No dia seguinte, lá estava eu, em um ônibus cheio de gente indo para a temida sede da Speredo. A ideia de ir até aquele prédio enorme, onde Alexander praticamente reinava como um imperador corporativo, fazia minha pele arrepiar, mas não exatamente de empolgação. Era um misto de pavor e resignação, uma combinação que me acompanhou a cada troca de ônibus e fila exasperante.Depois de um longo tempo como passageira em três veículos diferentes e lotados, consegui descer no ponto de ônibus que ficava a uns bons quinze minutos de caminhada do prédio da Speredo. Se isso não fosse o suficiente para me deixar de mau humor, o cenário era. Olhei ao redor e me perguntei como aquele pedaço esquecido no leste da cidade se transformou em um centro reluzente de ternos caros e arranha-céus empresariais. Claro, graças a Alexander e sua equipe de magnatas calculistas. Eles compraram o terreno baratinho e o transformaram na meca de aspirantes a magnata e advogados de colarinho branco. Não pude evitar um
— Eu entendo perfeitamente se a senhora se recusar a me oferecer qualquer cargo na empresa — disse, forçando um sorriso e tentando manter a pouca dignidade que ainda tinha.A expressão dela endureceu, e vi uma pontinha de impaciência em seus olhos enquanto empurrava meu currículo de volta pela mesa.— Ah, isso com certeza não é o problema — respondeu, as palavras escorrendo com uma condescendência que me fez querer desaparecer. — Sugiro que contate o superior que ordenou sua contratação, apesar de sua completa… desqualificação. Diga a ele que, se um incidente como este acontecer novamente, eu mesma relatarei diretamente ao CEO. Tenha um bom dia, senhorita Viradia.Sorri por fora, mas por dentro uma fagulha de raiva queimava. “Aquele superior”? Pois é, ela mal fazia ideia de que o tal superior era o próprio CEO — o mesmo com quem eu dividia a infelicidade. Alexander me transformando, mais uma vez, em seu joguinho particular.Levantei-me em silêncio, apertando os dedos até que os nós fi
Eles chegaram ao centro do jardim, e Alexander, com aquele ar de desinteresse crônico, de braços dados com Olivia, distribuindo sorrisos para todos os lados. A festa inteira parecia ansiosa, olhos famintos fixos neles como se fossem a última novidade. Um dos cinegrafistas que me acompanhava inclinou-se, sussurrando:— Parece que eles são o grande evento desta noite… Vou começar a gravar. Depois entrevistamos.Enquanto ele filmava, eu me sentia uma completa idiota parada ali, imóvel, olhando aquela palhaçada. Alexander fingia ignorar a câmera que estava, convenientemente, bem na frente dele. Ou melhor, fingia não me ver, já que eu estava bem ao lado. A desfeita era tão descarada que doía. Olivia, por sua vez, teve a ousadia de manter os olhos fixos em mim, com um sorriso torto que me dizia tudo: você não é nada.— Temos boas notícias para compartilhar com todos! — Olivia declarou, elevando a voz.Enquanto ela se preparava para o discurso, Alexander, que até então não olhara para ela,
De qualquer forma, eu não estava ali para analisar as nuances de seu caráter questionável. Ele me insultou, e eu estava disposta a confrontá-lo até o fim.— A entrevista correu bem? — disparou Alexander assim que me aproximei de sua mesa, o tom escorrendo veneno, como o de uma cobra que se arrasta sem pressa.A audácia. Ele realmente se atreveu a perguntar isso. Ri baixinho, com desprezo, deixando a expressão cair até que meu rosto ficasse completamente vazio.— Você acha que pode fazer isso comigo cada vez que lhe convém, Senhor Speredo? — Minhas palavras saíram afiadas, cortando o silêncio entre nós. — Que pode me manipular a seu bel-prazer e depois achar que eu vou ficar quieta?Ele me encarou, a testa levemente franzida, como se tentasse decifrar meu tom de repulsa, mas sem demonstrar nada além de indiferença.— Não sei do que está falando — respondeu ele, numa falsa confusão que só piorava minha náusea.Eu respirei fundo, mantendo a compostura. Cansei de perder meu tempo com seus
