me afastando de Al