O disparo estilhaçou a quietude da manhã, ecoando pela clareira como um trovão. Por um instante, o tempo pareceu suspenso — até o canto dos pássaros sumiu, engolido por um denso e expectante silêncio.
A floresta transformou-se num teatro de tensão.
Os mercenários avançavam em passos medidos, dedos nos gatilhos, olhos varrendo a vegetação em busca do menor sinal de vida, cada sombra parecendo esconder uma ameaça, cada galho quebrado, uma armadilha.
No entanto...
— Ele está morto — declarou um deles, sua voz resoluta, quase satisfeita. — Ninguém sobrevive a um tiro tão certeiro.
Mas quando chegaram ao local onde Tupã caíra, encontraram apenas folhas amassadas e lama salpicada de vermelho.
— Onde ele está? — perguntou outro, o tom carregado de tensão.
O líder do grupo, um homem de rosto endurecido e cicatrizes profundas, estreitou os olhos, estudando o ambiente em volta.
— Se escafedeu! — Sua voz era grave, carregada de frustração. — Olho vivo! Esse desgraçado não é como os outros macacos!
Entre as sombras da floresta, Tupã deslizava como um espectro, seu corpo colado ao chão, escondido entre raízes e arbustos, cada movimento uma luta contra a dor latejante em seu peito, insistente como uma segunda pulsação.
O tiro não o matara, mas deixara sua marca: uma ferida na lateral do corpo que sangrava devagar, ameaçando roubar-lhe as forças gota a gota.
Ao seu redor, a floresta parecia respirar, sussurros ecoando em sua mente, palavras incompreensíveis que, no entanto, o guiavam como uma invisível bússola. Raízes se torciam para abrir caminho, folhas caíam para cobrir seus rastros, e as sombras se estendiam. Como mantos protetores.
Com mãos trêmulas, ele cobriu a pele com lama e folhas úmidas, tentando sufocar o cheiro do sangue que poderia delatá-lo. A respiração era pesada, quase um rugido nos ouvidos, mas nos olhos brilhava uma chama obstinada — a promessa de que não cairia ali, não enquanto pudesse rastejar.
— Ainda não — murmurou ele para si mesmo, a voz rouca e tensa. — Ainda não acabou.
Um lampejo de escuridão e dor.
E então, suas percepções começaram a oscilar. Entre o presente e algo além, flashes de luz dourada invadiam sua mente. Ele via árvores gigantescas que pareciam alcançar os céus, figuras indistintas que o observavam, os olhos brilhantes, e sussurros ancestrais que ecoavam como canções de tempos esquecidos.
A floresta não era apenas seu escudo — era também seu juiz. Cada passo, cada obstáculo, parecia fazer parte de um teste oculto, uma prova que ele ainda não compreendia por completo.
Após uma caminhada que se arrastava como uma eternidade, suas forças o traíram. As pernas cederam, e ele desabou ao lado de uma formação rochosa, onde o musgo cobria as pedras como um tapete úmido. Foi então que a visão surgiu: uma gruta escura, sua entrada semioculta entre sombras e raízes retorcidas.
A cavidade parecia sussurrar seu nome, convidando-o com uma promessa ambígua de abrigo. Um refúgio duvidoso, sim, mas o único à sua frente.
Ao despertar, Tupã notou que não estava mais sozinho.
Pequenas criaturas o rodeavam, seus olhos brilhando como vaga-lumes. Suas peles lembravam cascas de árvores, e seus movimentos eram velozes e curiosos. Eram os Chaneques, pensou Tupã, os travessos protetores espirituais da floresta. Apesar de sua aparência peculiar, Tupã sentiu que não havia ameaça neles.
E então ele a viu.
Uma figura alta e graciosa emergiu das sombras, quase etérea em sua presença. Ela era deslumbrante, cabelos que pareciam feitos de folhas douradas e olhos que brilhavam como a luz da lua. Sua pele tinha o tom das árvores ao entardecer, e sua postura era ao mesmo tempo imponente e serena.
— Tu chegaste até aqui, guerreiro — disse ela, sua voz suave como o vento entre os galhos. — Mas algo me diz que tua jornada não terminará sem consequências, ó escolhido.
Tupã tentou se mover, mas a dor em seu corpo o prendeu ao tecido de junco que revestia o chão musgoso.
— Quem és tu? — ele perguntou, sua voz fraca, mas carregada de curiosidade.
— Eu sou Ceiba, guardiã das árvores sagradas e mãe desta floresta. — A dríade ajoelhou-se ao lado dele, seus olhos fixos nos dele. — Tu fostes escolhido pela própria terra para cumprir um destino maior.
Conforme falava, Ceiba estendeu a mão sobre o ferimento de Tupã. Ele sentiu um calor profundo espalhar-se por seu corpo, como se a energia da floresta fluísse por suas veias.
