A noite pesava sobre o refúgio de Ceiba. Os galhos das árvores sagradas sussurravam segredos, conforme sombras dançavam entre as folhas prateadas pelo luar. O ar era carregado por um silêncio inquieto, um vazio opressor que ecoava dentro de Tupã como um trovão distante, um prenúncio de tempestade.
Ele se arrastava pelo átrio, cada passo uma batalha contra o peso esmagador de seu próprio corpo. Seus músculos ardiam, a exaustão fazia sua visão oscilar. Mas nada era tão insuportável quanto o que via quando fechava os olhos.
As visões.
Yara.
Acorrentada.
Grilhões cravados na pele, os braços esticados e frágeis.
E os homens...
(Versões tenebrosas de Naaldlooyee...)
Rindo.
Cruéis. Selvagens. Sombrios. Assistindo conforme ela se debatia, conforme sua voz gritava seu nome.
— Tupã!
A súplica rasgava sua alma como uma lâmina oculta, um grito abafado pela escuridão, perdido entre ecos de zombarias e crueldade.
E então, como um veneno escorrendo entre suas lembranças, a voz de Naaldlooyee se infiltrava em sua mente.
"Ela está perdida."
O guerreiro cerrou os dentes.
"Enquanto você se debate inutilmente aí, ela está nas mãos de homens bárbaros."
"Chamando por você, Gavião Tempestuoso."
Tupã sentiu as unhas cravarem em sua palma.
"Suplicando."
Um tremor percorreu seu corpo. Ele sentia a raiva queimando dentro de si, um incêndio que ameaçava consumir sua razão.
— Pare com isso — sussurrou, a voz rouca, as palavras presas entre os dentes.
Mas a escuridão dentro dele sibilava em resposta.
"E o que você faz?"
"Tropeça."
"Fraco e inútil."
"BWAHAHAHAHAHA!"
Tupã cambaleou, as pernas cedendo. Ele desabou de joelhos sobre o solo sagrado, o peito arfando em uma mistura de raiva e desespero. Suor frio escorria por suas têmporas, sua respiração entrecortada.
Era isso que Naaldlooyee queria.
Queria vê-lo fraco.
Queria vê-lo quebrado.
Queria que ele se desesperasse até o ponto de ceder à escuridão.
Mas Tupã não cederia. Não ainda.
O cheiro das árvores sagradas o envolvia, como braços invisíveis tentando acalmá-lo. Ele sabia que Ceiba estava observando. A guardiã sempre observava.
E ela esperava.
Esperava sua decisão.
Ser curado plenamente exigia um preço. Ele sabia disso.
Tornar-se o Dryan dela.
Um guardião eterno da floresta.
Seu corpo deixaria de ser apenas seu. Sua alma estaria atada à de Ceiba, selada pela eternidade. Ele se tornaria parte dela, de suas raízes... Seu propósito seria um só: proteger o equilíbrio.
E, ao lado de Ceiba...
Ele seria dela.
Seu amante. Seu guardião. Seu eterno vigia.
Para sempre.
Tupã fechou os olhos, sentindo o peso da escolha como uma muralha sobre seus ombros. Se aceitasse, teria forças para salvar Yara.
Mas...
E depois?
O que restaria dele?
Um trovão distante cortou o céu.
Tupã abriu os olhos, sentindo o peito apertar.
E se Naaldlooyee já tivesse corrompido Yara?
E se, neste exato momento, ele estivesse arrancando dela tudo que ainda restava?
E se...
Ele falhara.
Seu olhar se perdeu na escuridão da floresta. A culpa se enroscava dentro dele como vinhas espinhentas, sufocando seu coração.
Se tivesse matado Donaldo quando teve a chance...
Se não tivesse hesitado...
Se tivesse cravado sua lâmina no pescoço daquele maldito explorador...
Talvez Yara ainda estivesse com ele.
Talvez ainda pudesse ouvir sua risada, sentir seu toque, ver o brilho feroz em seus olhos.
Mas ele hesitou.
E agora...
Agora ela estava nas mãos de um demônio.
O vento soprou entre as árvores, trazendo consigo um murmúrio distante.
Ceiba estava ali. Ele sentia sua presença.
Ela esperava.
Ela sabia que ele estava à beira de uma decisão.
