Pietro Castellane:
Adélia.
Ela entra como um furacão, trazendo consigo uma presença que preenche a sala de maneira sufocante. Seus saltos ressoam no chão frio, e seu olhar varre o ambiente, passando por Fernanda como se ela não existisse, antes de fixar-se em mim.
— Pietro, finalmente te encontrei — sua voz é firme, seria, imediatamente fico em alerta.
Respiro fundo, tentando conter o incômodo que cresce no peito.
— Adélia, agora não é um bom momento — meu tom é controlado, mas sei que ela não vai aceitar um “não” tão facilmente.
Ela ergue uma sobrancelha, desdenhosa, então avança, ignorando minhas palavras.
— Não é um bom momento? — O sarcasmo em sua voz me faz cerrar os punhos. — Meu herdeiro está nessa incubadora, e você acha que não é um bom momento para discutirmos o futuro dele? Acha que pode me impedir de vê-lo?
Sinto o sangue ferver, mas mantenho a calma.
— Adélia — meu tom soa baixo, como um aviso. — Não tem nem vinte e quatro horas que perdi a minha esposa, respeite o meu luto. Você não tem o direito de estar aqui.
Ela ri, mas é um som frio, desprovido de qualquer empatia.
— Eu tenho mais direito do que você! — Adélia rebate, cruzando os braços com arrogância, seus olhos carregado de superioridade. — Esse bebê é tudo o que sobrou da minha sobrinha. Ele pertence a minha família. É a nossa parte do acordo.
A palavra "acordo" faz meu estômago revirar.
M*****a! — Fecho os olhos por um instante, respirando fundo para conter a raiva que sobe pelo meu corpo como uma onda incontrolável.
— Senhora — antes que possa responder, a voz de Fernanda ecoa, ela dá um passo à frente, sua postura firma, bem diferente de segundos atrás. — Com todo respeito, o bebê está sob cuidados médicos, e é o pai dele quem decide quem pode ou não o visitar — termina, sua voz soando firme, mas ao mesmo tempo educado.
Adélia se vira lentamente para Fernanda, como se ela fosse uma mosca que ousou cruzar seu caminho, irritante e nojenta.
— E quem é você para me dizer alguma coisa? — rosna. — Como ousar me dirigir a palavra, sua...
— Fernanda está certa — a impeço de continuar dando um passo à frente. — Você não pode entrar aqui sem a minha permissão. E, para deixar claro, você nunca, nunca terá a guarda de Gabriel, meu filho. A mãe dele foi muito clara ao dizer que não queria você ou seu marido perto dele, e eu vou honrar a vontade dela.
Adélia me encara com um olhar afiado, seus olhos queimando com raiva. O canto da boca dela se franze em desprezo.
— Seu moleque ingrato. Já esqueceu qual foi o combinado entre as nossas famílias? Se não fosse por mim e meu marido, você e sua família estariam na sarjeta! Pare de agir com essa prepotência e assine logo a merda dos papéis!
Minha paciência chega no limite.
— Nunca! — Minha voz ecoa pelo ambiente, mais alta do que eu pretendia. Puxo o ar com força, tentando não deixar a raiva transbordar ainda mais. Não posso esquecer de onde estamos.
Adélia dá um passo à frente, mas antes que ela consiga se aproximar mais de mim, Fernanda se coloca entre nós, erguendo a mão em um gesto protetor, o que só parece atiçar ainda mais a fúria da velha.
— Senhora Adélia, com todo respeito, estamos num local que precisa de tranquilidade, o bebê...
— Cale a boca! — Adélia grita, interrompendo-a com uma fúria que gela o ambiente. Seus olhos brilham de ódio ao encarar Fernanda. — Não quero ouvir sua voz, garota. Jamais vou esquecer que a minha única filha e verdadeira neta estão mortas por causa do seu irmão. Não ouse falar comigo, garota. No seu sangue corre o DNA de um maldito assassino!
Fernanda dá um passo para trás, atordoada, como se as palavras fossem um golpe direto em seu peito. Seus ombros tremem, e vejo o impacto das palavras de Adélia se espalhando como rachaduras em sua expressão.
Sinto meu corpo reagir antes mesmo de pensar. Dou um passo à frente e coloco minha mão nas costas dela, firme, protetor. Uma forma silenciosa de passar forças para ela, mesmo não me restando muitas.
— Saia do meu hospital, Adélia — minha voz é baixa, mas carregada de ameaça. — Esta será a última vez que eu pedirei.
— Isso ainda não acabou, Pietro — a promessa é palpável em suas palavras. — Você vai se arrepender disso, Dr. Castellane — ela pronuncia meu sobrenome com nojo, e me encara por mais alguns segundos, a raiva em seus olhos palpável.
Com um bufar irritado, ela vira nos calcanhares e sai da sala, batendo a porta com força.
O silêncio que fica é pesado, cortante. Sinto Fernanda tremer sob minha mão, e minha raiva se mistura com um estranho sentimento de culpa por ela ter sido envolvida nisso.
