“Mãe… Mãe, por favor! Acorda, mãe!”
Clarice abriu os olhos, apoiando a mão no peito, ofegante. O quarto ainda estava escuro, uma leve luz entrava pelas cortinas, a luz prateada da lua cheia. A madrugada ia alta e ela deveria estar descansando para pegar seu voo para Pinewood cedo no dia seguinte, mas fazia muito tempo que não conseguia dormir bem.
Ela se levantou, os pés descalços tocando o chão frio. Suas cisas já estavam encaixotadas, não pretendia levar muito para sua nova “antiga” casa, apenas o essencial. A única coisa que ainda estava fora das poucas caixas era o porta-retrato que estava repousando ao lado do seu travesseiro.
Uma foto da sua mãe, Elaina.
As memórias do acidente que havia acontecido há somente um mês a assombravam todos os dias, e a culpa também. As últimas palavras de sua mãe para ela ainda estavam martelando em sua cabeça, ela jamais esqueceria e jamais deixaria de se culpar, afinal, Clarice quem estava na direção, ela quem perdeu o controle do carro.
Em teoria, ela era a culpada por sua mãe estar morta.
— Merda que dor de cabeça — resmungou, passando a mão nos cabelos, puxando a franja para trás e limpando o suor da testa.
Então se levantou indo até uma das caixas e abrindo apenas uma parte desta puxando lá de dentro um frasquinho de remédios para dormir.
Queria parar de tomar aquelas coisas, mas, mesmo tendo se passado um mês desde o acidente, ela continuava acordando todos os dias naquele horário.
Clarice engoliu dois comprimidos, sem água mesmo, e voltou para a cama, abraçando o porta-retrato e fechando os olhos, imaginando sua mãe ali, os braços dela ao seu redor.
Só depois de quase duas horas, ela adormeceu.
***
O voo até Lakecity foi mais demorado do que ela imaginou que seria, e ela ainda precisaria pegar um ônibus já que Pinewood não tinha aeroporto. Sair de Warmiton para Pinewood era uma troca estranha. Diferente de onde Clarice estava vindo, Pinewood não era, normalmente, o lugar para onde as pessoas se mudaram, uma cidade pequena, normalmente muito fria e escura, com poucos dias de sol, muita mata e, no máximo, 5 mil habitantes. Certamente não era o lugar para alguém que estava acostumado com praias, shoppings e shows badalados.
Era um lugar de vizinhos que se conhecem há muito tempo, um centro pequeno, sebos, uma única escola e nenhuma faculdade. Além de uma qualidade de rede duvidosa. Mas tinha seus encantos, belas paisagens e o que Clarice mais procurava: paz.
Seria nostálgico voltar ao lugar onde cresceu e a cidade que sua mãe tanto amava. Elaina nasceu e cresceu em Pinewood, foi onde conheceu o pai de Clarice, alguém de quem ela não sabia muito, afinal, Elaina nunca revelou detalhes sobre o romance efêmero que lhe gerou uma filha.
Só sabia que o nome dele era Conan e nada mais.
Quando pequena, Clarice se lembrava perfeitamente de sua mãe cultivando flores no quintal da casa em que moravam, uma casa que estava fechada há muitos anos. A casa onde Clarice pretendia morar agora.
A ruiva caminhou pelo aeroporto apressada, arrastando sua mala, sabendo que o caminhão com sua mudança estaria chegando a Pinewood em poucas horas e ela precisava estar lá quando isso acontecesse. Clarice correu, parando na frente do aeroporto e fazendo sinal para um táxi, entrando nele com toda pressa do mundo.
— Boa noite, mocinha — o homem, um senhor de meia-idade com sorriso simpático, disse. — Para onde vamos?
— O senhor sabe saem ônibus para Pinewood na próxima hora? Preciso chegar lá o mais rápido possível! — respondeu ela, puxando sua mala consigo para o banco de trás do carro, fechando a porta.
— Pinewood? Na verdade, que eu saiba não, mas sou de lá, trouxe uma senhora aqui para fazer alguns exames e pretendia fazer algumas corridas antes de voltar pra casa — o senhor respondeu assumindo seu lugar no banco do motorista. — Se você quiser, posso te levar para lá, cobro o mesmo valor que você iria gastar com a passagem do ônibus!
