Ao me levantar da cama da clínica, dei uma última olhada para Alexander, que se afastava com aquele jeito tão característico de quem está resolvendo tudo e mais um pouco. Do lado de fora, a enfermeira me lançou um olhar cúmplice e, se pudesse, seguraria uma plaquinha “conta essa fofoca”. Tão discreta quanto um outdoor.— Aqui está a receita do médico — disse ela, mas o tom sutilmente animado denunciava a curiosidade. — Ele está com outro paciente, então sugeriu que eu entregasse para você, sem esperar que ele voltasse.Peguei o papel com desconfiança. O médico “dedicado” que me atendia há menos de uma hora nunca jogaria uma receita nas minhas mãos e me despacharia assim. Era claro que a enfermeira tinha se voluntariado para o serviço.Ela deu uma rápida olhada ao redor e abaixou o tom.— Perdão se é intromissão, mas… qual sua relação com o chefão?A língua coçou para dar uma resposta à altura, mas consegui manter a dignidade — se bem que parte de mim estava até um pouco lisonjeada com
Eu mal tinha acabado de me acomodar na ideia de Alexander sendo meu patrocinador gourmet, quando ele entrou no carro com o item da “grande parada” no shopping. E lá se foram minhas esperanças culinárias. Em vez de sacolas de comida, o que ele trazia era… uma troca de roupa.— Você parou aqui só pra comprar roupas? — perguntei, com a frustração escorrendo da voz. Ele me lançou um olhar quase inocente.— Preciso trocar de roupa. Meu terno vai acabar cheirando a comida.Senti um nervoso latejando na têmpora. É sério? Eu o convido para almoçar, ele reclama do terno, e eu ainda não o mandei para aquele lugar? Suspirei e deixei escapar, quase para mim mesma:— Claro. A culpa é toda minha por te convidar.Fiz o resto do caminho em um silêncio tenso. E, ao chegar ao meu apartamento, fui tomada pela vontade de dar meia-volta e deixá-lo na porta. Mas me contive, entrei e o deixei seguir. Nem me preocupei em arrumar a sala antes. Se eu já tinha desistido de impressioná-lo? Há tempos.Pendurei a
A voz de Alexander realmente soava… ferida. É claro que eu sempre finjo dureza, mas, toda vez que percebo um tom triste na voz dele, minha armadura se estilhaça numa velocidade que odeio admitir.Respirei fundo, tentando recompor minha postura antes de me virar para ele, mas acabei suspirando de pura irritação quando finalmente o encarei.— Olha, só te convidei para almoçar. Então, não comece a falar de coisas deprimentes que estraguem o meu humor — disparei, forçando uma leveza que eu mesma não sentia.Mas ele estava tão perto… A proximidade dele me desconcertou a ponto de um pensamento tolo escapar antes que eu conseguisse me controlar:— Por que está tão perto? Você nunca quis me tocar… — sussurrei, arrependida na mesma hora.Ele sustentou meu olhar, e seu tom veio mais baixo, porém firme:— Como eu poderia, se nos seus olhos só via dor?Eu o encarei, tentando entender a gravidade do que ele dizia. Em meu olhar havia dor? Pois, ficava tão desesperada e ansiosa, pensando em mil cois
Eu mal tinha terminado de colocar os pratos na mesinha improvisada, quando me virei para ele, ainda segurando uma cadeira meio desconfortável — mas era o que tínhamos.— Pode sentar no sofá. Eu puxo uma cadeira pra mim — falei, tentando fingir normalidade, como se a situação fosse um jantar qualquer.Ele me observou em silêncio, com aquele olhar intenso que poderia derreter uma montanha, mas que em mim causava apenas um leve pânico interno.— Se quiser algo para beber, melhor comprar na loja mais próxima. Só tenho água.Ele nem piscou. Apenas respondeu, direto, sem rodeios:— Água serve.E começou a comer. Seus olhos vagavam entre o prato e, ocasionalmente, voltavam para mim com um ar quase… resignado? Ah, claro, deve estar odiando. Um CEO acostumado com pratos que eu provavelmente nem saberia pronunciar agora encarava meu prato de legumes levemente tostados e frango sem tempero especial. Pois é, maldito! Mas ele poderia ao menos fingir que o esforço significava algo.Observando-o mas