Merda!
— Está tudo bem? — Pergunto, minha voz agora mais suave.
Fernanda apenas assente, mas seu olhar continua perdido, como se estivesse presa nas palavras venenosas de Adélia. Vejo o brilho de algo não dito em seus olhos, uma dor silenciosa que me faz apertar os punhos.
Sinto um peso familiar crescer no meu peito. Pena por ela, mas também uma raiva latente. Fernando nunca se defendeu das acusações dessa mulher, nunca se deu ao trabalho de revelar a verdade. Ele leva a culpa em silêncio, e, por extensão, deixa Fernanda exposta a ataques que ela não deveria suportar.
Respiro fundo, tentando acalmar minha própria tempestade interna antes que ela transborde.
— Não escute nada do que ela disse — digo, minha voz firme. As palavras saem como uma ordem, mas o tom carrega um pedido implícito, quase uma súplica.
Fernanda levanta os olhos para mim. Há algo ali — hesitação, talvez até uma vontade de responder, de dividir o que está passando por sua mente. Mas, no final, ela não diz nada. Apenas assente de novo, um movimento quase imperceptível.
Sem dizer mais uma palavra, ela sai, me deixando sozinho com o meu filho. Olho para ele novamente, e eu sei que aquela velha ainda irá aprontar mais.
— Papai vai te proteger, meu menino.
Fernanda Mendonça:— Sério? Não acredito que deixaram uma gorda buscar equipamentos tão importantes!A voz cheia de deboche ecoa pelo corredor, cortando o ar como uma lâmina, minha mão trava na maçaneta da sala de descanso.— Ainda bem que a doutora também te levou, Ka. Imagina se você não estivesse lá! Poderiam ter perdido a vida do bebê! — Outra voz se junta, carregada de veneno, o tom leve só tornando as palavras mais cruéis.— Eu ouvi dizer que ela não saiu da sala após a saída da doutora. Será que cometeu mais algum erro e por causa disso a paciente morreu? — Uma terceira voz se une ao coro, cada palavra me atingindo como um soco.— Não duvido. Ela mais atrapalha do que ajuda.— Sim, a tia da paciente deu um tapão na cara dela, só não bateu mais porque o Doutor Castellane impediu.— Bem pouco, ela não tinha que dar notícia nenhuma a família.As palavras pairam no ar, pesadas e implacáveis. Cada uma delas parece atravessar minha pele e se alojar fundo, alimentando uma dor que já c
Fernanda Mendonça:A tensão no ar é palpável, e muito estranha. Pietro, com seu olhar sério e uma presença que domina qualquer espaço, mantém-se firme como uma rocha. Tiago, sempre descontraído, agora está ereto como uma linha, como se estivesse disputando território com Pietro, mesmo sendo visivelmente menor.Franzo o cenho, o que está acontecendo?— Doutor Castellane — Tiago quebra o silêncio, sua voz carregada de uma formalidade quase cortante. — Meus pêsames por sua esposa. É uma honra finalmente está na presença do homem melhor cardiogista desse hospital, e agora é o CEO. No entanto, a minha colega Mendonça, está ocupada. Se precisa de uma auxilio de um enfermeiro, estou à disposição.Minha garganta aperta, não consigo entender por que Tiago está agindo dessa forma. Tiago não tira os olhos de Pietro, e Pietro retribui o olhar, estreitando os olhos, como se estivesse lendo além do que foi dito.— Obrigado pela oferta — Pietro desvia o olhar para o crachá de Tiago. — Estagiário L
Pietro CastellaniAs palavras impressas nos papeis em minhas mãos são como facadas no meu peito.“Entrega da guarda legal de Gabriel da Silva Castellane...”Meu sangue ferve.O som do papel rasgando ecoa pela minha sala como um grito sufocado. A cada objeto destruído, rasgado, estilhaçado, minha respiração fica mais pesada, meu peito sobe e desce de forma irregular enquanto tento finalmente me acalmar do ódio que dessa vez eu não consegui conter.Minha visão fica turva pela raiva enquanto rasgo a última página e a jogo ao chão já cobertos por cacos de vidro da mesinha de centro e moveis revirados, computador quebrado.Meus olhos percorrem o caos que minha sala se transformou. Nas manchas de sangue deixadas na parede dos socos que dei. Sinto os nos dos meus dedos finalmente reclamarem com a dor dos ferimentos. Mas nada disso alivia a fúria crescendo dentro de mim.Maldita Adélia! Maldito Diogo! A porta se abre bruscamente.Levanto a cabeça, os ombros rígidos.Fernando entra sem nenhum