— Estás gravemente ferido — continuou ela, sua voz calma, mas firme. — Eu posso curá-lo, plenamente. Mas há um preço.
Tupã franziu a testa, seus pensamentos turbilhonando.
— Que preço?
Ceiba inclinou-se para mais perto, os olhos dela refletindo algo antigo e insondável.
— Tornar-se meu Dryan. Um guardião eterno da floresta, ao meu lado, cuidando das árvores e das terras sagradas. Tua vida será dedicada a proteger o equilíbrio, e tua alma será atada à minha para sempre.
As palavras dela pairaram no ar, carregadas de uma gravidade que fez o coração de Tupã vacilar.
— Eu não posso — disse ele finalmente, a voz entrecortada pela dor e pela emoção. — Tenho uma missão. Tenho alguém que preciso proteger.
Ceiba sorriu suavemente, mas havia tristeza em sua expressão.
— O amor é uma força poderosa, guerreiro. Mas a floresta também é tua família. Sem ela, tu não sobreviverás. Nem aqueles que tu amas.
Os Chaneques em volta murmuraram em concordância, seus olhos fixos em Tupã, como se esperassem sua decisão.
Ele fechou os olhos, sentindo o peso esmagador da escolha à sua frente. A floresta havia sido sua aliada, seu refúgio. Mas a ideia de abandonar Yara, de renunciar sua missão, era um sacrifício que ele não sabia se poderia suportar.
A tensão no ar era quase tangível, o destino de Tupã pendendo por um fio.
Ele intuía que, qualquer que fosse sua escolha, nada jamais seria o mesmo.
Visões começaram a se formar na mente de Yara: árvores em chamas, o solo rachado como se vertesse sangue, e uma sombra crescente que devorava tudo em seu caminho. A dor da floresta era quase tangível, transbordando para dentro dela como uma onda avassaladora. Seu corpo tremia, tomado pela agonia que não era apenas sua, mas de algo muito maior.Yara cerrou os punhos, respirando fundo.— Tupã... — sussurrou, a voz entrecortada, não mais que um sopro. — Onde você está?Por mais desesperador que fosse o cenário, algo dentro dela insistia que ele ainda estava vivo. Talvez fosse uma esperança tola, ou talvez fosse a própria floresta, sussurrando que não o abandonara. Mas o tempo estava contra eles, e ela sabia disso.Estava prestes a se mover, para investigar a situação, quando um calafrio subiu por sua espinha. Antes que pudesse reagir, uma gélida mão sombria agarrou seu tornozelo, arrastando-a com força para o rio de águas turvas ao seu lado.Um grito sufocado escapou de Yara conforme ela
A sombra penetrava fundo nela, rompendo a tanga de folhas, invadindo seus poros como ondas de éter, despertando sensações fluidas que se espalhavam sob a pele. Ao longe, tambores batucavam em compasso irregular, ecoando cada vez que aquilo — formas sem rosto, tentáculos de trevas — deslizavam pelas coxas da jovem. Toques simultaneamente suaves, gélidos e provocantes. Vinham agora pelos quadris de Yara, desafiando-a a distinguir prazer de ameaça no mesmo arrepio.O vento sussurrava entre as árvores do refúgio de Ceiba, carregando consigo um lamento ancestral. As folhas tremulavam em uma melodia silenciosa, reverberando o peso de tempos imemoriais, conforme a presença da guardiã das árvores sagradas pairava sobre aquele santuário oculto.Tupã estava deitado sobre um leito de musgo, o corpo envolto por curativos feitos de raízes trançadas e folhas embebidas em bálsamos curativos. A dor ainda pulsava sob sua pele, uma lembrança cruel do cerco que quase o levou à morte. Cada respiração era
Com os lábios pressionados num tenso silêncio, a jovem estendia a mão trêmula em direção à virilha — o ar ao seu redor pesado, carregado de um desejo que parecia pulsar em cada fibra de seu ser. Seus feromônios dançavam no limite, quase tangíveis, conforme ela lutava para conter os gemidos que insistiam em escapar de sua garganta, frágeis e roucos.Dois tentáculos sombrios emergiram das profundezas, envoltos numa névoa fria e viscosa, e agarraram seus seios com uma força que era ao mesmo tempo implacável e sedutora. O toque das sombras era gelado, mas ardente, como se cada movimento fosse uma promessa de algo além da compreensão humana. Yara cerrou os dentes, um gemido prolongado ecoando em sua mente, conforme as sombras a envolviam, moldando-se ao seu corpo como uma segunda pele.Ela sentiu-se sendo puxada para o abismo, uma queda vertiginosa que a consumia por completo. As sombras a engoliam, levando-a cada vez mais fundo, num ritmo que era tanto tortura quanto êxtase. Deslizando, c