E ela queria que ele escolhesse.
Tupã fechou os olhos, sentindo a respiração pesar.
A eternidade ao lado da floresta. O poder necessário para salvá-la.
Ou...
A esperança de ainda ser o mesmo homem.
A escolha ainda o esmagava.
E ele não sabia por quanto tempo conseguiria carregar o peso dessa indecisão.
O silêncio denso da noite se condensava, conforme Tupã se afogava entre trevas e lamentações.
O interior da barraca estava escuro como um abismo sem fundo, apenas a bruxuleante chama de uma vela trêmula lutava contra a opressiva penumbra. As paredes de tecido ondulavam com a brisa fria da noite, mas o que realmente fazia Donaldo sentir um calafrio na espinha não era o vento — era a presença do homem sentado à sua frente.Naaldlooyee, o Senhor das Sombras Abissais, mantinha-se imóvel, os olhos negros como carvão refletindo algo além do que um ser humano deveria enxergar. A escuridão parecia dançar em volta dele, como se respirasse, como se tivesse vida própria.Donaldo, já acostumado com o domínio e o controle, sentia-se inquieto. A proposta que ouvira do bruxo naquela noite era simplesmente… absurda.— Você hesita, Donaldo — a voz de Naaldlooyee deslizou pelo ar, grave e hipnotizante, como a serpente que sussurra à presa antes do bote.Donaldo tomou um gole do forte licor em sua taça de prata, tentando dissipar o peso daquelas palavras em sua mente.— O que você está pedindo..
Não da maneira como um céu estrelado pulsa com seus pequenos sóis distantes, nem como a brisa fria que dança entre as árvores. Esta era uma noite viva com olhos ocultos, dedos invisíveis, presenças que não pertenciam ao mundo dos homens.E no centro dessa escuridão, algo caçava.O Shyiniwalker movia-se como um sussurro na penumbra, deslizando entre becos esquecidos, esgueirando-se por sombras sem ser visto, uma entidade que não deixava pegadas nem ecoava seus passos.Era Donaldo, mas não era. Era sua extensão, sua astúcia sem amarras, sua vontade sem limitações.E naquela noite, ele estava faminto.As primeiras vítimas não viram nada além de um borrão. Um sopro de vento contra a pele. Um arrepio na espinha.A jovem — primeira escolhida — caminhava descalça sob a lua, colhendo água do riacho. Ela nem sequer gritou.O silên
Escuridão.Ela estava por toda parte.Nas paredes, no ar, dentro dela.Yara despertou lentamente, seus sentidos ainda presos a um limbo indistinto entre sonho e realidade. Seu corpo desnudo estava pesado, a pele fria, como se tivesse sido arrancada da luz há muito tempo.Tateou o chão úmido e rochoso, tentando se erguer, mas sua força parecia ter sido drenada. Havia uma sensação de vazio em seu peito, como se algo essencial tivesse sido arrancado de sua alma.A fortaleza de Naaldlooyee não era feita apenas de pedra e sombras — era um cárcere que sugava a vontade de viver.Aos poucos, a realidade desabou sobre ela.Ela estava presa.Sozinha.E a escuridão ao redor sussurrava seu nome.Os ecos de algo profano rastejav
A tenda estava envolta numa penumbra quente, iluminada apenas pela luz trêmula de uma única lamparina, o ar pesado, saturado com o aroma doce do incenso de sândalo e o cheiro acre do desejo. Donaldo estava deitado sobre os lençóis de seda, seu corpo nu brilhando sob a luz fraca, conforme uma nova concubina se aproximava dele. Ela era jovem, de pele clara e cabelos loiros como fios de sol, um contraste marcante com as morenas que costumavam compartilhar sua cama.Ela se moveu com uma graça felina, seus olhos azuis fixos nele como se o devorassem com o olhar. Donaldo a observava, embora sua mente não estivesse plenamente presente. As sombras do passado o assombravam, e as memórias da noite do sacrifício invadiam seus pensamentos como fantasmas implacáveis.A primeira jovem.A segunda.A terceira.Todas capturadas pelo Shyiniwalker.Todas gritando.Todas suplicando.Donaldo fechou os olhos por um momento, tentando afastar as imagens, mas elas persistiam, como uma ferida que não cicatriza