Fernanda Mendonça:Por que você não liga?A pergunta ecoa na minha mente como um mantra. Aperto o celular com mais força, meus dedos hesitando sobre a tela.Três semanas desde a última vez que o vi e falei com ele. E continuo aqui, sem saber o que fazer.— Fê? … Fernanda? — Uma voz me chama, e sinto meu ombro ser cutucado. Pisco algumas vezes até minha visão focar e encaro os olhos castanhos de Tiago, que me olha com as sobrancelhas franzidas. — Você está bem?— O-oi — minha voz sai hesitante enquanto coço a garganta. — Sim, estou bem.Tiago inclina a cabeça, seus cabelos lisos balançando com o movimento, seus olhos me estudam.— Você está distraída a manhã inteira, e não é de hoje que está assim. Não está focando nas aulas, fica o tempo todo olhando o celular. Tem certeza que está bem?— Tenho sim — esboço um sorriso amarelo, tentando parecer mais confiante do que me sinto. — O estágio está sendo mais desafiador do que eu imaginei — murmuro deixando a mentira se misturar com uma pita
Fernanda Mendonça:Respiro fundo e ajusto as luvas nas mãos, tentando ignorar o suor que faz meu uniforme grudar na pele. Preciso me concentrar. Sei que este setor exige precisão, e qualquer erro pode ser fatal.— Mendonça, você está no suporte hoje. Monitore os sinais vitais e auxilie nos procedimentos conforme necessário — a voz firme da doutora Débora ecoa no espaço enquanto ela examina um dos recém-nascidos, seu tom carregado de autoridade.Aceno com a cabeça, engolindo em seco. Vou até a incubadora que me foi designada e olho de perto para o bebê tão minúsculo que mal parece real, pois parece caber na palma da minha mão. A pele rosada e quase translúcida brilha sob as luzes brancas, e cada movimento seu é um esforço monumental. O peitoral sobe e desce em um padrão irregular, como se cada respiração fosse uma batalha.Como eu gostaria que nenhum bebê tivesse que passar por isso.Meus olhos correm até a plaquinha de identificação. Meu estômago despenca no mesmo instante.Gabriel Ca
Pietro CastellaneA colher de metal bate contra o prato de porcelana pela terceira vez. O som me irrita mais do que deveria. O cheiro do café e comida preenche o refeitório, mas não consigo sentir fome.Desvio os olhos da xicara em minha mão, pousando na Dra. Isabela Mancini, uma das candidatas da maldita lista que Fernando e minha secretária ajudaram a elaborar e também uma das medicas mais procuradas do meu hospital, especializada em neurologia, brilhante em sua área e, aparentemente, convencida de que todos deveriam saber disso.— Porque, veja bem, Pietro, tudo bem eu lhe chamar assim, né? — Ela não espera por resposta. — Eu sou uma das poucas que conseguem equilibrar a vida profissional e pessoal de maneira impecável — ela diz, enquanto mexe no café com a colher, sem realmente beber.Apenas assinto, bebendo meu próprio café. Ela claramente não precisa de incentivo para continuar falando.— Eu sempre soube que nasci para ser excepcional. Desde a faculdade, eu era uma das melhores d
Pietro Castellane:— Seu filho… — Débora começa, e o tom dela já me coloca em alerta. — Passou por uma situação de alto risco, que pode comprometer ainda mais a condição do coração dele.Um calafrio horrível sobe pela minha espinha, e meu coração bate tão forte que parece ecoar no silêncio do corredor.— Explique — exijo entre dentes, cada músculo do meu corpo enrijecendo.Débora suspira de forma bem audível.— A culpa foi minha. Não deveria ter confiado a monitorização do equipamento a uma estagiária. Mas… — ela pausa por um milésimo de segundo e então continua: — Isso aconteceu apenas porque ela resolveu mexer nos tubos do pequeno Gabriel sem o meu consentimento enquanto eu estava cuidando da emergia de outro bebê.Meu peito aperta, e meu olhar se estreita.— E o que exatamente ela fez?— Por ela ter ajustado de forma errada, o pequeno Gabriel ficou sem oxigênio e entrou em colapso respiratório o que causou uma taquicardia grave nele.O zumbido nos meus ouvidos fica ensurdecedor, fe
Pietro CastellaneMe apoio de costa sobre a mesa, cruzo os braços sobre o peito e observo Fernanda de costa, se movimentando tão lentamente quanto uma lesma.Finalmente a porta se fecha com um clique abafado.Ela permanece parada com a mão sobre a maçaneta, hesitando por um segundo antes de finalmente se virar para mim. Ela parece menor do que realmente é, e mesmo estando afastado dela por tanto anos, ainda odeio vê-la assim. Os dedos dela se apertam na barra da camisa do uniforme, enxergo o leve tremor neles.Mas esse não é um momento para eu me preocupar com ela.“Pietro tem a vida dele, ele é um homem casado agora. A esposa dele precisa de cuidados, você bem sabe, não tem porque eu ficar mantendo contato com ele.” — As palavras que o irmão dela repetiu quando eu questionei sobre o porquê eu não conseguia falar com Fernanda ecoam em minha mente, há um ano, minha esposa eram quem precisava dos meus cuidados, agora é o meu filho que precisa.— Por que mexeu nos tubos do meu filho? — M