Fernanda Castellane:A manhã nasce preguiçosa, arrastando luz suave pela janela da cozinha. O cheiro de café recém passado mistura-se ao da massa assada sobre o balcão.Continuo mexendo lentamente com a colher de madeira a calda de chocolate na panelinha para que ela esfrie mais rápido.Uma das sensações que ele me causou ainda permanece, como se algo em mim finalmente tivesse despertado, e agora, exige por mais.Tento me concentrar no som do mar, manter minha mente focada em outra coisa, mas nada funciona. O café, o bolo, a calda. Nada é capaz de tira-lo na minha mente, nada é capaz de me deixar em paz.Meu corpo ainda lembra.Ainda pulsa.A primeira noite com Pietro me marcou de uma forma que eu não sei nomear. A língua dele, as mãos, a forma que ele me segurou como se eu fosse mais leve do que o ar... tudo isso me acompanhou a noite inteira.Ou teria acompanhado, se ele tivesse ficado.Agr! Mesmo com o dia já amanhecido, o gosto amargo ainda está em minha boca. A forma carinhosa co
Fernanda Castellane:— Sim — a palavra sai mais firme do que eu esperava.Apesar de toda a raiva que senti, a confiança que tenho nele é muito maior.Os passos dele ecoam, indo e vindo, tento manter minha respiração controlada. Meu coração calma, mas a ansiedade e expectativa estão me deixando tão... tão... sensível.Um calor inesperado pinga bem no centro do meu seio esquerdo. Bem no bico.— Ah! — um gritinho de surpresa escapa dos meus lábios. Meus quadris se contraem, os dedos se agarram à beirada da mesa.É quente. Quase quente demais para a minha pele tão sensível.— O que diabos você... — engasgo. Ofegado, fecho as mãos em punhos e sinto uma nova onda de pulsão caminhar por todo o meu corpo, o cheiro da calda de chocolate invadindo meu olfato de uma forma tão intensa.Mais um gemido escapa de mim, o boca quente dele se fechando ao redor do meu bico, sugando com uma pressão que faz meu corpo arquejar.Então ele começa a brincar com a língua, me lambendo como se saboreasse um doce
Fernanda Castellane:A brisa morna e salgada da praia acaricia meus cabelos, fazendo-os dançar suavemente contra meu rosto. Meus pés afundam na areia úmida enquanto ondas pequenas, tranquilas e geladas beijam meus tornozelos antes de recuar, deixando rastros espumantes na areia úmida. O sol queima minha pele, mas a brisa salgada do mar ameniza o calor.Estar assim com ele, em um ambiente tão tranquilo, ainda é algo que preciso me acostumar. Parece irreal.O rosto dele parece sereno sob os óculos escuros, uma expressão rara, relaxada, parece quase feliz. Quase consigo ver o Pietro de uns cinco anos atrás, antes de tudo acontecer.— Ei, tira uma foto minha — peço, sorrindo enquanto paro e faço uma pose divertida, jogando os cabelos para o lado.Ele ergue o celular e tira algumas fotos minhas. Sorrio naturalmente para a câmera, a luz dourada da manhã refletindo em meus olhos. Logo depois, Pietro se aproxima e estica o braço, virando a câmera para uma selfie nossa juntos. Sua expressão é
Fernanda Mendonça:Concentre-se Fernanda. Você já passou por várias simulações na faculdade, respire fundo e ajude! — Pressão arterial subindo! — A voz da enfermeira corta o ar, carregada de tensão.— Precisamos acelerar — a obstetra declara, sua postura rígida transparecendo a gravidade da situação. Ela se volta para o anestesista. — Ela está estabilizada o suficiente?— Podemos começar — o anestesista responde com um breve aceno, embora o nervosismo esteja evidente em sua voz.Meu coração parece pular do peito quando o bisturi na mão da doutora reluz sob a luz fria da sala. O ambiente ao meu redor parece diminuir, cada som ampliado como se estivesse dentro de uma bolha prestes a estourar.Droga! A simulação nunca é como a vida real.A obstetra começa a incisão, suas mãos rápidas e precisas. O sangue surge na pele pálida da paciente, e o som dos instrumentos sendo passados de mão em mão enche a sala, um ritmo quase hipnótico.— Chegando na cavidade uterina — informa a Dra.Sinto o s
