Fernanda Mendonça:Respiro fundo e ajusto as luvas nas mãos, tentando ignorar o suor que faz meu uniforme grudar na pele. Preciso me concentrar. Sei que este setor exige precisão, e qualquer erro pode ser fatal.— Mendonça, você está no suporte hoje. Monitore os sinais vitais e auxilie nos procedimentos conforme necessário — a voz firme da doutora Débora ecoa no espaço enquanto ela examina um dos recém-nascidos, seu tom carregado de autoridade.Aceno com a cabeça, engolindo em seco. Vou até a incubadora que me foi designada e olho de perto para o bebê tão minúsculo que mal parece real, pois parece caber na palma da minha mão. A pele rosada e quase translúcida brilha sob as luzes brancas, e cada movimento seu é um esforço monumental. O peitoral sobe e desce em um padrão irregular, como se cada respiração fosse uma batalha.Como eu gostaria que nenhum bebê tivesse que passar por isso.Meus olhos correm até a plaquinha de identificação. Meu estômago despenca no mesmo instante.Gabriel Ca
Pietro CastellaneA colher de metal bate contra o prato de porcelana pela terceira vez. O som me irrita mais do que deveria. O cheiro do café e comida preenche o refeitório, mas não consigo sentir fome.Desvio os olhos da xicara em minha mão, pousando na Dra. Isabela Mancini, uma das candidatas da maldita lista que Fernando e minha secretária ajudaram a elaborar e também uma das medicas mais procuradas do meu hospital, especializada em neurologia, brilhante em sua área e, aparentemente, convencida de que todos deveriam saber disso.— Porque, veja bem, Pietro, tudo bem eu lhe chamar assim, né? — Ela não espera por resposta. — Eu sou uma das poucas que conseguem equilibrar a vida profissional e pessoal de maneira impecável — ela diz, enquanto mexe no café com a colher, sem realmente beber.Apenas assinto, bebendo meu próprio café. Ela claramente não precisa de incentivo para continuar falando.— Eu sempre soube que nasci para ser excepcional. Desde a faculdade, eu era uma das melhores d
Pietro Castellane:— Seu filho… — Débora começa, e o tom dela já me coloca em alerta. — Passou por uma situação de alto risco, que pode comprometer ainda mais a condição do coração dele.Um calafrio horrível sobe pela minha espinha, e meu coração bate tão forte que parece ecoar no silêncio do corredor.— Explique — exijo entre dentes, cada músculo do meu corpo enrijecendo.Débora suspira de forma bem audível.— A culpa foi minha. Não deveria ter confiado a monitorização do equipamento a uma estagiária. Mas… — ela pausa por um milésimo de segundo e então continua: — Isso aconteceu apenas porque ela resolveu mexer nos tubos do pequeno Gabriel sem o meu consentimento enquanto eu estava cuidando da emergia de outro bebê.Meu peito aperta, e meu olhar se estreita.— E o que exatamente ela fez?— Por ela ter ajustado de forma errada, o pequeno Gabriel ficou sem oxigênio e entrou em colapso respiratório o que causou uma taquicardia grave nele.O zumbido nos meus ouvidos fica ensurdecedor, fe
Pietro CastellaneMe apoio de costa sobre a mesa, cruzo os braços sobre o peito e observo Fernanda de costa, se movimentando tão lentamente quanto uma lesma.Finalmente a porta se fecha com um clique abafado.Ela permanece parada com a mão sobre a maçaneta, hesitando por um segundo antes de finalmente se virar para mim. Ela parece menor do que realmente é, e mesmo estando afastado dela por tanto anos, ainda odeio vê-la assim. Os dedos dela se apertam na barra da camisa do uniforme, enxergo o leve tremor neles.Mas esse não é um momento para eu me preocupar com ela.“Pietro tem a vida dele, ele é um homem casado agora. A esposa dele precisa de cuidados, você bem sabe, não tem porque eu ficar mantendo contato com ele.” — As palavras que o irmão dela repetiu quando eu questionei sobre o porquê eu não conseguia falar com Fernanda ecoam em minha mente, há um ano, minha esposa eram quem precisava dos meus cuidados, agora é o meu filho que precisa.— Por que mexeu nos tubos do meu filho? — M
