O tempo piorava a cada minuto. Em uma hora chovia torrencialmente, e na outra, caía um chuvisco que só servia para me encharcar ainda mais. Dezembro é implacável na Cidade D, mas o frio daqui nem se compara ao da minha cidade natal, onde o vento gélido parece afiado o suficiente para arrancar a pele. Pelo menos aqui posso deixar os casacos felpudos guardados e me arriscar com algo mais leve — ou era o que eu pensava, até hoje.Ao sair do ônibus, envolta na minha própria arrogância meteorológica, percebi que o meu guarda-chuva era tão útil quanto um pente em uma tempestade. A chuva me pegou de jeito. Quando finalmente cheguei em casa, meus cabelos estavam grudados no rosto e pescoço, e eu tremia como uma condenada. Isso só podia ser uma espécie de karma por ter reencontrado Alexander. Desde o momento em que ouvi sua voz na rádio, parecia que a má sorte decidiu me acompanhar em tempo integral.Na tentativa de evitar uma gripe monumental, tomei um banho quente, fiz uma canja, um chá de l
Por um segundo, pensei que desmaiaria de verdade — o sangue no tubo, aquele vermelho intenso, era só o toque final do meu drama particular. Felizmente (ou não), meu colega de trabalho, com reflexos dignos de um herói trágico, me segurou antes que eu beijasse o chão. É claro que sua tentativa de ajuda apenas espalhou o pouco sangue que havia escapado, transformando o “incidente” em algo digno de um filme de suspense médico.— Doutor! A situação piorou! — ele berrou, em um tom de urgência como se eu estivesse no último suspiro.Foi o grito ouvido por toda a enfermaria. E, como na pior das ironias, o primeiro rosto que apareceu na porta foi justamente o de Alexander. O Alexander. Ele estava ali, parado, me observando com aquele olhar que misturava incredulidade e... uma sombra de preocupação?Tentei me recompor, ainda zonza e sem firmeza nas pernas, mas já era tarde demais. Alexander me alcançou em um segundo, arrancando-me dos braços do pobre funcionário e me erguendo como se eu não pas
— Todos, saiam. — Alexander falou, seu tom autoritário rompendo a atmosfera como um trovão.Suas maneiras eram tão mandonas e frias que até os fantasmas na sala pareciam assustados, prontos para fugir. Assim que a sala ficou vazia, Alexander se aproximou e puxou uma cadeira para sentar ao lado da minha cama, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Dei uma olhada rápida para o teto, respirando fundo.— E então… — arrisquei — o que te trouxe à enfermaria?Ele levantou o olhar com aquele brilho frio e meticulosamente calculado. — Me avisaram que você não estava bem. Vim conferir. — Pausou, me estudando como se estivesse diante de um contrato cheio de cláusulas duvidosas. — E quis garantir que fosse atendida… devidamente.— Ah, claro. Isso explica por que trouxe toda uma plateia. — Revirei os olhos, sem conseguir conter o sarcasmo.Alexander deu de ombros, com um sorriso quase desdenhoso.— Não trouxe ninguém. Eles simplesmente insistiram em me seguir. Você é a única pessoa que tent
Ao me levantar da cama da clínica, dei uma última olhada para Alexander, que se afastava com aquele jeito tão característico de quem está resolvendo tudo e mais um pouco. Do lado de fora, a enfermeira me lançou um olhar cúmplice e, se pudesse, seguraria uma plaquinha “conta essa fofoca”. Tão discreta quanto um outdoor.— Aqui está a receita do médico — disse ela, mas o tom sutilmente animado denunciava a curiosidade. — Ele está com outro paciente, então sugeriu que eu entregasse para você, sem esperar que ele voltasse.Peguei o papel com desconfiança. O médico “dedicado” que me atendia há menos de uma hora nunca jogaria uma receita nas minhas mãos e me despacharia assim. Era claro que a enfermeira tinha se voluntariado para o serviço.Ela deu uma rápida olhada ao redor e abaixou o tom.— Perdão se é intromissão, mas… qual sua relação com o chefão?A língua coçou para dar uma resposta à altura, mas consegui manter a dignidade — se bem que parte de mim estava até um pouco lisonjeada com
