De qualquer forma, eu não estava ali para analisar as nuances de seu caráter questionável. Ele me insultou, e eu estava disposta a confrontá-lo até o fim.— A entrevista correu bem? — disparou Alexander assim que me aproximei de sua mesa, o tom escorrendo veneno, como o de uma cobra que se arrasta sem pressa.A audácia. Ele realmente se atreveu a perguntar isso. Ri baixinho, com desprezo, deixando a expressão cair até que meu rosto ficasse completamente vazio.— Você acha que pode fazer isso comigo cada vez que lhe convém, Senhor Speredo? — Minhas palavras saíram afiadas, cortando o silêncio entre nós. — Que pode me manipular a seu bel-prazer e depois achar que eu vou ficar quieta?Ele me encarou, a testa levemente franzida, como se tentasse decifrar meu tom de repulsa, mas sem demonstrar nada além de indiferença.— Não sei do que está falando — respondeu ele, numa falsa confusão que só piorava minha náusea.Eu respirei fundo, mantendo a compostura. Cansei de perder meu tempo com seus
A mulher da entrevista tinha um ar resoluto, desses que parecem defender uma causa até o fim. Mas sei bem como as coisas funcionam aqui. Senti um peso incômodo me dominar. Era um déjà-vu doloroso: no passado, quando Alexander destruiu meu canal de transmissão, foram muitas as demissões e vidas desfeitas por causa de uma decisão que não tomei. Não queria ter mais demissões na minha conta. Não desta vez.Respirei fundo, ignorando a voz que berrava para correr dali e desaparecer por entre as pilhas de papéis da mesa de Alexander. Fui até ele, cada passo sob o olhar assassino que ele dedicava a todos ali. Parei à sua frente, os olhos cravados nos dele, me forçando a manter a postura.— Alexander… fui injusta com você. Peço desculpas — sussurrei, a voz talvez saindo realmente um pouco culpada.Vi seus olhos escurecerem, mas a fúria que eu esperava se desmanchou num brilho estranho, quase… cínico.— Acha que um pedido de desculpas apaga o que você disse? — Ele arqueou uma sobrancelha, e, n
Assim que Alexander disse aquela palavra “família” eu quase engasguei. Ele, falando de família? Era como ver um lobo pregando o veganismo. Alexander jamais ligou para os próprios parentes. Nem para a mãe, nem para o pai, e menos ainda para a irmã. Era impossível não lembrar do jeito dele nas reuniões de Natal, sempre com aquela expressão entediada, como se estivesse cumprindo uma pena e esperando o momento de sair em liberdade.Mas, de tempos em tempos, havia exceções… e quase todas as brigas envolviam uma peça constante: eu. A mãe e a irmã de Alexander tinham uma lista infinita de reclamações sobre mim. Às vezes, eu era “fria demais”, outras, “desrespeitosa” por não saber sorrir feito Miss Simpatia para elas. Ah, e o meu favorito: “ingrata”, porque, aparentemente, ao casar com Alexander, eu deveria ter ganhado um passe vitalício para bajular toda a família.Quando ambas começavam a se lamentar — gemendo como gatos feridos, para ser honesta —, Alexander, num rompante heroico que eu só
O tempo piorava a cada minuto. Em uma hora chovia torrencialmente, e na outra, caía um chuvisco que só servia para me encharcar ainda mais. Dezembro é implacável na Cidade D, mas o frio daqui nem se compara ao da minha cidade natal, onde o vento gélido parece afiado o suficiente para arrancar a pele. Pelo menos aqui posso deixar os casacos felpudos guardados e me arriscar com algo mais leve — ou era o que eu pensava, até hoje.Ao sair do ônibus, envolta na minha própria arrogância meteorológica, percebi que o meu guarda-chuva era tão útil quanto um pente em uma tempestade. A chuva me pegou de jeito. Quando finalmente cheguei em casa, meus cabelos estavam grudados no rosto e pescoço, e eu tremia como uma condenada. Isso só podia ser uma espécie de karma por ter reencontrado Alexander. Desde o momento em que ouvi sua voz na rádio, parecia que a má sorte decidiu me acompanhar em tempo integral.Na tentativa de evitar uma gripe monumental, tomei um banho quente, fiz uma canja, um chá de l
