No extenso oceano do inconsciente, Donaldo flutuava.Não havia solo abaixo de seus pés, apenas um céu negro cravejado de estrelas mortas; o vento soprava como um sussurro de vozes esquecidas. Ele voava sem esforço, suspenso entre o infinito e o nada, sentindo o frio cortante da vaziez tocar sua pele como garras de gelo.Era um sonho, mas também não era.Ele sempre soubera que sua mente era um território de guerra.Um campo de batalhas entre o homem que um dia fora e o monstro que estava se tornando.Então, ele a viu.Primeiro, como uma sombra difusa. Depois, como uma forma mais definida, moldada pela luz escassa da lua sem brilho.Clara.Sua ex-esposa estava ali, com os cabelos ao vento, o vestido flutuando como névoa prateada. O olhar dela... um misto de surpresa e algo mais profundo—uma tristeza que cortava como vidro quebrado.— Ainda pensa em mim, Naldo? — A voz dela ecoou pelo céu vazio, reverberando como um trovão distante.Ele abriu a boca para responder, mas não conseguiu.Porq
A brisa matinal serpentava pelas ruas, soprando o perfume úmido da terra e o dulçor enganoso das flores silvestres. A vila parecia adormecida em sua pintada paz — mas Atenor conhecia bem o sabor amargo das fachadas.Mulheres desapareciam.E onde havia segredos podres, ele e Chloe cavavam até encontrar o cerne apodrecido.O sobretudo de Atenor colou-se ao corpo conforme avançavam pelos paralelepípedos irregulares. A seu lado, Chloe movia-se como uma sombra faminta, os olhos faiscando com a frieza de um lobo a farejar sangue.— Já notou? — sussurrou ela, ajustando o capuz com dedos que jamais tremiam. — Sempre há um cão de Donaldo nos vigiando... "acidentalmente".Os cantos da boca de Atenor curvaram-se.— E sempre um "aliado" excessivamente solícito tentando nos desviar.Como se invocado pelo diálogo, um vulto bem-vestido surgiu na esquina — sorriso de cobra, gestos de palhaço.— Senhores! Que alegria inesperada!Atenor trocou um olhar com Chloe.— Outro guia turístico? A vila está mes
Tupã fixou os olhos na flutuante máscara branca, sentindo o peso do oculto olhar lhe devolvendo o gesto. Seu corpo metálico repousava na vaziez conforme mãos enluvadas manipulavam com destreza o fluxo de energia Sith, reinfundindo vida em sua estrutura biomecânica.— Mesmo camuflado — murmurou Tupã, sua voz ecoando estranhamente na sombria dimensão —, achei que Naaldlooyee e seus lacaios me farejariam. Até mesmo nesta... "Toca dos Duendes das Sombras".Seus dedos se contraíram involuntariamente ao mencionar o nome do inimigo.Mapache inclinou levemente a máscara, o brilho âmbar de seus olhos cintilando através das fendas.— As sombras dos Sith vibram em frequência diferente das de Naaldlooyee — explicou, conforme seus dedos continuavam trabalhando. — Somos ecos distintos na mesma escuridão, pode-se dizer.Tupã sentiu a pergunta brotar antes mesmo de formular:— Por quê? — A voz soou mais áspera do que pretendia. — Por que me ajudar?O mascarado fez uma sutil pausa, mas as mãos não vac
O mundo a seu redor era feito de névoa e murmúrios.Donaldo via-se à deriva num oceano de trevas líquidas, como se sua alma houvesse sido arrancada do corpo e mergulhada num limbo sem fim, o silêncio tão denso que pressionava seu crânio.Mas havia algo mais ali. Algo latente.E então… veio o som.Um pulsar profundo e gutural, como um coração que batia sob a terra.Tum-tum. Tum-tum.Ele piscou e, de repente, não estava mais flutuando. Estava de pé em seu próprio salão, rodeado por suas concubinas. Elas estavam nuas, envoltas por um brilho úmido, com os olhos negros como um céu sem estrelas.Elas respiravam em uníssono.Tum-tum. Tum-tum.Donaldo tentou falar, mas sua voz se perdeu, dissolvendo-se no ar viscoso.As mulheres se aproximaram, deslizando como espectros, os cabelos esvoaçando como serpentes.E então, uma delas segurou sua mão e a pressionou contra o próprio ventre.Ele estremeceu. Dentro dela, algo se movia.Uma ondulação grotesca deformava sua pele, como se uma criatura tent