Eu mal tinha acabado de me acomodar na ideia de Alexander sendo meu patrocinador gourmet, quando ele entrou no carro com o item da “grande parada” no shopping. E lá se foram minhas esperanças culinárias. Em vez de sacolas de comida, o que ele trazia era… uma troca de roupa.— Você parou aqui só pra comprar roupas? — perguntei, com a frustração escorrendo da voz. Ele me lançou um olhar quase inocente.— Preciso trocar de roupa. Meu terno vai acabar cheirando a comida.Senti um nervoso latejando na têmpora. É sério? Eu o convido para almoçar, ele reclama do terno, e eu ainda não o mandei para aquele lugar? Suspirei e deixei escapar, quase para mim mesma:— Claro. A culpa é toda minha por te convidar.Fiz o resto do caminho em um silêncio tenso. E, ao chegar ao meu apartamento, fui tomada pela vontade de dar meia-volta e deixá-lo na porta. Mas me contive, entrei e o deixei seguir. Nem me preocupei em arrumar a sala antes. Se eu já tinha desistido de impressioná-lo? Há tempos.Pendurei a
A voz de Alexander realmente soava… ferida. É claro que eu sempre finjo dureza, mas, toda vez que percebo um tom triste na voz dele, minha armadura se estilhaça numa velocidade que odeio admitir.Respirei fundo, tentando recompor minha postura antes de me virar para ele, mas acabei suspirando de pura irritação quando finalmente o encarei.— Olha, só te convidei para almoçar. Então, não comece a falar de coisas deprimentes que estraguem o meu humor — disparei, forçando uma leveza que eu mesma não sentia.Mas ele estava tão perto… A proximidade dele me desconcertou a ponto de um pensamento tolo escapar antes que eu conseguisse me controlar:— Por que está tão perto? Você nunca quis me tocar… — sussurrei, arrependida na mesma hora.Ele sustentou meu olhar, e seu tom veio mais baixo, porém firme:— Como eu poderia, se nos seus olhos só via dor?Eu o encarei, tentando entender a gravidade do que ele dizia. Em meu olhar havia dor? Pois, ficava tão desesperada e ansiosa, pensando em mil cois
Eu mal tinha terminado de colocar os pratos na mesinha improvisada, quando me virei para ele, ainda segurando uma cadeira meio desconfortável — mas era o que tínhamos.— Pode sentar no sofá. Eu puxo uma cadeira pra mim — falei, tentando fingir normalidade, como se a situação fosse um jantar qualquer.Ele me observou em silêncio, com aquele olhar intenso que poderia derreter uma montanha, mas que em mim causava apenas um leve pânico interno.— Se quiser algo para beber, melhor comprar na loja mais próxima. Só tenho água.Ele nem piscou. Apenas respondeu, direto, sem rodeios:— Água serve.E começou a comer. Seus olhos vagavam entre o prato e, ocasionalmente, voltavam para mim com um ar quase… resignado? Ah, claro, deve estar odiando. Um CEO acostumado com pratos que eu provavelmente nem saberia pronunciar agora encarava meu prato de legumes levemente tostados e frango sem tempero especial. Pois é, maldito! Mas ele poderia ao menos fingir que o esforço significava algo.Observando-o mas
Eu já sabia que ia acabar com ele. Já tinha decidido isso, mesmo que a convicção me escapasse sempre que Alexander surgia com aquele ar distante e inatingível. No fundo, eu já me considerava sozinha há muito tempo, um adorno dispensável na vida dele, e me repetia que estava pronta para seguir em frente.Mas ainda doía. Ele mentiu. Ele tinha outra. E depois de admitir isso com um desdém quase casual, ele olhou para o relógio — aquele maldito relógio de pulso caríssimo — e se virou para sair. Me deixou ali, aos prantos, como se fosse nada.Orgulho sempre foi meu sobrenome. Jamais me deixaria rebaixar… até aquele instante. Porque naquele dia, por algum motivo que nem sei dizer, meu orgulho cedeu.Eu o vi pegando a bolsa e indo embora, e, sem pensar, corri para segurá-la com as duas mãos. Minha voz saiu tão baixa que quase achei que ele nem ouviria.— Se você sair agora, não vai me encontrar quando voltar.E ele ouviu. Mas sua resposta foi arrancar a bolsa das minhas mãos com tanta força