Pietro Castellane:
— Sei que o momento é delicado para o senhor — minha secretaria começa. — Mas os novos estagiários chegaram ontem, você ainda não se apresentou a...
A frase dela é interrompida pelo som agudo do meu celular vibrando em meu bolso.
— Um momento, Emile — tiro o aparelho do bolso e vejo o nome da médica da minha esposa na tela. Meu coração acelera. — O que aconteceu? — Atendo imediatamente, minha voz soando mais firme do que me sinto por dentro.
O silêncio do outro lado dura uma fração de segundo, mas é longo o suficiente para que meu estômago se contraia em um nó.
— Senhor Castellane, o estado da sua esposa piorou. A pressão dela está perigosamente alta. Precisamos fazer o parto de emergência agora. Não há tempo, ou perderemos os dois.
O peso das palavras atravessa o meu peito como um soco. A sala ao meu redor desaparece em um turbilhão de vozes abafadas e formas indistintas, como se o mundo tivesse perdido o foco. A única coisa que ouço, clara como um trovão, é o som do meu próprio coração batendo descontroladamente.
O celular parece escorregar da minha mão, mas consigo segurá-lo. Não consigo pronunciar nenhuma palavra, apenas desligo e guardo o celular.
Corro pelos corredores com passos rápidos, forçando minhas pernas ao limite, os sons ao meu redor se transformam em um zumbido. As palavras da Dra. ecoam na minha mente como um mantra: "Não há tempo a perder, ou perderemos os dois." O elevador parece lento demais. Aperto o botão repetidamente, como se isso pudesse apressar as portas.
Por favor, Deus… não os leve — suplico baixinho, sentindo o meu peito se comprimir.
Quando finalmente chego à ala obstétrica, meu peito arde com a falta de ar, mas eu não paro. A médica está na porta, com o rosto tenso e as mãos cruzadas diante do corpo, como se tentasse conter a urgência.
— A pressão arterial dela disparou, e os rins estão entrando em falência. Não temos tempo a perder.
Um arrepio percorre minha espinha. A sala parece girar por um instante, mas eu balanço a cabeça, forçando-me a focar.
— Faça o que for necessário. Salve-os!
— Prometo, Pietro, farei tudo ao meu alcance! — acredito em suas palavras, já que são amigas. — Já solicitamos uma equipe da ala de cardiologia pediátrica, faremos tudo ao nosso alcance.
~~
As luzes da sala cirúrgica de parto são intensas, quase cegantes. O ambiente é um caos controlado — vozes apressadas, máquinas apitando, instrumentos cirúrgicos brilhando sob o brilho frio das lâmpadas.
— Vocês vão ficar bem — digo, tentando manter minha voz firme.
Marina tenta sorrir, mas o esforço é evidente, um gesto tão pequeno que parece roubar toda a sua energia.
Relutantemente, solto sua mão, mesmo quando tudo dentro de mim grita para não a deixar. Dou um passo para trás, minhas mãos tremendo.
— Onde está a equipe de cardiologia pediátrica? — pergunto, minha voz carregada de urgência ao não os ver na sala.
— Estão a caminho, doutor. Por favor, vá para a sala de espera. Deixe o resto conosco — a obstetra responde, sem nem desviar o olhar do que está fazendo.
Engulo em seco, minha garganta apertada. Quero insistir, mas sei que não posso. Tento reunir forças para confiar na equipe.
Dou meia-volta e saio da sala, mas a sensação de impotência me consome.
No corredor, sento-me em um banco, mas o assento é duro demais, desconfortável demais. Me levanto, começo a andar de um lado para o outro, cada passo ecoando nos corredores vazios.
Olho para o relógio na parede, mas o tempo parece ter parado. Segundos se arrastam como horas, e o zumbido distante das máquinas na ala cirúrgica apenas intensifica minha ansiedade.
Cada som — o estalar de passos, uma porta abrindo, o clique de um botão do elevador — faz meu coração disparar, na esperança de que seja alguém trazendo notícias.
Mas ninguém aparece. Apenas o vazio.
Passo as mãos pelo cabelo, respirando fundo, tentando afastar os piores cenários que insistem em se formar na minha mente. Meus dedos tremem, e as memórias de Marina sorrindo, ainda grávida, tornam-se um golpe ainda mais doloroso.
De repente, um som rompe o silêncio: um choro fraco vindo de dentro da sala.
Meu coração dispara, minhas pernas quase falham. Lágrimas inundam meus olhos, quentes e incontroláveis. Por um instante, aquele som frágil e desesperado reacende algo em mim: esperança. Meu filho... ele está aqui. Mas por que ninguém veio ainda?
Aguardo, ansioso, para que alguém me chame. Fico em pé, esperando a porta se abrir, mas os minutos se arrastam, intermináveis, e o silêncio ao meu redor só amplifica o som do meu coração batendo descontrolado.
