Capítulo 2: Grama verde e olhos vermelhos - parte 1

O som dos móveis sendo arrastados ecoava pela casa, misturado ao ritmo suave da música que tocava do celular de Clarice. Ela havia aberto todas as janelas, permitindo que o ar fresco e o cheiro úmido da floresta entrassem, e a luz do fim da tarde iluminasse o ambiente.

— Pronto — suspirou, limpando uma gota de suor da testa. — Último móvel.

O cansaço começava a pesar em seus ombros, mas Clarice sabia que a sensação de estar naquela casa era tudo o que precisava para continuar. Já fazia horas que estava de pé, limpando cada canto, cada móvel coberto de poeira. Colocar tudo em ordem era a forma dela de lidar com as memórias e a saudade. O sofá da sala, onde ela e sua mãe costumavam passar as noites juntas assistindo séries de TV, estava agora limpo e convidativo. As cortinas brancas balançavam suavemente ao vento, trazendo uma sensação de paz que ela não sentia há muito tempo.

“Parece que estou mais perto de você agora, mãe”, pensou, sentindo uma pontada de tristeza no peito. 

A música mudou para uma faixa mais animada, mas Clarice não conseguia acompanhar o ritmo. A ausência de Elaina era gritante em cada canto daquela casa.

Clarice olhou para o relógio na parede e percebeu que já era fim de tarde. O céu começava a ganhar um tom alaranjado, e a luz suave do pôr do sol tingia as paredes de um dourado delicado, banhando a copa das árvores com aquela cor belíssima que reluziu sob os cabelos dela, quando a garota se aproximou da janela para olhar.

— Já fiz muito por hoje — ela murmurou para si mesma, desligando a música e pegando uma garrafa de água que estava na bancada.

Seus braços doíam, e as pernas estavam pesadas, mas o importante é que tudo estava finalmente limpo e arrumado, e que agora a casa estava, mais uma vez, vivida, exatamente como ela se lembrava.

Ela olhou pela janela da cozinha, observando o quintal vasto e o mato alto que balançava com o vento. Um sorriso nostálgico brotou em seus lábios. Quando era criança, adorava brincar ali, correndo entre as flores e o gramado verde. Era sua zona de conforto, seu refúgio quando tudo parecia errado no mundo.

Decidida a reviver um pouco daquele sentimento de paz, Clarice pegou uma toalha fina e foi até o quintal. O som de seus passos afundando na grama alta era suave e familiar, como se a natureza estivesse dando boas-vindas. Sentou-se no centro do quintal, estendendo a toalha sobre a grama e deitando-se sobre ela, com os olhos fixos no céu.

O crepúsculo já tomava conta do horizonte, e as estrelas começavam a surgir, uma a uma, pontilhando o céu com sua luz suave. Clarice fechou os olhos por um instante, sentindo o cheiro de terra molhada e das plantas que cresciam ao seu redor. O silêncio profundo da floresta a envolvia, apenas quebrado pelo som distante de grilos e pelo farfalhar das folhas.

— Isso… Isso é o que eu precisava — sussurrou, sentindo a calma invadir seu corpo.

Lembranças da sua infância começaram a surgir, a voz de sua mãe ecoando enquanto ambas cuidavam do jardim, as risadas que compartilhavam. Era como se, ali, no meio do quintal, ela estivesse mais próxima de Elaina do que em qualquer outro lugar.

"Você estaria orgulhosa, mãe. Estou de volta, e vou fazer isso dar certo. Quero fazer tudo exatamente como você sonhou, mamãe…” pensou, com o coração apertado. A sensação de solidão que a acompanhava desde o acidente parecia, por um momento, ser substituída por algo mais suave, mais acolhedor.

Clarice não sabia quanto tempo havia passado ali, mas, aos poucos, o cansaço começou a dominá-la. Seus olhos pesaram, e a brisa fresca que soprava da floresta parecia embalar seus sentidos. Ela tentou resistir, mas seu corpo pedia por descanso, havia feito tanto o dia todo que não havia como negar um bom cochilo. Então, sem nem perceber, ela adormeceu. 

Foi um som distante, quase como um rosnado, que a despertou. Clarice abriu os olhos de repente, o coração acelerado. Estava escuro, e a lua cheia brilhava intensamente no céu, iluminando o quintal com uma luz prateada. Ela se sentou, esfregando os olhos e olhando ao redor, confusa.

— Que droga… Cochilei aqui fora. — murmurou, sentindo um arrepio correr por sua espinha. O ar estava frio, e ela tremia levemente.

Levantou-se devagar, os músculos do corpo ainda um pouco rígidos pelo tempo que passou deitada no chão. Foi então que seus olhos pousaram sobre algo estranho. A grama alta ao seu redor estava amassada em alguns pontos, como se algo grande tivesse passado por ali.

— O que é isso? — Clarice deu alguns passos, tocando o mato amassado com a ponta dos dedos. 

O padrão parecia ser o de pegadas, mas grandes demais para serem humanas.

Seu coração bateu mais rápido. A sensação de ser observada a incomodava, mas ela tentou afastar o pensamento. 

"Deve ser algum animal da floresta... Um cervo, talvez", disse a si mesma, embora não estivesse completamente convencida.

Com um suspiro pesado, Clarice deu meia-volta e caminhou até a porta da casa. Ao passar pelo portãozinho de madeira, algo chamou sua atenção. Virou-se para olhar novamente para o quintal, e, por um breve segundo, pensou ter visto um par de olhos vermelhos brilhando entre as árvores. Ela piscou, assustada, mas, quando tentou focar sua visão, não havia nada, nada além da imponente floresta a sua frente.

— Ótimo, agora to ficando maluca… É só cansaço. — disse em voz alta, tentando convencer a si mesma. Entrou rapidamente na casa, fechando a porta atrás de si. "É só o cansaço", repetiu mentalmente, mas aquela sensação de desconforto continuava ali, alojada em seu peito.

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