3. Nayana

Horas depois estou fora de casa dos Suryavant apenas com uma pequena mala e uma bolsa de mão. Caminho com o meu coração batendo forte na caixa torácica á passos apressados, é como se eu estivesse finalmente saindo em liberdade de uma prisão que me prendeu por anos, até dou um pequeno sorriso vitorioso embora ainda nervosa. Pretendo nunca mais olhar na cara do Shankar, tudo que eu tinha feito por ele, eu tinha realmente vivido a minha vida toda pra ele, tinha me doado tanto pra agora descubrir que tudo foi em vão. O homem esteve me traindo esse tempo todo, era bem provável que ele ficava com outras bem antes da gente ter se casado, fazendo assim que eu não fosse a sua primeira mulher e também nada provava que ele não tenha continuado a estar com outras mulheres mesmo depois da gente ter se casado. Eu não estava toda hora do dia de olho nele, ele podia ter me traído vezes sem conta bem de baixo do meu nariz. Pelo menos agora eu entendo o porquê dele não sentir mais excitação quando me via, porque ele se sentia atraído por outras mulheres.

"Isso não importa, eu sou seu marido. Exijo que fique!" Shankar tentou impor-se quando eu ainda estava arrumando minhas malas.

"Não importa o fato de você ter me traído, Shankar? É isso mesmo que você tá dizendo?" Não acredito que estava chorando por aquele grande idiota.

"Sim. E daí que eu vou pra cama com outras mulheres? Você ainda continua sendo minha esposa." Realmente não lhe respondi mais nada, apenas fiquei em silêncio arrumando minhas coisas. Que ele falasse sozinho e perdesse as estribeiras por estar perdendo sua criada particular, pois único motivo dele sempre andar por aí todo asseado e saudável era porque eu estive por trás cuidando dele.

Quando chego no ponto de ônibus tenho a primeira dificuldade, pra onde eu vou agora? Queria tanto ir embora da casa dos Suryavant que não pensei em nenhum lugar pra ir. O rosto da minha mãe me aparece na mente, eu avistava com ela bem de vez enquando quando há festivais ou coisas do tipo na aldeia, fora isso eu já não era próxima dela há bastante tempo. Era necessário que a noiva se desligasse por completo da família materna e adotar a família do marido como sua verdadeira, e eu tinha feito aquilo, tanto é que não sabia nem se minha mãe me receberia de volta em casa. Aliás, eu estou me divorciado, algo que era uma vergonha pra nossa sociedade, não quero que minha mãe sinta vergonha de mim, não quero que eles me repudiem. Prefiro guardar as boas lembranças que tenho deles e eles têm de mim. Suspiro e me sento num banco no ponto de ônibus, tenho algum dinheiro, posso arrendar um lugar pra ficar por enquanto até eu me estabilizar, as coisas ainda estão muito recentes. Pego no meu celular olhando o contato da minha filha na discagem rápida. Ela está tão longe de mim... Será que devo incomodá-la com meus problemas? Ela está tão atarefada na faculdade... Enfim, melhor não... O meu celular vibra na hora em minha mão, era Hari, atendo no segundo toque.

"Oi, amiga..." Minha voz está um tanto abatida, mas eu não tenho como evitar isso.

"Heeey, como vai? Como foi a noite, hein? Com o seu marido. Aposto que foi uma delicinha." Ela está entusiasmada querendo saber como foi a noite da surpresa que eu tinha preparado pro Shankar. Suspiro mais uma vez.

"Foi um fiasco, ele odiou. E no fim descubri que ele está me traindo." Acabo contando tudo.

"O QUÊ?" Hari grita do outro lado da linha. "Como assim te traiu?"

"Sim. Com Deva, a mulher do irmão dele. Eu flagrei eles. Foi horrível, amiga..." Ajeito o meu dupatta que cobre a minha cabeça para não deixar meu cabelo exposto.

"Pelos deuses... Como você está? Você está bem? Sei que se importa de verdade com Shankar. O que você fez?"

"Eu saí da casa dele, não quero vê-lo nunca mais."

"Percebo..." Hari parece mesmo tocada com tudo aquilo. "Então o que você vai fazer agora?"

"Eu realmente não sei... Não sei mais de nada. Sinto que minha vida acabou... O que será de mim agora?" Choro me sentindo miserável. O que eu vou fazer agora?

"Porquê você não vem pra cá pra tirar um tempo pra pensar no que vai fazer?" Hari ofereceu.

"Na sua casa? Em Singapura?"