— Sério? — perguntou, incrédula. — Nossa, com certeza eu aceito!
A viagem de carro foi, de fasto, muito mais rápida. No caminho, Clarice descobriu que o nome do senhor era Jorge, e soube ainda que ele conhecia sua mãe desde que ela era uma pré-adolescente. Jorge ficou sentido pela notícia do falecimento de Elaina e afirmou que ele e sua esposa estariam disponíveis para ajudá-la na adaptação, já que a casa onde Clarice ficaria era bem afastada da zona principal da cidade. Levaram cerca de duas horas para chegar até Pinewood, e, assim que cruzaram a única avenida do lugar, Clarice notou como a cidade ainda era exatamente a mesma. Algumas lojas com fachada reformada, uma e outra lojinha mais recende, mas quase nada havia mudado, ainda era o mesmo lugarzinho frio e meio vazio de sempre, mas com pessoas acolhedoras. Seguiram pela avenida até cruzar a cidade, saindo da zona mais populada até a estrada que lavava a grande indústria de tecnologia e sustentabilidade que empregava boa parte das pessoas da região. Mas não chegaram tão perto dela, pararam v
O som dos móveis sendo arrastados ecoava pela casa, misturado ao ritmo suave da música que tocava do celular de Clarice. Ela havia aberto todas as janelas, permitindo que o ar fresco e o cheiro úmido da floresta entrassem, e a luz do fim da tarde iluminasse o ambiente.— Pronto — suspirou, limpando uma gota de suor da testa. — Último móvel.O cansaço começava a pesar em seus ombros, mas Clarice sabia que a sensação de estar naquela casa era tudo o que precisava para continuar. Já fazia horas que estava de pé, limpando cada canto, cada móvel coberto de poeira. Colocar tudo em ordem era a forma dela de lidar com as memórias e a saudade. O sofá da sala, onde ela e sua mãe costumavam passar as noites juntas assistindo séries de TV, estava agora limpo e convidativo. As cortinas brancas balançavam suavemente ao vento, trazendo uma sensação de paz que ela não sentia há muito tempo.“Parece que estou mais perto de você agora, mãe”, pensou, sentindo uma pontada de tristeza no peito. A música
No dia seguinte, Clarice despertou com o som suave do vento balançando as cortinas do quarto. O sol mal havia nascido, e os primeiros raios de luz invadiam o ambiente com delicadeza. Ela se espreguiçou, sentindo o corpo um pouco dolorido por ter dormido no quintal.— Que ideia foi essa de dormir lá fora? — reclamou para si mesma, enquanto se levantava da cama. Caminhou até a cozinha, ligando a cafeteira. Precisava de um café forte para começar o dia. Hoje seria o dia de encontrar o local perfeito para a floricultura, não podia demorar, precisava pegar a boa estação para garantir que as flores cresceriam bem quando ela plantasse. Até que pudesse cuidar da própria produção, enquanto as suas flores não cresciam, ela precisaria de um fornecedor, mas já tinha um em mente, a mesma pessoa que lhe forneceria as sementes para que ela começasse a plantar suas flores em seu grande quintal. Clarice tinha várias ideias em mente, e a ansiedade por começar logo era quase palpável.Enquanto espe
— Você deve ser Clarice, certo? — perguntou a mulher.— Sim, sou eu. — respondeu, apertando a mão da mulher com firmeza. — Estou muito interessada no espaço. Acho que é perfeito para o que eu preciso.As duas conversaram sobre os detalhes, e, em pouco tempo, Clarice já havia decidido: aquele seria o local onde realizaria o sonho de abrir a floricultura. Depois de algumas formalidades e de assinar o contrato de aluguel, Clarice saiu da loja com um sorriso satisfeito no rosto. Seu coração batia mais rápido, não apenas pela empolgação de começar seu próprio negócio, mas também pela sensação de estar dando um passo importante para honrar a memória de sua mãe.— É isso, mãe. — sussurrou para si mesma, olhando para o céu limpo. — Estou começando de novo, do jeito que você sempre quis.Ainda perdida em pensamentos, Clarice vagou pelas ruas tranquilas de Pinewood. O clima calmo e as poucas pessoas a cumprimentando a lembravam do quanto ela gostava de viver ali quando era criança. Havia uma ce