Fernanda Mendonça— Tia! — Uma voz infantil que eu conheço bem grita atrás de mim.Me viro a tempo de ver Luciano correndo em minha direção. Ele vem tão rápido que quase esbarra em um médico que sai de uma sala, mas consegue desviar no último segundo. Ele abre seus pequenos braços e se joga contra minhas pernas com tanta força que quase perco o equilíbrio, mas o agarro antes que ele tropece.— Luciano, devagar! — Laura, minha cunhada, reclama, mas meu pequeno sobrinho ignora completamente e me abraça apertado.— Oi, campeão — sorrio, abaixando para ficar na mesma altura da dele.Antes que eu possa dizer mais alguma coisa, Luciana também vem correndo, silenciosa, mas com um sorriso tão grande que enche o meu coração.— Venha cá, princesa — digo, e abro o outro braço para ela.Ela se aninha contra mim, e eu seguro os dois, apertando-os com carinho. Dou um beijo na bochecha de cada um.— Como vocês estão?— Bem, tia — Luciano responde com um sorriso de tirar o fôlego.Passo a mão pelos c
Fernanda MendonçaLevo o canudo do suco à boca, mas o gosto doce do pêssego não chega aliviar nem um pouco o nó apertado em minha garganta.Meus dedos apertam o copo de suco com força, tendo a todo custo não ficar encarado o casal sentado apenas duas meses de distância da minha. Contudo, sou fraca.Não consigo desviar o olhar.Pietro está ali, mas parece não me notar, ao apenas finge.A mulher com ele eu nunca a vi aqui antes, talvez seja uma das novas. Ela tem um sorriso radiante e sedutor, mostrando todos os seus dentes perfeitos e alinhados. O toque casual da mão dela no braço de Pietro me dá a sensação de um golpe no estômago.Ele não a afasta.Aperto o copo com força sem perceber, e o suco acaba transbordando pelo canudo, molhando a mesa.O som da risada dela me faz sentir uma vontade enorme de revirar os olhos enquanto enxugo a mesa com o guardanapo.Espio eles de novo, ela continua rindo e mexendo no cabelo, mordendo o lábio, tocando o ombro e mão dele.Eu não deveria me import
Pietro Castellane:Ainda de longe vejo a candidata conversar com a minha secretária, sorrindo com um certo brilho no olhar. Observo os cabelos loiros ondulados que caem perfeitamente sobre seus ombros brilham sobre a luz florescente, e os olhos verdes cintilam com um expressão que sugere confiança.Fecho as mãos em punhos.Elas são muitos parecidas.A imagem de outra loira, agora uma mulher adulta, de olhos verdes surge em minha mente, olhos gentis e inocentes que costumavam me olhar com admiração. Lembro-me de como Fernanda sorria quando eu chegava na casa dos pais dela para visita-la, como ela sempre se jogava em meus braços com um abraço apertado.Reprimo o pensamento no mesmo instante, mas a memória já está lá, como uma ferida que nunca cicatriza. Respiro fundo e forço um sorriso educado enquanto me aproximo a passos largos.— Senhoritas — cumprimento.— Bem, este aqui é o Doutor Castellane, Samantha — minha secretaria Emile me apresenta, Samantha estende a mão, seu aperto firme,
Fernanda MendonçaO vento suavemente frio do terraço toca meu rosto, trazendo consigo um cheiro leve de terra úmida vindo das plantas aqui em cima. O hospital abaixo de nós continua sua rotina incansável, mas aqui, no alto, parece que tudo se silencia.Tiago me guia até um dos bancos, e eu nos sentamos, minha pele pegajosa com os requisitos do suco não me incomoda tanto quanto as lágrimas salgadas em meus olhos, com as mãos trêmulas tenta limpar enxuga-las, mas elas insistem em cair.Tiago será as minhas suas mãos.— Chore, Fê — ele diz, sua voz suave, quase um sussurro. — Não prenda.Baixo o olhar para nossos dedos entrelaçados. Seu toque é quente, firme, e algo dentro de mim parece se desfazer. Ele não solta minha mão, não se afasta, apenas me encara como se estivesse me dando permissão para desmoronar. Ele me puxa para um abraço, e eu tento resistir.— Ti... você vai se sujar — eu murmuro, minha voz embargada.Ele dá um meio sorriso e me puxa para mais perto, envolvendo-me em um ab