4. Nayana

O apartamento da Hari fica num dos prédios sofisticados da cidade, só pela visão do prédio já dá pra ver que minha amiga está se dando muito bem em Singapura. Subimos até o andar onde o apartamento dela ficava, nunca estive num lugar tão moderno e sofisticado como aquele, a decoração era toda arrojada, tinha um sofá preto longo no meio da sala, uma TV gigantesca na parede da sala, a cozinha inglesa dava para sala. O lugar não era tão grande como a casa dos Suryavant, mas com certeza era tão cara quanto, até mais cara do que a casa deles, me atrevo a pensar.

"Wau! Sua casa é linda." Exclamo olhando surpresa para o lugar, então é desse jeito que Hari vive. Ela é uma mulher bem resolvida por completo, tenho orgulho da minha melhor amiga. Ela tinha passado por tanta coisa nessa vida que tudo isso ela está conseguindo alcançar é muito mais do que merecido para ela, queria eu ver a cara da família dela que um dia a desprezou por ela simplesmente ser mulher, queria ver como seria a cara deles agora que ela está lá no topo e eles ainda continuam na mesma miséria morando naquela cidadela indiana. Minha amiga está na melhor época da sua vida agora e eu estou orgulhosa de poder sentir o seu brilho. Ela me apresentou o lugar e ficamos de conversa a noite inteira.

Quando no dia seguinte Hari foi pro trabalho, eu fico ali sem muito o que fazer então decido ver um pouco de televisão, ligo a TV e vejo que a maioria dos canais estavam em mandarim ou em inglês, mas consigo achar alguns em hindu. Esse específico está passando uma novela em que os protagonistas estão se casando tradicionalmente, as vestes da noiva eram tão bonitas, estava tudo tão lindo. Minha mente me trai e me vejo lembrando do meu casamento, alguns vislumbres apenas porque tinha sido a muito tempo, mas não era por isso que eu não me lembrava da sensação nervosa que me cobria, a espectativa do que poderia acontecer depois, de estar casada e feliz ao lado do meu marido... Doce enganação, tudo aquilo foi um engano. Eu não fui feliz no meu casamento, aquilo só tinha servido pra apagar minha chama, e tudo pra nada, já que descobri recentemente que Shankar me traía impiedosamente. Se eu não tivesse me casado levaria uma vida similar a da Hari hoje, seria independente, bela e forte e quem sabe minha loja de especiarias, que fazia parte do meu sonho, não seria aclamada... Limpo as lágrimas que insistem em cair e desligo a TV, aquela novela não estava ajudando no meu estado psicológico. Decido ficar na cama dormindo mesmo, me deito ali me cobrindo toda numa posição fetal, aquele sentimento de querer muito me vingar de Shankar sempre lá. O que eu sou? Apenas uma boneca sem vida e sem personalidade? Meu celular toca, é minha filha me ligando. Me recomponho e a atendo.

"Mamadi... Liguei pro papa e ele me contou que você saiu de casa... Mãe, eu sinto muito por isso tudo." Ela parecia estar bem emotiva, sofro um pouco mais por ela também. Não quero que minha filha fique se preocupando com essas coisas, aquilo pode lhe tirar a concentração na faculdade.

"Tá tudo bem, djan. Eu só preciso de um tempo, ainda está muito recente." Explico também emotiva.

"Claro que sim, mãe. Você tem dinheiro pra se cuidar? Eu tenho trabalhado no tempo vago então tenho algum dinheiro guardado, se você quiser eu te mando algum." Ela oferece solidária e preocupada comigo.

"Não não, filha. Não se preocupe, estou aqui na casa da Hari em Singapura, ela parece ser rica, você acredita?" Rio para descontrair e passar segurança na minha filha. "Ela tem cuidado de mim." Explico e ouço ela suspirando de alívio.

"Isso é bom." Ficamos conversando por mais um tempo até que ela teve que ir porque teria uma aula importante, então quando ela desliga, o sentimento de vazio volta dentro de mim. Suspiro triste tentando não chorar mais. Decido fazer algo de útil pra espantar a tristeza, me levanto da cama e começo a organizar a casa da minha amiga, sou uma mulher tão caseira que as tarefas domésticas já estão servindo como terapia pra mim, afinal, passei a minha vida inteira seguindo uma rotina constante na casa dos Suryavant. Era preciso varrer aqui, limpar ali, lavar isto e aquilo e preparar aquele prato de comida... Era tanta coisa que a gente acaba se acostumando com aquela vida. E parece que estou certa porque ter passado toda tarde atarefada nesse apartamento fez bem pra mim, pelo menos me fez esquecer do meu dilema marital! Hari volta pra casa por volta das 6h da tarde, eu tinha resolvido me ocupar fazendo um jantar pra mim e pra ela.

"Oh, Nay. Desculpe, prometi levar você pra passear hoje mas fiquei atolada de trabalho. Eram muitas modelos para atender." Ela explica vindo até mim me dando um abraço confortável. Dou alguma risada com a preocupação dela por mim.

"Relaxa, tá tudo bem. Eu fiz o jantar pra gente." Aponto pra mesa toda arrumadinha. Ela puxa o ar toda surpresa encarando a mesa arrumada, o ar impregnado pelo aroma de vindaloo que preparei.

"Eba, comida!" Vai logo lavar as mãos, mas volta com uma garrafa de vinho. "Não há melhor coisa que acompanhar esse momento com um vinho." Fala se sentando com um sorriso bobo, eu tinha dado um jeito de cozinhar algo tradicional hindu usando a despensa dela mesmo, fiz um prato típico de tofu-vindaloo com a carne de porco que ela tinha no freezer aquela comida é bem popular na região onde nascemos, talvez por isso que ela está tão radiante, saudades de casa falando alto. Posso perceber.

"Você está certa!" Me sento também já que já tinha lavado as mãos e como tradicionalmente comemos a mão, não fizemos diferente. "Você sente saudades de casa, não é mesmo?" A pergunto numa dada altura do jantar.

"Bom, eu gosto da vida que levo aqui, mas sim. Não tem como não sentir saudades de Índia." Sorri, em seus olhos fagulhas de nolstagia dançando ali.

"Você deveria voltar pra lá uma vez, sabe. Pra ver sua família, seus sobrinhos. Você sabe que o seu pai não se encontra mais vivo." Ela suspira e bebe o seu vinho.

"Quem sabe um dia." Sorri pra descontrair. "E quanto a você? O que pretende fazer com relação a essa história toda do Shankar? Vai apenas deixar barato?" Abano levemente a cabeça triste.

"Eu não sei o que fazer..." Falo sendo sincera. Eu queria na verdade era recuperar o tempo que perdi estando do lado do Shankar, mas aquilo era impossível, então pensar naquilo me deixava com frustração e raiva. O que seria de mim daqui há dez anos? Eu não tinha mais nenhuma expectativa, Shankar tinha tirado tudo de mim, ele tirou de mim a minha vida.

"Bom, se você perguntar o que acho. Eu diria que você deve devolver pela mesma moeda." Hari fala assim como quem não quer nada enquanto comia seu vindaloo picante.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo