Antes de se tornar o homem que agora moldava sombras e impunha sua vontade ao mundo, Donaldo fora apenas um menino.Um menino de pés sujos de areia, de olhos brilhantes como moedas de ouro, de coração inflado pelo vento salgado que vinha do mar.Ele crescera em uma vila de pescadores, onde as lendas de piratas e exploradores eram sussurradas entre redes de pesca e tonéis de rum barato. Havia sempre um marinheiro de passagem contando histórias de cidades de ouro perdidas, de ilhas onde monstros dormiam, de mapas riscados à faca sobre peles de animais exóticos.E Donaldo escutava. Escutava como quem bebe de uma fonte inesgotável, como quem quer engolir o mundo antes mesmo de poder zarpar.Quando tinha seis anos, Donaldo construiu seu primeiro barco.Não passava de tábuas velhas pregadas de qualquer jeito, com uma vela feita de lençol roubado, mas na mente do menino, era uma nau majestosa, cortando o oceano em busca de esquecidas riquezas.Ele mesmo se nomeou capitão. E os outros garotos
Antes de se tornar Hei, o Caçador Espectral, antes de ser um nome sussurrado com reverência e medo pelos inimigos, ele foi apenas um menino sem nome.Um garoto de pés leves e olhos atentos, criado na neve e na escuridão.Ele aprendera desde cedo que o mundo não pertencia aos fortes. Não aos brutos, não aos que gritavam ordens, não aos que se impunham com músculos e arrogância.O mundo pertencia aos que sabiam esperar.Aos que observavam.Aos que atacavam sem serem vistos.Primeira Lição: Não Seja Visto, Não Seja PegoSeu primeiro mestre não era um guerreiro. Era um ladrão.Hei cresceu entre becos e templos abandonados, onde os pobres e esquecidos construíam seus próprios lares.O homem que o criou não tinha nome — ninguém de verdade tem nome quando se vive nas sombras.— A primeira regra, garoto. — disse ele certa vez, enquanto caminhavam sob o véu da lua. — O mundo é um tabuleiro. Você quer ser a peça ou o jogador?Hei, ainda uma criança, franzira a testa.— O jogador.O homem riu.—
O disparo estilhaçou a quietude da manhã, ecoando pela clareira como um trovão. Por um instante, o tempo pareceu suspenso — até o canto dos pássaros sumiu, engolido por um denso e expectante silêncio.A floresta transformou-se num teatro de tensão.Os mercenários avançavam em passos medidos, dedos nos gatilhos, olhos varrendo a vegetação em busca do menor sinal de vida, cada sombra parecendo esconder uma ameaça, cada galho quebrado, uma armadilha.No entanto...— Ele está morto — declarou um deles, sua voz resoluta, quase satisfeita. — Ninguém sobrevive a um tiro tão certeiro.Mas quando chegaram ao local onde Tupã caíra, encontraram apenas folhas amassadas e lama salpicada de vermelho.— Onde ele está? — perguntou outro, o tom carregado de tensão.O líder do grupo, um homem de rosto endurecido e cicatrizes profundas, estreitou os olhos, estudando o ambiente em volta.— Se escafedeu! — Sua voz era grave, carregada de frustração. — Olho vivo! Esse desgraçado não é como os outros macaco
Visões começaram a se formar na mente de Yara: árvores em chamas, o solo rachado como se vertesse sangue, e uma sombra crescente que devorava tudo em seu caminho. A dor da floresta era quase tangível, transbordando para dentro dela como uma onda avassaladora. Seu corpo tremia, tomado pela agonia que não era apenas sua, mas de algo muito maior.Yara cerrou os punhos, respirando fundo.— Tupã... — sussurrou, a voz entrecortada, não mais que um sopro. — Onde você está?Por mais desesperador que fosse o cenário, algo dentro dela insistia que ele ainda estava vivo. Talvez fosse uma esperança tola, ou talvez fosse a própria floresta, sussurrando que não o abandonara. Mas o tempo estava contra eles, e ela sabia disso.Estava prestes a se mover, para investigar a situação, quando um calafrio subiu por sua espinha. Antes que pudesse reagir, uma gélida mão sombria agarrou seu tornozelo, arrastando-a com força para o rio de águas turvas ao seu lado.Um grito sufocado escapou de Yara conforme ela
