O grande dia chegou. E não lembro de ter ficado tão nervosa na vida. Já havia deixado as malas prontas e me despedi dos meus pais na noite anterior. Quanto a Theo, deixá-lo dormindo na minha cama, sem ao menos ter podido transar com ele na noite anterior era o que mais me doía.Desde que perdemos o nosso filho, não houve uma noite sequer em que ele não tivesse passado junto de mim, fazendo-me cafuné e enxugando minhas lágrimas, sendo que também sofria a perda. Ficou ao meu lado em todos os momentos.Ele sabia que eu ia embora naquele dia, mas não esperava que fosse fugir dele, evitando ao máximo a despedida olho no olho, temendo não ter coragem.Justo naqueles dias que antecediam a partida, tínhamos vivido momentos perfeitos. E isso fazia doer ainda mais.Claro que depois eu ligaria e justificaria exatamente a verdade: não queria chorar na despedida e não quis que doesse tanto. Aquela seria a única verdade que eu lhe contaria.Tirei uma foto dele adormecido na minha cama, para usar no
- Porque eu não sou capaz de me despedir olhando nos olhos dele. Me faltaria coragem. Deixar Theo é a pior parte disto tudo. Vivemos dias inexplicáveis de tão bons depois da perda do bebê. Embora isto tenha nos quebrado emocionalmente, nos uniu. E estamos tentando, a cada dia, ser mais compreensivos, tolerantes e... Confiar um no outro.- Confiar... – ele olhou para Anon – Um exercício diário de acreditar no que o outro diz, sem ter certeza de que ele fala a verdade.- Ou mesmo dizer a verdade... Independente das consequências... Na certeza de que a outra parte crê em você. – Anon completou.- A vida dele poderia estar em risco se eu fizesse isso.- E já não está? – Ben me encarou – Ou o capotamento não faz parte disto tudo?Abaixei os olhos novamente, pela primeira vez chegando a conclusão de que talvez eu não estivesse agindo de maneira correta ao esconder de Theo.- Se pessoas correm risco e são as que você mais ama, precisa preveni-las, querida. Não é uma brincadeira de detetive e
- Morar aqui? – Anya me olhou da cabeça aos pés – Você só pode estar brincando!- Tio Daltro! – Gritei, pondo a cabeça entre a porta.- Ele... Não mora aqui, garota!- Tio Daltro! – insisti – Preciso que retire as minhas malas do carro.- Só pode... Estar louca! – Ela continuou, confusa.Empurrei-a e entrei, sem ser convidada. Gatão me acompanhou e assim que viu um cachorro no corredor, saiu correndo atrás do pequeno, carregando a guia pelo chão, que enganchou na mesinha próxima da parede, virando-a com tudo que tinha sobre ela: porcarias. Escutei os objetos caindo pela casa, sem me importar.Sentei-me e cruzei os braços, descansando a cabeça no encosto do sofá, suspirando:- Este lugar é sempre quente assim? Onde está o condicionador de ar para eu ligar?- Não temos estas porcarias. Iremos comprar com o dinheiro que nos dará.- Hum... Sobre isso, poderia ligar para “titio Daltro”? – debochei – Quero lhes entregar um presente. Mas precisa estar os dois juntos – sorri.As meninas me ol
- Eu... Assinei um documento, abrindo mão de tudo que é meu por direito. Não receberei nada dos Casanova.- Heitor não lhe deixaria fazer isso. – Ele riu.- Heitor Casanova me deserdou.Daltro arregalou os olhos, confuso:- Como assim?- Eu trouxe todos os documentos que comprovam que não tenho direito à herança. Meu pai descobriu que menti sobre vocês... E a tentativa de chantagem. E... Não sei se não me perdoou por não ter contado a verdade... Ou realmente tinha intenção de me deixar sem nada desde sempre.- Deve ter feito para protegê-la. – Anya arriscou – Claro que fez isso para que ela não tenha mais acesso ao dinheiro, desta forma não correndo risco de que nos dê.- Desgraçado! Vou acabar com a vida dele. – Gritou, com algumas gotículas de saliva expelidas na minha direção.- A vida de Heitor já está destruída. Ele não conseguiu um doador. E eu não pude ser doadora também, pois acabei de ter um aborto.- Como assim um aborto?- Tive um filho... E não era de Theo. – Abaixei a cab