No Princípio, a Luz e a Sombra Dançaram...O mundo não nasceu em silêncio.Ele surgiu de um cântico, um eco de antigas e insondáveis forças, tecido entre a luz e a sombra. Os anciões chamam essa melodia primordial de Cântico dos Primórdios, pois sua melodia se desdobrou em criação e destruição, gerando o que chamamos de realidade.Havia equilíbrio no início. O Dia e a Noite. O Fogo e a Água. A Vida e a Morte. Mas como todo cântico pode ser distorcido, também a harmonia entre essas forças foi quebrada.As sombras, cobiçando domínio sobre o tecido da existência, começaram a se expandir, tentando engolir a luz e tecer sua própria melodia. No centro desse conflito primordial, seres de poder monumental emergiram — os Guardiões do Equilíbrio e os Senhores das Sombras.A história que se desenrola hoje é apenas uma repetição de velhas tragédias.Houve um tempo em que os humanos viviam sob a proteção dos Guardiões, entidades que mantinham a ordem natural. Mas a ganância, a fome por poder e a f
Duncan correu pelas sombras, seus pés não fazendo som algum contra o chão. O ar ali era... era denso, como se submerso num lago abissal e sem fim. As paredes pulsavam, algo indistinto nelas, como se feitas de carne viva e não de pedra. Sons distantes ecoavam pelo espaço – sussurros e soluços e lamentos. Duncan tentava ignorá-los. A única coisa que importava agora era... era encontrar uma forma de sair daquela ratoeira antes que o inimigo o encontrasse primeiro. Antes que fosse surpreendido — de novo.Outra vez, seus dedos tracejaram o ar, conforme sentia as asas do tempo batendo contra sua pele.Convenientemente, sua arte — Blue Butterfly — dispensava uma ancoragem, permitindo-o manipular o tempo, mas sempre manter sua posição atual ao voltar... Exigia menos energia também — nada de deslocamento a longas distâncias no espaço, nada de acurada canalização energética antes da ativação.Ele quase sorriu, não de alegria, mas de amargo alívio — cada revoada no tempo um véu que ele podia
Antes de se tornar o homem que agora moldava sombras e impunha sua vontade ao mundo, Donaldo fora apenas um menino.Um menino de pés sujos de areia, de olhos brilhantes como moedas de ouro, de coração inflado pelo vento salgado que vinha do mar.Ele crescera em uma vila de pescadores, onde as lendas de piratas e exploradores eram sussurradas entre redes de pesca e tonéis de rum barato. Havia sempre um marinheiro de passagem contando histórias de cidades de ouro perdidas, de ilhas onde monstros dormiam, de mapas riscados à faca sobre peles de animais exóticos.E Donaldo escutava. Escutava como quem bebe de uma fonte inesgotável, como quem quer engolir o mundo antes mesmo de poder zarpar.Quando tinha seis anos, Donaldo construiu seu primeiro barco.Não passava de tábuas velhas pregadas de qualquer jeito, com uma vela feita de lençol roubado, mas na mente do menino, era uma nau majestosa, cortando o oceano em busca de esquecidas riquezas.Ele mesmo se nomeou capitão. E os outros garotos
Antes de se tornar Hei, o Caçador Espectral, antes de ser um nome sussurrado com reverência e medo pelos inimigos, ele foi apenas um menino sem nome.Um garoto de pés leves e olhos atentos, criado na neve e na escuridão.Ele aprendera desde cedo que o mundo não pertencia aos fortes. Não aos brutos, não aos que gritavam ordens, não aos que se impunham com músculos e arrogância.O mundo pertencia aos que sabiam esperar.Aos que observavam.Aos que atacavam sem serem vistos.Primeira Lição: Não Seja Visto, Não Seja PegoSeu primeiro mestre não era um guerreiro. Era um ladrão.Hei cresceu entre becos e templos abandonados, onde os pobres e esquecidos construíam seus próprios lares.O homem que o criou não tinha nome — ninguém de verdade tem nome quando se vive nas sombras.— A primeira regra, garoto. — disse ele certa vez, enquanto caminhavam sob o véu da lua. — O mundo é um tabuleiro. Você quer ser a peça ou o jogador?Hei, ainda uma criança, franzira a testa.— O jogador.O homem riu.—