A noite estava quente, mas dentro da tenda de Donaldo, o calor era quase opressivo. O ar pesado carregava o aroma doce do incenso de mirra, misturado ao cheiro acre do suor e do desejo. As lamparinas tremulavam, projetando sombras que dançavam nas paredes de tecido, como espectros observando em silêncio. Os lençóis de seda, agora desfeitos, brilhavam sob a luz fraca, manchados de vinho e paixão.Donaldo estava deitado de costas, o peito largo subindo e descendo lentamente, conforme os dedos da concubina traçavam círculos lentos sobre sua pele, conforme os seios dela saltitavam calorosamente. Macios. Gelatinosos. Irresistivelmente apetitosos. Ela era uma figura esculpida pela luxúria — morena, de olhos profundos como poços de obsidiana e lábios carnudos que pareciam feitos para o pecado. Seu cabelo escuro caía em cascata sobre os ombros, misturando-se às sombras que os envolviam.— Meu senhor — sussurrou ela, sua voz um eco sedutor no silêncio da tenda. — Você está distante.Donaldo vi
Tentáculos de sombra deslizavam sobre sua pele, enrolados naquela gélida névoa, parecendo pulsar com vida própria, cada movimento uma silenciosa invasão, profunda, a conectando a algo sinistro. Seu corpo tremia, não apenas pelo toque gelado, mas pela intensidade da emoção, conforme suaves gemidos e gritinhos jorravam de seus lábios, conforme o calor do rubor em seu rosto contrastava com o frio das trevas.Ela estava caindo, mas não havia fundo — desde que suas costas atravessara o chão pelas sombras, enquanto o mundo mortal desaparecia, a escuridão se expandindo em volta, densa e opressiva, como se tencionasse consumi-la inteiramente. Lágrimas escorriam silenciosamente, refletindo a luta interna entre o pavor e uma estranha atração pelo abismo. De vez em quando, surgia nela um impulso de voltar à superfície, de escapar daquela escuridão que a inundava como um abismo sem fundo. Mas, em meio às sombras, ela percebia que nadar era impossível. Não havia correnteza, não havia direção, apen
As sombras apertavam-se aqui e ali, envolventes e insistentes, como se ansiassem fundir-se ao corpo da jovem, conforme tentáculos de escuridão resvalavam, explorando cada curva, conforme pressionavam suas nádegas, o vigor ao mesmo tempo agressivo e sedutor. A sensação gelada subia pela espinha, deixando um rastro de arrepios que mesclavam desconforto e prazer. As trevas avançavam mais e mais, roçando a junção de suas coxas com movimentos lentos e deliberados, como se conhecessem cada extensão dela melhor do que ela mesma, cada toque uma fricção que a fazia estremecer, uma valsa de sombras a arrastando para um abismo de sensações contraditórias.Vez por outra, ela se pegou mergulhando em pensamentos que a perturbavam: o que Tupã diria se a visse assim? Seriam seus olhos capazes de compreender? Ou se encheriam de desilusão ao descobrir que, em seu coração, haviam ecoado sensações tão sombrias, tão íntimas, despertadas pelas trevas que agora a embrulhavam? Ela imaginava sua reação, talve
A escuridão era viva. Não era apenas a ausência de luz, mas uma entidade que respirava, que se movia, que a envolvia como um abraço sufocante. Yara sentia-a em sua pele, fria e viscosa, como se milhares de dedos invisíveis a tocassem, explorassem, violassem. Tentou gritar, mas o som se perdeu no vácuo das trevas, engolido antes mesmo de deixar sua garganta. As sombras riam, uma gargalhada ensandecida que ecoava em sua mente, dilacerando-a por dentro.Ela não sabia há quanto tempo estava ali. O tempo não existia naquele lugar. Era um eterno presente de dor e desespero, onde cada segundo se arrastava como uma eternidade. Tentou se mover, mas suas pernas estavam presas por tentáculos de sombra que se enrolavam em seus tornozelos, puxando-a para baixo, sempre para baixo. Lutou, golpeou o ar com os braços, mas suas mãos só encontravam mais escuridão, mais vazio."Resista", sussurrou uma voz dentro dela, fraca, quase imperceptível. Era sua própria voz ou o eco de algo que já foi? Yara não s