Por um segundo, pensei que desmaiaria de verdade — o sangue no tubo, aquele vermelho intenso, era só o toque final do meu drama particular. Felizmente (ou não), meu colega de trabalho, com reflexos dignos de um herói trágico, me segurou antes que eu beijasse o chão. É claro que sua tentativa de ajuda apenas espalhou o pouco sangue que havia escapado, transformando o “incidente” em algo digno de um filme de suspense médico.— Doutor! A situação piorou! — ele berrou, em um tom de urgência como se eu estivesse no último suspiro.Foi o grito ouvido por toda a enfermaria. E, como na pior das ironias, o primeiro rosto que apareceu na porta foi justamente o de Alexander. O Alexander. Ele estava ali, parado, me observando com aquele olhar que misturava incredulidade e... uma sombra de preocupação?Tentei me recompor, ainda zonza e sem firmeza nas pernas, mas já era tarde demais. Alexander me alcançou em um segundo, arrancando-me dos braços do pobre funcionário e me erguendo como se eu não pas
— Todos, saiam. — Alexander falou, seu tom autoritário rompendo a atmosfera como um trovão.Suas maneiras eram tão mandonas e frias que até os fantasmas na sala pareciam assustados, prontos para fugir. Assim que a sala ficou vazia, Alexander se aproximou e puxou uma cadeira para sentar ao lado da minha cama, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Dei uma olhada rápida para o teto, respirando fundo.— E então… — arrisquei — o que te trouxe à enfermaria?Ele levantou o olhar com aquele brilho frio e meticulosamente calculado. — Me avisaram que você não estava bem. Vim conferir. — Pausou, me estudando como se estivesse diante de um contrato cheio de cláusulas duvidosas. — E quis garantir que fosse atendida… devidamente.— Ah, claro. Isso explica por que trouxe toda uma plateia. — Revirei os olhos, sem conseguir conter o sarcasmo.Alexander deu de ombros, com um sorriso quase desdenhoso.— Não trouxe ninguém. Eles simplesmente insistiram em me seguir. Você é a única pessoa que tent
Ao me levantar da cama da clínica, dei uma última olhada para Alexander, que se afastava com aquele jeito tão característico de quem está resolvendo tudo e mais um pouco. Do lado de fora, a enfermeira me lançou um olhar cúmplice e, se pudesse, seguraria uma plaquinha “conta essa fofoca”. Tão discreta quanto um outdoor.— Aqui está a receita do médico — disse ela, mas o tom sutilmente animado denunciava a curiosidade. — Ele está com outro paciente, então sugeriu que eu entregasse para você, sem esperar que ele voltasse.Peguei o papel com desconfiança. O médico “dedicado” que me atendia há menos de uma hora nunca jogaria uma receita nas minhas mãos e me despacharia assim. Era claro que a enfermeira tinha se voluntariado para o serviço.Ela deu uma rápida olhada ao redor e abaixou o tom.— Perdão se é intromissão, mas… qual sua relação com o chefão?A língua coçou para dar uma resposta à altura, mas consegui manter a dignidade — se bem que parte de mim estava até um pouco lisonjeada com
Eu mal tinha acabado de me acomodar na ideia de Alexander sendo meu patrocinador gourmet, quando ele entrou no carro com o item da “grande parada” no shopping. E lá se foram minhas esperanças culinárias. Em vez de sacolas de comida, o que ele trazia era… uma troca de roupa.— Você parou aqui só pra comprar roupas? — perguntei, com a frustração escorrendo da voz. Ele me lançou um olhar quase inocente.— Preciso trocar de roupa. Meu terno vai acabar cheirando a comida.Senti um nervoso latejando na têmpora. É sério? Eu o convido para almoçar, ele reclama do terno, e eu ainda não o mandei para aquele lugar? Suspirei e deixei escapar, quase para mim mesma:— Claro. A culpa é toda minha por te convidar.Fiz o resto do caminho em um silêncio tenso. E, ao chegar ao meu apartamento, fui tomada pela vontade de dar meia-volta e deixá-lo na porta. Mas me contive, entrei e o deixei seguir. Nem me preocupei em arrumar a sala antes. Se eu já tinha desistido de impressioná-lo? Há tempos.Pendurei a