- Não tem lugar para você nesta casa. – Anya me olhou com desdém.- Ela pode dormir conosco. – Monique sugeriu.- Na minha cama. – Kimberly sorriu e pegou a minha mão, feliz.As meninas eram queridas. E era visível que gostavam da minha presença na casa.- Posso dormir no sofá – sugeri – Melhor que dormir na rua. – Dei de ombros.- Peça dinheiro para Theo. – Anya sugeriu.- Ela está puto comigo, já que tive um filho de outro homem.- Como pôde fazer isso? – Daltro me olhou – Como conseguiu ser tão burra?- Deve ser os genes dos Hernandez. – Falei.- Sua desgraçada – ele aumentou o tom de voz e apontou o dedo na minha direção, furioso – Exijo que dê um jeito nesta situação a faça as pazes com os Casanova. Isso não vai ficar assim, sua vadiazinha inútil.- Família é família... Precisamos cuidar uns dos outros. – Ironizei, mesmo amedrontada.Sandro Hernandez gargalhou, sentando-se confortavelmente no sofá:- Eu concordo com a filha de Salma. Família é família... Vamos viver esta porra de
Engoli em seco, sentindo meu coração acelerar. Ele me olhou:- Eu não me arrependo. Acabar com alguém que você odeia é a melhor coisa que pode fazer na vida. Cumpri minha pena sorrindo, acredite.- Está querendo dizer que a prisão pode ser um lugar legal? – Fiquei surpresa.- Era melhor do que morar com esta família.- Salma... Morava aqui?- Não. Morávamos em outra casa e em outro bairro quando ela partiu. Senti muita falta dela. Minha irmã foi uma guerreira... E forte.- Você... Chegou a conhecer Babi?- Não! Eu era pequeno na época em que Salma ainda morava conosco. Mas já ouvi falar de Babi, sua amiga inseparável. – Ele sorriu.- Posso considerar que... Mesmo tendo matado Breno... Você é um dos irmãos do bem?Ele gargalhou e tragou profundamente o cigarro, batendo na minha perna:- Ninguém é totalmente do bem, nem totalmente do mau, querida sobrinha. Nem sempre é preciso escolher um lado. – Levantou-se e espreguiçou-se, retirando em seguida a jaqueta, deixando os braços completame
À noite andei pelo corredor malcheiroso e estreito, pouco iluminado, tentando encontrar um lugar para dormir e pôr as malas. Eu não havia levado tudo que tinha para aquele lugar, tampouco meus sapatos mais caros e estimados. Mas a quantidade de coisas era suficiente para surtar um pouco Anya, já que boa parte das malas ficaram na sala. Fiz questão de deixar duas no corredor e outras duas levei comigo, junto do meu cão da montanha dos Pirenéus.Abri uma porta improvisada e encontrei uma cama pequena. Apesar de estar com lençol, tirei-o e pus um trench coat para forrar. Por sorte eu tinha trazido uma almofada do carro, que serviria de travesseiro. Olhei para os lados, confusa:- Onde fica o banheiro deste quarto?Gatão observou-me e depois olhou para a cama, recusando-se a subir.- Sei que é horrível, Gatão. Mas é o que temos! Poderia ser pior... Tipo, não ter uma cama. Só não sei onde fica o banheiro nesta porra.A lâmpada tinha um tom fraco e amarelado. Quando se mirava fixamente nela
Voltei para o quarto e fechei a porta capenga. Quando deitei na cama, senti a presença do meu cão da montanha dos Pirenéus.- Gatão, você é grande demais para dividir esta cama. Esqueça a proposta que lhe fiz mais cedo.Ele rosnou e se ajeitou. Encontrei um cantinho e o abracei. Ele gostava de carinho. E eu de um amigo leal e companheiro. Gatão era tudo que eu tinha naquele hospício.Torci para Anya morrer, mesmo sabendo que não seria o sal em excesso que faria aquilo acontecer.No dia seguinte, levantei cedo e tomei um banho gelado na porra do banheiro esquisito. Esmurrei a parede e não consegui aquecer a água. Pus uma boa roupa, sapatos com saltos mais grossos para não afundar no mato ou ser tragada pela areia movediça que era aquele pátio.Estava saindo quando as meninas vieram correndo atrás de mim:- Malu, leva a gente junto! – Kim pediu, mesmo sem saber onde eu iria.- Mas não posso levá-las assim, sem avisar Anya.- Ela não se importa com isso. A gente vai onde quer. – Moni exp