Então, o choro cessa.
O som, que antes era a única certeza de vida, desaparece abruptamente, deixando um silêncio ensurdecedor. Meu peito aperta como se algo estivesse me esmagando, e cada célula do meu corpo entra em alerta.
Algo está errado.
— Por que estão demorando tanto!? — minha voz explode enquanto soco a parede ao meu lado, tentando conter a vontade de invadir a sala e descobrir o que está acontecendo.
O silêncio continua. Cada segundo parece uma eternidade. Meu olhar fixa-se na maçaneta, esperando, implorando para que ela se mova.
Finalmente, a porta se abre.
Minha respiração fica presa no peito enquanto corro em direção à mulher que surge. Sua cabeça está baixa, os ombros curvados em um gesto que não traz boas notícias.
— Meu filho nasceu? Minha mulher está bem? — Minha voz sai apressada, quase desesperada, enquanto meus olhos buscam qualquer indício na expressão dela.
A mulher levanta o olhar, e reconheço imediatamente a jovem à minha frente.
Fernanda Mendonça.
A irmã caçula do meu melhor amigo.
A minha Naninha...
O que a expressão dela significa?
Pietro Castellane:Ela está pálida, o rosto marcado por uma expressão que mistura cansaço, nervosismo e algo mais... culpa? Por um instante, fico paralisado pela surpresa de vê-la ali, mas a preocupação com Marina e o bebê rapidamente me tira do transe.— Minha esposa... — meus olhos caem para suas mãos cheias de sangue.Ela respira fundo, os lábios se comprimindo como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. O silêncio dela é ensurdecedor.— Seu filho... — ela começa, a voz baixa e hesitante. — Ele nasceu. Está na UTI neonatal agora. Mas...Meu mundo gira. A palavra "mas" ecoa na minha mente como uma sentença. Minha garganta aperta, e preciso reunir todas as forças para perguntar:— E Marina? Ela está bem?Fernanda desvia o olhar, os olhos brilhando com lágrimas não derramadas. Meu coração para. Cada músculo do meu corpo fica tenso, esperando pelo golpe.— Eu sinto muito, Pietro. Fizemos tudo o que pudemos... — ela diz, e sua voz falha no final.As palavras me atingem como um
Pietro CastellaneObservo a noite lentamente se render ao dia através da grande janela da minha sala no Vivaz. O céu, antes carregado de escuridão, ganha nuances de rosa, anunciando o nascer do sol. A luz tímida atravessa o vidro, mas não aquece. Não consigo sentir nada.Deslizo o jaleco pelos ombros, ajustando-o com gestos automáticos. Meus movimentos são precisos, mas vazios.Desço os corredores do hospital como se estivesse no piloto automático, cumprimentando rostos que não registro.Não sinto sono.Não sinto fome.Não sinto sede.Só existe uma coisa na minha mente, um único propósito que ainda me faz colocar um pé à frente do outro.Eu só quero ver o meu filho.O silêncio da ala neonatal é sufocante, quebrado apenas pelo som constante dos monitores. Meu olhar está fixo no pequeno corpo do meu filho dentro da incubadora, tão pequeno que parece que vai desaparecer a qualquer momento.As luzes frias da sala acentuam sua pele translúcida, cada batida do coração dele registrada no mon
Pietro Castellane:Adélia.Ela entra como um furacão, trazendo consigo uma presença que preenche a sala de maneira sufocante. Seus saltos ressoam no chão frio, e seu olhar varre o ambiente, passando por Fernanda como se ela não existisse, antes de fixar-se em mim.— Pietro, finalmente te encontrei — sua voz é firme, seria, imediatamente fico em alerta.Respiro fundo, tentando conter o incômodo que cresce no peito.— Adélia, agora não é um bom momento — meu tom é controlado, mas sei que ela não vai aceitar um “não” tão facilmente.Ela ergue uma sobrancelha, desdenhosa, então avança, ignorando minhas palavras.— Não é um bom momento? — O sarcasmo em sua voz me faz cerrar os punhos. — Meu herdeiro está nessa incubadora, e você acha que não é um bom momento para discutirmos o futuro dele? Acha que pode me impedir de vê-lo?Sinto o sangue ferver, mas mantenho a calma.— Adélia — meu tom soa baixo, como um aviso. — Não tem nem vinte e quatro horas que perdi a minha esposa, respeite o meu lu