"Sim. Porquê não?" Minha amiga Hari é uma mulher independente. Era também mais uma mulher que tinha nascido numa família machista, o pai dela odiou tanto saber que ela era uma menina quando nasceu que decidiu dar-lhe um nome masculino só pra mostrar o quanto estava furioso com aquilo. Ela teve seus dramas na adolescência, mas assim que achou uma oportunidade de sair do país ela saiu e se desligou totalmente da sua família, ela já morou em vários lugares antes de se fixar em Singapura. Já estava morando lá há mais de cinco anos, sempre dizia pra mim que estava bem, eu só espero que sim. Ela nunca perdeu o contato comigo e mesmo longe de mim nós nunca fomos distantes uma da outra. Sempre contamos tudo uma pra outra, eu sei que ela não é casada, nunca se casou e nunca ia se casar. Ela não acreditava no amor e nem em casamentos, Hari era bem distante da cultura hindu, embora com quarenta e poucos anos ela era mulher empoderada e moderna. "Você sabe que eu moro sozinha." Termina o seu discurso.

"Eu sei, mas nunca pensei em ir pra Singapura..." Eu nunca tinha ao menos viajado pra fora da minha cidade, muito menos viajar pra fora do país...

"Digo que já está na hora, viu? Encare isso como umas férias ou sei lá, do seu casamento. Você quer mesmo se separar do Shankar? Eu apoio cem por cento porque não tolero traição e ainda acho que ele merece pagar por isso, mas é minha opinião e eu não posso obrigá-la a nada. Por favor, aceite minha proposta de vir pra cá." Fico pensando naquilo, ela tem razão. Me faria bem ficar longe daquilo tudo por algum tempo.

"Tá bom, Hari..."

"Oba! Você tem dinheiro para os gastos? Se não, eu lhe envio tudo o que precisar."

"Eu tenho algum dinheiro, amiga. Você não devia estar cuidando tanto assim de mim..."

"Claro que devia. Quem mais você tem além de mim e sua filha agora?" Demos risada daquilo só pra tentar descontrair. Então é isso, eu vou pra Singapura.

Nos dias seguintes, fico preparando tudo pra minha viagem até Singapura, quando o vôo finalmente decola, eu quase não acredito que estou indo embora mesmo. Não demora muitas horas para que o avião aterrasse no aeroporto internacional de Singapura, é de noite e quando o aeroporto me liberou, pude destacar Hari na multidão de pessoas que esperavam seus entes queridos na ala de espera do aeroporto, ela está segurando o papelão no qual está escrito meu nome em letras maiúsculas, sorrio. Anos tinham se passado sem que eu a visse realmente, corro até ela e nos damos aquele abraço por termos ficado tanto tempo longe uma da outra, estou morrendo de saudades dela.

"Amiga, é você mesmo?" Ela fala me olhando toda. "Deuses, Nayana. Você não parece ter envelhecido nada!" Exclama com os olhos arregalados. Estalo a língua com aquilo.

"Pare, sua boba. Que exagero." Sorrio

"Mas estou falando sério. Que produtos de beleza são esses que você tá usando?" Ela ainda está chocada e admirada. Quanto a ela, Hari não parecia velha, estava bastante conservada para a idade. Seu cabelo era curto e meio que desalinhado mas aposto que é o feitio do penteado, ela veste calça social e uma blusa chique, tinha botas bonitas nos pés e uma bolsa também que combinava com ela. 'Então é assim que uma mulher empoderada se veste?' Penso com meus botões. "Coitado do Shankar que não conseguiu reconhecer a mulher bela que tinha, estes homens." Ela está rindo, faço um muxoxo ficando triste ao ouvir falar dele.

"Não fale dele, vai. Eu só quero esquecer ele." Suspiro cabisbaixa.

"Own, amiga." Ela me abraça mais uma vez. "Vem, vamos pra minha casa e você vai poder descansar a vontade." Acinto e vou com ela.

Hari tem um belo carro descapotável de cor verde néon que está parado no estacionamento do aeroporto, subimos nele e partimos para a casa dela. Para me distrair, decido ficar prestando atenção na bela cidade que se estende diante dos meus olhos, por ser de noite, a cidade inteira está iluminada com luzes fluorescentes tornando o lugar mais bonito ainda, as pessoas que atravessam a minha vista pela janela do carro parecem belas, arrojadas e modernas, mesmo as pessoas que trajavam roupas religiosas tradicionais da sua cultura, aqui tem pessoas de todo mundo, inúmeras religiões e dogmas ou mesmo pessoas que não eram religiosas, parecia mesmo coisa do outro mundo, tudo em um só lugar, estou encantada, isso é bem diferente de Surat, a cidade da onde venho.

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