Pietro Castellane:— Sei que o momento é delicado para o senhor — minha secretaria começa. — Mas os novos estagiários chegaram ontem, você ainda não se apresentou a...A frase dela é interrompida pelo som agudo do meu celular vibrando em meu bolso.— Um momento, Emile — tiro o aparelho do bolso e vejo o nome da médica da minha esposa na tela. Meu coração acelera. — O que aconteceu? — Atendo imediatamente, minha voz soando mais firme do que me sinto por dentro.O silêncio do outro lado dura uma fração de segundo, mas é longo o suficiente para que meu estômago se contraia em um nó.— Senhor Castellane, o estado da sua esposa piorou. A pressão dela está perigosamente alta. Precisamos fazer o parto de emergência agora. Não há tempo, ou perderemos os dois.O peso das palavras atravessa o meu peito como um soco. A sala ao meu redor desaparece em um turbilhão de vozes abafadas e formas indistintas, como se o mundo tivesse perdido o foco. A única coisa que ouço, clara como um trovão, é o som
Pietro Castellane:Ela está pálida, o rosto marcado por uma expressão que mistura cansaço, nervosismo e algo mais... culpa? Por um instante, fico paralisado pela surpresa de vê-la ali, mas a preocupação com Marina e o bebê rapidamente me tira do transe.— Minha esposa... — meus olhos caem para suas mãos cheias de sangue.Ela respira fundo, os lábios se comprimindo como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. O silêncio dela é ensurdecedor.— Seu filho... — ela começa, a voz baixa e hesitante. — Ele nasceu. Está na UTI neonatal agora. Mas...Meu mundo gira. A palavra "mas" ecoa na minha mente como uma sentença. Minha garganta aperta, e preciso reunir todas as forças para perguntar:— E Marina? Ela está bem?Fernanda desvia o olhar, os olhos brilhando com lágrimas não derramadas. Meu coração para. Cada músculo do meu corpo fica tenso, esperando pelo golpe.— Eu sinto muito, Pietro. Fizemos tudo o que pudemos... — ela diz, e sua voz falha no final.As palavras me atingem como um
Pietro CastellaneObservo a noite lentamente se render ao dia através da grande janela da minha sala no Vivaz. O céu, antes carregado de escuridão, ganha nuances de rosa, anunciando o nascer do sol. A luz tímida atravessa o vidro, mas não aquece. Não consigo sentir nada.Deslizo o jaleco pelos ombros, ajustando-o com gestos automáticos. Meus movimentos são precisos, mas vazios.Desço os corredores do hospital como se estivesse no piloto automático, cumprimentando rostos que não registro.Não sinto sono.Não sinto fome.Não sinto sede.Só existe uma coisa na minha mente, um único propósito que ainda me faz colocar um pé à frente do outro.Eu só quero ver o meu filho.O silêncio da ala neonatal é sufocante, quebrado apenas pelo som constante dos monitores. Meu olhar está fixo no pequeno corpo do meu filho dentro da incubadora, tão pequeno que parece que vai desaparecer a qualquer momento.As luzes frias da sala acentuam sua pele translúcida, cada batida do coração dele registrada no mon
Pietro Castellane:Adélia.Ela entra como um furacão, trazendo consigo uma presença que preenche a sala de maneira sufocante. Seus saltos ressoam no chão frio, e seu olhar varre o ambiente, passando por Fernanda como se ela não existisse, antes de fixar-se em mim.— Pietro, finalmente te encontrei — sua voz é firme, seria, imediatamente fico em alerta.Respiro fundo, tentando conter o incômodo que cresce no peito.— Adélia, agora não é um bom momento — meu tom é controlado, mas sei que ela não vai aceitar um “não” tão facilmente.Ela ergue uma sobrancelha, desdenhosa, então avança, ignorando minhas palavras.— Não é um bom momento? — O sarcasmo em sua voz me faz cerrar os punhos. — Meu herdeiro está nessa incubadora, e você acha que não é um bom momento para discutirmos o futuro dele? Acha que pode me impedir de vê-lo?Sinto o sangue ferver, mas mantenho a calma.— Adélia — meu tom soa baixo, como um aviso. — Não tem nem vinte e quatro horas que perdi a minha esposa, respeite o meu lu