A sombra penetrava fundo nela, rompendo a tanga de folhas, invadindo seus poros como ondas de éter, despertando sensações fluidas que se espalhavam sob a pele. Ao longe, tambores batucavam em compasso irregular, ecoando cada vez que aquilo — formas sem rosto, tentáculos de trevas — deslizavam pelas coxas da jovem. Toques simultaneamente suaves, gélidos e provocantes. Vinham agora pelos quadris de Yara, desafiando-a a distinguir prazer de ameaça no mesmo arrepio.O vento sussurrava entre as árvores do refúgio de Ceiba, carregando consigo um lamento ancestral. As folhas tremulavam em uma melodia silenciosa, reverberando o peso de tempos imemoriais, conforme a presença da guardiã das árvores sagradas pairava sobre aquele santuário oculto.Tupã estava deitado sobre um leito de musgo, o corpo envolto por curativos feitos de raízes trançadas e folhas embebidas em bálsamos curativos. A dor ainda pulsava sob sua pele, uma lembrança cruel do cerco que quase o levou à morte. Cada respiração era
Com os lábios pressionados num tenso silêncio, a jovem estendia a mão trêmula em direção à virilha — o ar ao seu redor pesado, carregado de um desejo que parecia pulsar em cada fibra de seu ser. Seus feromônios dançavam no limite, quase tangíveis, conforme ela lutava para conter os gemidos que insistiam em escapar de sua garganta, frágeis e roucos.Dois tentáculos sombrios emergiram das profundezas, envoltos numa névoa fria e viscosa, e agarraram seus seios com uma força que era ao mesmo tempo implacável e sedutora. O toque das sombras era gelado, mas ardente, como se cada movimento fosse uma promessa de algo além da compreensão humana. Yara cerrou os dentes, um gemido prolongado ecoando em sua mente, conforme as sombras a envolviam, moldando-se ao seu corpo como uma segunda pele.Ela sentiu-se sendo puxada para o abismo, uma queda vertiginosa que a consumia por completo. As sombras a engoliam, levando-a cada vez mais fundo, num ritmo que era tanto tortura quanto êxtase. Deslizando, c
A noite pesava sobre o refúgio de Ceiba. Os galhos das árvores sagradas sussurravam segredos, conforme sombras dançavam entre as folhas prateadas pelo luar. O ar era carregado por um silêncio inquieto, um vazio opressor que ecoava dentro de Tupã como um trovão distante, um prenúncio de tempestade.Ele se arrastava pelo átrio, cada passo uma batalha contra o peso esmagador de seu próprio corpo. Seus músculos ardiam, a exaustão fazia sua visão oscilar. Mas nada era tão insuportável quanto o que via quando fechava os olhos.As visões.Yara.Acorrentada.Grilhões cravados na pele, os braços esticados e frágeis.E os homens...(Versões tenebrosas de Naaldlooyee...)Rindo.Cruéis. Selvagens. Sombrios. Assistindo conforme ela se debatia, conforme sua voz gritava seu nome.— Tupã!A súplica rasgava sua alma como uma lâmina oculta, um grito abafado pela escuridão, perdido entre ecos de zombarias e crueldade.E então, como um veneno escorrendo entre suas lembranças, a voz de Naaldlooyee se infi
O interior da barraca estava escuro como um abismo sem fundo, apenas a bruxuleante chama de uma vela trêmula lutava contra a opressiva penumbra. As paredes de tecido ondulavam com a brisa fria da noite, mas o que realmente fazia Donaldo sentir um calafrio na espinha não era o vento — era a presença do homem sentado à sua frente.Naaldlooyee, o Senhor das Sombras Abissais, mantinha-se imóvel, os olhos negros como carvão refletindo algo além do que um ser humano deveria enxergar. A escuridão parecia dançar em volta dele, como se respirasse, como se tivesse vida própria.Donaldo, já acostumado com o domínio e o controle, sentia-se inquieto. A proposta que ouvira do bruxo naquela noite era simplesmente… absurda.— Você hesita, Donaldo — a voz de Naaldlooyee deslizou pelo ar, grave e hipnotizante, como a serpente que sussurra à presa antes do bote.Donaldo tomou um gole do forte licor em sua taça de prata, tentando dissipar o peso daquelas palavras em sua mente.— O que você está pedindo..