Fernanda Mendonça:— Sério? Não acredito que deixaram uma gorda buscar equipamentos tão importantes!A voz cheia de deboche ecoa pelo corredor, cortando o ar como uma lâmina, minha mão trava na maçaneta da sala de descanso.— Ainda bem que a doutora também te levou, Ka. Imagina se você não estivesse lá! Poderiam ter perdido a vida do bebê! — Outra voz se junta, carregada de veneno, o tom leve só tornando as palavras mais cruéis.— Eu ouvi dizer que ela não saiu da sala após a saída da doutora. Será que cometeu mais algum erro e por causa disso a paciente morreu? — Uma terceira voz se une ao coro, cada palavra me atingindo como um soco.— Não duvido. Ela mais atrapalha do que ajuda.— Sim, a tia da paciente deu um tapão na cara dela, só não bateu mais porque o Doutor Castellane impediu.— Bem pouco, ela não tinha que dar notícia nenhuma a família.As palavras pairam no ar, pesadas e implacáveis. Cada uma delas parece atravessar minha pele e se alojar fundo, alimentando uma dor que já c
Fernanda Mendonça:A tensão no ar é palpável, e muito estranha. Pietro, com seu olhar sério e uma presença que domina qualquer espaço, mantém-se firme como uma rocha. Tiago, sempre descontraído, agora está ereto como uma linha, como se estivesse disputando território com Pietro, mesmo sendo visivelmente menor.Franzo o cenho, o que está acontecendo?— Doutor Castellane — Tiago quebra o silêncio, sua voz carregada de uma formalidade quase cortante. — Meus pêsames por sua esposa. É uma honra finalmente está na presença do homem melhor cardiogista desse hospital, e agora é o CEO. No entanto, a minha colega Mendonça, está ocupada. Se precisa de uma auxilio de um enfermeiro, estou à disposição.Minha garganta aperta, não consigo entender por que Tiago está agindo dessa forma. Tiago não tira os olhos de Pietro, e Pietro retribui o olhar, estreitando os olhos, como se estivesse lendo além do que foi dito.— Obrigado pela oferta — Pietro desvia o olhar para o crachá de Tiago. — Estagiário L
Pietro CastellaniAs palavras impressas nos papeis em minhas mãos são como facadas no meu peito.“Entrega da guarda legal de Gabriel da Silva Castellane...”Meu sangue ferve.O som do papel rasgando ecoa pela minha sala como um grito sufocado. A cada objeto destruído, rasgado, estilhaçado, minha respiração fica mais pesada, meu peito sobe e desce de forma irregular enquanto tento finalmente me acalmar do ódio que dessa vez eu não consegui conter.Minha visão fica turva pela raiva enquanto rasgo a última página e a jogo ao chão já cobertos por cacos de vidro da mesinha de centro e moveis revirados, computador quebrado.Meus olhos percorrem o caos que minha sala se transformou. Nas manchas de sangue deixadas na parede dos socos que dei. Sinto os nos dos meus dedos finalmente reclamarem com a dor dos ferimentos. Mas nada disso alivia a fúria crescendo dentro de mim.Maldita Adélia! Maldito Diogo! A porta se abre bruscamente.Levanto a cabeça, os ombros rígidos.Fernando entra sem nenhum
Fernanda Mendonça:Por que você não liga?A pergunta ecoa na minha mente como um mantra. Aperto o celular com mais força, meus dedos hesitando sobre a tela.Três semanas desde a última vez que o vi e falei com ele. E continuo aqui, sem saber o que fazer.— Fê? … Fernanda? — Uma voz me chama, e sinto meu ombro ser cutucado. Pisco algumas vezes até minha visão focar e encaro os olhos castanhos de Tiago, que me olha com as sobrancelhas franzidas. — Você está bem?— O-oi — minha voz sai hesitante enquanto coço a garganta. — Sim, estou bem.Tiago inclina a cabeça, seus cabelos lisos balançando com o movimento, seus olhos me estudam.— Você está distraída a manhã inteira, e não é de hoje que está assim. Não está focando nas aulas, fica o tempo todo olhando o celular. Tem certeza que está bem?— Tenho sim — esboço um sorriso amarelo, tentando parecer mais confiante do que me sinto. — O estágio está sendo mais desafiador do que eu imaginei — murmuro deixando a mentira se misturar com uma pita
Fernanda Mendonça:Respiro fundo e ajusto as luvas nas mãos, tentando ignorar o suor que faz meu uniforme grudar na pele. Preciso me concentrar. Sei que este setor exige precisão, e qualquer erro pode ser fatal.— Mendonça, você está no suporte hoje. Monitore os sinais vitais e auxilie nos procedimentos conforme necessário — a voz firme da doutora Débora ecoa no espaço enquanto ela examina um dos recém-nascidos, seu tom carregado de autoridade.Aceno com a cabeça, engolindo em seco. Vou até a incubadora que me foi designada e olho de perto para o bebê tão minúsculo que mal parece real, pois parece caber na palma da minha mão. A pele rosada e quase translúcida brilha sob as luzes brancas, e cada movimento seu é um esforço monumental. O peitoral sobe e desce em um padrão irregular, como se cada respiração fosse uma batalha.Como eu gostaria que nenhum bebê tivesse que passar por isso.Meus olhos correm até a plaquinha de identificação. Meu estômago despenca no mesmo instante.Gabriel Ca