Eu já sabia que ia acabar com ele. Já tinha decidido isso, mesmo que a convicção me escapasse sempre que Alexander surgia com aquele ar distante e inatingível. No fundo, eu já me considerava sozinha há muito tempo, um adorno dispensável na vida dele, e me repetia que estava pronta para seguir em frente.Mas ainda doía. Ele mentiu. Ele tinha outra. E depois de admitir isso com um desdém quase casual, ele olhou para o relógio — aquele maldito relógio de pulso caríssimo — e se virou para sair. Me deixou ali, aos prantos, como se fosse nada.Orgulho sempre foi meu sobrenome. Jamais me deixaria rebaixar… até aquele instante. Porque naquele dia, por algum motivo que nem sei dizer, meu orgulho cedeu.Eu o vi pegando a bolsa e indo embora, e, sem pensar, corri para segurá-la com as duas mãos. Minha voz saiu tão baixa que quase achei que ele nem ouviria.— Se você sair agora, não vai me encontrar quando voltar.E ele ouviu. Mas sua resposta foi arrancar a bolsa das minhas mãos com tanta força
Assim que ouvi as palavras dele, qualquer resquício do joguinho de olhares morreu ali. Minha vontade de continuar olhando nos olhos dele foi substituída por uma sensação de puro desprezo, e eu deixei escapar uma risada amarga.— Você… você tem a audácia de pedir perdão?Ele ficou em silêncio, talvez sem saber o que dizer — ou, quem sabe, sabendo que nada do que dissesse mudaria alguma coisa. Isso não me impediu de ir até o fim, é claro.— A resposta é não, Alexander. Eu jamais vou te perdoar. E se o universo for justo, você vai pagar por tudo.Soltar aquilo não me trouxe alívio. As palavras saíram vazias, como uma moeda lançada em um poço que nunca devolve nada. Mas para ele, pareceu o bastante. A expressão dele congelou, tão distante quanto sempre.— Estou indo embora — disse ele, seco, antes de se virar, pegar o casaco e sair, deixando a porta bater. Por um instante, fiquei olhando para a porta fechada, com o coração inquieto, pulsando naquela mistura exasperante de ódio e… pena? E
Continuei encarando Alexander enquanto os médicos saíam da sala, e as lágrimas começaram a se acumular nos meus olhos. Teimosamente, enxuguei cada uma antes que pudessem cair — mais por orgulho do que por qualquer outra coisa. Ele não merecia ver nem uma fração da minha dor.— Vovó, poderia nos dar um momento a sós? — Alexander pediu com aquela calma inabalável que parecia tão ensaiada. Minha avó assentiu e saiu, lançando-me um último olhar triste.Quando ele se aproximou da cama, senti meu corpo inteiro se retrair. Ele achava que qualquer coisa que dissesse agora faria diferença? Nem esperei que ele começasse.— Me deixa em paz, Alexander. Não quero ver seu rosto nunca mais. — As palavras saíram afiadas, e pela primeira vez, o vi hesitar. Seus olhos se encheram de uma decepção que quase me pegou desprevenida, como se ele realmente não entendesse o motivo da minha mágoa.Virei-me para o lado oposto, ignorando sua presença. O silêncio era quase ensurdecedor, mas ele não fez nada para p
Minha mãe me encarou com um olhar calculista, como se estivesse considerando onde eu cabia (ou melhor, onde eu não cabia) no seu grande plano. Então, disparou, sem hesitar:— Vou começar minha vida com ele. Já perdi tempo demais nesta cidade e com essa… família. Quero ser feliz, Charlotte. Dá pra fazer isso por mim? E, por favor, não conte a ninguém. Saio daqui a dois dias. Quando estiver estabelecida, te mando dinheiro, e quem sabe até te trago comigo, quando tudo estiver resolvido.Eu sabia que era mentira. Uma desculpa mal disfarçada para me manter calada. Ela nunca teve intenção de me levar. Naquele momento, aos quatorze anos, era óbvio que eu estava sendo oficialmente removida do seu mapa. Afinal, o que uma garota daquela idade entende sobre egoísmo? Naquela época, o ato mais egoísta que eu cometia era roubar o melhor pedaço de bolo. Mas naquele dia, aprendi o que significava o egoísmo de verdade. Era um troféu de uma mãe que escolhia seguir seu próprio caminho — sem mim.Respire