A noite pesava sobre o refúgio de Ceiba. Os galhos das árvores sagradas sussurravam segredos, conforme sombras dançavam entre as folhas prateadas pelo luar. O ar era carregado por um silêncio inquieto, um vazio opressor que ecoava dentro de Tupã como um trovão distante, um prenúncio de tempestade.Ele se arrastava pelo átrio, cada passo uma batalha contra o peso esmagador de seu próprio corpo. Seus músculos ardiam, a exaustão fazia sua visão oscilar. Mas nada era tão insuportável quanto o que via quando fechava os olhos.As visões.Yara.Acorrentada.Grilhões cravados na pele, os braços esticados e frágeis.E os homens...(Versões tenebrosas de Naaldlooyee...)Rindo.Cruéis. Selvagens. Sombrios. Assistindo conforme ela se debatia, conforme sua voz gritava seu nome.— Tupã!A súplica rasgava sua alma como uma lâmina oculta, um grito abafado pela escuridão, perdido entre ecos de zombarias e crueldade.E então, como um veneno escorrendo entre suas lembranças, a voz de Naaldlooyee se infi
O interior da barraca estava escuro como um abismo sem fundo, apenas a bruxuleante chama de uma vela trêmula lutava contra a opressiva penumbra. As paredes de tecido ondulavam com a brisa fria da noite, mas o que realmente fazia Donaldo sentir um calafrio na espinha não era o vento — era a presença do homem sentado à sua frente.Naaldlooyee, o Senhor das Sombras Abissais, mantinha-se imóvel, os olhos negros como carvão refletindo algo além do que um ser humano deveria enxergar. A escuridão parecia dançar em volta dele, como se respirasse, como se tivesse vida própria.Donaldo, já acostumado com o domínio e o controle, sentia-se inquieto. A proposta que ouvira do bruxo naquela noite era simplesmente… absurda.— Você hesita, Donaldo — a voz de Naaldlooyee deslizou pelo ar, grave e hipnotizante, como a serpente que sussurra à presa antes do bote.Donaldo tomou um gole do forte licor em sua taça de prata, tentando dissipar o peso daquelas palavras em sua mente.— O que você está pedindo..
Não da maneira como um céu estrelado pulsa com seus pequenos sóis distantes, nem como a brisa fria que dança entre as árvores. Esta era uma noite viva com olhos ocultos, dedos invisíveis, presenças que não pertenciam ao mundo dos homens.E no centro dessa escuridão, algo caçava.O Shyiniwalker movia-se como um sussurro na penumbra, deslizando entre becos esquecidos, esgueirando-se por sombras sem ser visto, uma entidade que não deixava pegadas nem ecoava seus passos.Era Donaldo, mas não era. Era sua extensão, sua astúcia sem amarras, sua vontade sem limitações.E naquela noite, ele estava faminto.As primeiras vítimas não viram nada além de um borrão. Um sopro de vento contra a pele. Um arrepio na espinha.A jovem — primeira escolhida — caminhava descalça sob a lua, colhendo água do riacho. Ela nem sequer gritou.O silên
Escuridão.Ela estava por toda parte.Nas paredes, no ar, dentro dela.Yara despertou lentamente, seus sentidos ainda presos a um limbo indistinto entre sonho e realidade. Seu corpo desnudo estava pesado, a pele fria, como se tivesse sido arrancada da luz há muito tempo.Tateou o chão úmido e rochoso, tentando se erguer, mas sua força parecia ter sido drenada. Havia uma sensação de vazio em seu peito, como se algo essencial tivesse sido arrancado de sua alma.A fortaleza de Naaldlooyee não era feita apenas de pedra e sombras — era um cárcere que sugava a vontade de viver.Aos poucos, a realidade desabou sobre ela.Ela estava presa.Sozinha.E a escuridão ao redor sussurrava seu nome.Os ecos de algo profano rastejav
A tenda estava envolta numa penumbra quente, iluminada apenas pela luz trêmula de uma única lamparina, o ar pesado, saturado com o aroma doce do incenso de sândalo e o cheiro acre do desejo. Donaldo estava deitado sobre os lençóis de seda, seu corpo nu brilhando sob a luz fraca, conforme uma nova concubina se aproximava dele. Ela era jovem, de pele clara e cabelos loiros como fios de sol, um contraste marcante com as morenas que costumavam compartilhar sua cama.Ela se moveu com uma graça felina, seus olhos azuis fixos nele como se o devorassem com o olhar. Donaldo a observava, embora sua mente não estivesse plenamente presente. As sombras do passado o assombravam, e as memórias da noite do sacrifício invadiam seus pensamentos como fantasmas implacáveis.A primeira jovem.A segunda.A terceira.Todas capturadas pelo Shyiniwalker.Todas gritando.Todas suplicando.Donaldo fechou os olhos por um momento, tentando afastar as imagens, mas elas persistiam, como uma ferida que não cicatriza