A mulher da entrevista tinha um ar resoluto, desses que parecem defender uma causa até o fim. Mas sei bem como as coisas funcionam aqui. Senti um peso incômodo me dominar. Era um déjà-vu doloroso: no passado, quando Alexander destruiu meu canal de transmissão, foram muitas as demissões e vidas desfeitas por causa de uma decisão que não tomei. Não queria ter mais demissões na minha conta. Não desta vez.Respirei fundo, ignorando a voz que berrava para correr dali e desaparecer por entre as pilhas de papéis da mesa de Alexander. Fui até ele, cada passo sob o olhar assassino que ele dedicava a todos ali. Parei à sua frente, os olhos cravados nos dele, me forçando a manter a postura.— Alexander… fui injusta com você. Peço desculpas — sussurrei, a voz talvez saindo realmente um pouco culpada.Vi seus olhos escurecerem, mas a fúria que eu esperava se desmanchou num brilho estranho, quase… cínico.— Acha que um pedido de desculpas apaga o que você disse? — Ele arqueou uma sobrancelha, e, n
Assim que Alexander disse aquela palavra “família” eu quase engasguei. Ele, falando de família? Era como ver um lobo pregando o veganismo. Alexander jamais ligou para os próprios parentes. Nem para a mãe, nem para o pai, e menos ainda para a irmã. Era impossível não lembrar do jeito dele nas reuniões de Natal, sempre com aquela expressão entediada, como se estivesse cumprindo uma pena e esperando o momento de sair em liberdade.Mas, de tempos em tempos, havia exceções… e quase todas as brigas envolviam uma peça constante: eu. A mãe e a irmã de Alexander tinham uma lista infinita de reclamações sobre mim. Às vezes, eu era “fria demais”, outras, “desrespeitosa” por não saber sorrir feito Miss Simpatia para elas. Ah, e o meu favorito: “ingrata”, porque, aparentemente, ao casar com Alexander, eu deveria ter ganhado um passe vitalício para bajular toda a família.Quando ambas começavam a se lamentar — gemendo como gatos feridos, para ser honesta —, Alexander, num rompante heroico que eu só
O tempo piorava a cada minuto. Em uma hora chovia torrencialmente, e na outra, caía um chuvisco que só servia para me encharcar ainda mais. Dezembro é implacável na Cidade D, mas o frio daqui nem se compara ao da minha cidade natal, onde o vento gélido parece afiado o suficiente para arrancar a pele. Pelo menos aqui posso deixar os casacos felpudos guardados e me arriscar com algo mais leve — ou era o que eu pensava, até hoje.Ao sair do ônibus, envolta na minha própria arrogância meteorológica, percebi que o meu guarda-chuva era tão útil quanto um pente em uma tempestade. A chuva me pegou de jeito. Quando finalmente cheguei em casa, meus cabelos estavam grudados no rosto e pescoço, e eu tremia como uma condenada. Isso só podia ser uma espécie de karma por ter reencontrado Alexander. Desde o momento em que ouvi sua voz na rádio, parecia que a má sorte decidiu me acompanhar em tempo integral.Na tentativa de evitar uma gripe monumental, tomei um banho quente, fiz uma canja, um chá de l
Por um segundo, pensei que desmaiaria de verdade — o sangue no tubo, aquele vermelho intenso, era só o toque final do meu drama particular. Felizmente (ou não), meu colega de trabalho, com reflexos dignos de um herói trágico, me segurou antes que eu beijasse o chão. É claro que sua tentativa de ajuda apenas espalhou o pouco sangue que havia escapado, transformando o “incidente” em algo digno de um filme de suspense médico.— Doutor! A situação piorou! — ele berrou, em um tom de urgência como se eu estivesse no último suspiro.Foi o grito ouvido por toda a enfermaria. E, como na pior das ironias, o primeiro rosto que apareceu na porta foi justamente o de Alexander. O Alexander. Ele estava ali, parado, me observando com aquele olhar que misturava incredulidade e... uma sombra de preocupação?Tentei me recompor, ainda zonza e sem firmeza nas pernas, mas já era tarde demais. Alexander me alcançou em um segundo, arrancando-me dos braços do pobre funcionário e me erguendo como se eu não pas