As cortinas pesadas evitavam que a luz do sol entrasse, o quarto grande e confortável estava completamente escuro e os lençóis farfalhavam a medida que Clarck se movia, erguendo seu corpo e se levantando da cama, deixando os lençóis para trás enquanto caminhava preguiçosamente em direção à mesa que havia no canto esquerdo, pegando seu celular e conferindo as horas. A luz da tela se acendeu e iluminou um pouco o quarto, tornando o rosto bonito dele visível em meio a escuridão. Os olhos cor de âmbar ainda estavam levemente avermelhados, encarando a tela do celular meio franzidos, assim como as sobrancelhas grossas. Ele passou a destra no rosto, puxando para trás os cabelos castanhos curtos que estavam levemente bagunçados, a medida que caminhava em direção à janela, já era tarde, ao menos para ele. O relógio na tela do celular marcavam sete e quarenta da manhã e ele tinha vinte minutos para se arrumar e entrar no carro, assim conseguiria chegar ao escritório antes do expediente dos fun
Assim que desceu as escadas e pisou os pés na imensa sala de jantar da grande casa que abrigava grande parte da matilha, Clarck ouviu a voz de seu pai ressoar atrás de si, bem como os passos rápidos dele, Donovan sabia que o filho fugiria assim que possível, então, sua única opção era alcançá-lo antes que ele conseguisse escapar.— Nem pense em fugir, garoto — o homeo disse, caminhando mais rápido e esticando o braço para segurar Clarck antes que este pudesse escapar. Apesar de seu filho já ser um homem formado e, inclusive, já ter ocupado o posto de alfa, Donavan ainda o tratava como um adolescente inconsequente às vezes. Não podia evitar ver o filho como um filhote que ainda precisava de instruções. — Bom dia para você também, pai — Clarck resmungou, com um pequeno sorriso, batendo no ombro de seu pai e o cumprimentando. Eram muito parecidos, mas Clarck conseguia ser ainda mais alto que Donavan, e também mais forte, mesmo que só um pouco. Fora isso, os traços, a cor âmbar dos olh
O caminho até a empresa foi feito com velocidade e pressa. Clarck guiou o carro pela estrada vazia que levava até a empresa com velocidade o suficiente para quebrar inúmeras leis de trânsito, mas aquilo não importava muito, afinal, o caminho que levava a alcateia até a empresa era uma rodovia que apenas quem morava em Pinewood utilizava, logo, não costumava ser movimentada ou ter uma fiscalização rígida. Ele fazia aquele caminho em quase todas as manhãs, algumas vezes mais rápido que outras, e não demorou até ver os portões da empresa, imponentes, erguendo-se na entrada da empresa, movimentada como sempre. As indústrias Bankov empregava a maior parte de Pinewood com salários muito justos, apesar do monopólio que tinham sobre a região. Bankov guiou o carro para dentro e estacionou, cumprimentando os seguranças, lobos de sua matilha disfarçados entre os humanos para manter o perímetro seguro. A matilha garra sangrenta havia decidido, há muitos anos, manter uma convivência pacifica co
Aquele foi o primeiro dia de Clarice. A inauguração da floricultura foi um sucesso, bem, ao menos foi melhor do que ela imaginou que seria. No dia anterior ela foi até o local para receber o seu carregamento de flores e plantas, tinha de rosas a suculentas, e levou o dia inteiro para arrumar tudo dentro da loja, decorar as prateleiras, organizar os buques prontos e pendurar a fachada que trouxe consigo na viagem, desenhada por sua própria mãe antes do acidente. O instalador a colocou no dia anterior, as ove da noite, mas ela não se importou em ficar lá até mais tarde esperando isso, ver a placa ali lhe deu uma força de ânimo e lhe aqueceu o coração. “Floricultura Sussurros do vento”, era esse o nome que Elaina desejava colocar e foi esse o nome que Clarice colocou. Sua mãe dizia que o vento levava o aroma das flores para os apaixonados, sussurrando no ouvido deles juras de amor. Sua mãe sempre foi uma mulher muito romântica, apesar de nunca ter se envolvido com ninguém além de seu